Claudio Ranieri teve uma história de sonho no Leicester em 2016, desafiou o impossível, ganhou a Premier League. Uns meses depois, saiu. Mauricio Pochettino conseguiu levar o Tottenham onde nunca tinha ido na principal prova europeia em 2019. Uns meses depois, saiu. Thomas Tuchel foi o treinador que ficou mais perto de dar ao PSG o tão ambicionado triunfo na Liga dos Campeões em 2020. Uns meses depois, saiu. O futebol é feito de lógica mas vive sobretudo do momento e foi por isso que, nos últimos dias, surgiu a pergunta que ninguém arriscava fazer: podia haver um divórcio naquele casamento perfeito entre o melhor treinador do mundo e aquela que era para muitos a melhor equipa do mundo por uma série de maus resultados em mês e meio? Resposta: não. Mas só o simples facto de haver essa questão mostrava bem o momento atribulado que o Liverpool de Jürgen Klopp vive.

Error 404: o velho Alisson não foi encontrado, Klopp já não sabe com quem contar e o Liverpool voltou a perder

“Se fui despedido ou quero sair? Não. E não, também não estou a pensar que preciso parar. Foi bom ter visto uma tarja em Anfield mas não era necessário. Não acho que precise desse apoio mas é claro que é muito, muito bom”, comentou na antecâmara do jogo com o RB Leipzig na Puskas Arena, em Budapeste. Caso arrumado. Pelo menos este – a carreira desportiva dos reds era outra questão, com o título cada vez mais longe e a Liga dos Campeões a chegar como esperança/aposta da época tendo pela frente uma das revelações da última edição.

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A última derrota veio adensas esses problemas. Rebobinando o filme, o Liverpool acabou o ano de 2020 com dois empates que permitiram a aproximação dos principais rivais na Premier League mas teve depois uma série nefasta a abrir 2020 em apenas dez jogos, com seis derrotas que não só deixaram o Manchester City demasiado longe no topo da classificação como tiraram a equipa do top-4 do Campeonato, além de ter perdido a invencibilidade em casa que se mantinha há meses sem fio e de ter ficado fora da Taça de Inglaterra. E o último encontro frente ao Leicester adensou ainda mais os problemas, por vir após a pesada derrota em Anfield com o City e por ter surgido em oito minutos na parte final do encontro quando Salah tinha colocado a equipa na frente aos 67′.

“Era claramente um jogo que deveríamos vencer. Jogámos bem, dominámos, marcámos um golo e poderíamos ter apontado mais. O primeiro golo do Leicester estava em fora de jogo. Estavam três jogadores em posição irregular. O segundo golo é obviamente um mal-entendido. Foi uma situação em que deveriam de gritar e ninguém fez isso. Não gostei do terceiro golo. Estávamos demasiados abertos e não posso aceitar. A nossa exibição durante 75 minutos foi fantástica mas perdemos por 3-1. Isso mostra a situação complicada em que estamos…”, comentou o treinador alemão após o encontro. “Tem sido um período difícil mas não foram apenas as últimas três semanas, foi mais do que isso. Ninguém precisa de ficar preocupado. A barba está a ficar cada vez mais grisalha, não durmo muito mas estou cheio de energia”, destacou agora, tentando fazer do jogo na Hungria o início da redenção.

Pela frente estaria um RB Leipzig que, em relação à última época, perdeu a referência Timo Werner mas reforçou-se com Alexander Sörloth, Justin Kluivert, Szoboszlai ou Benjamin Henrichs e continuava a contar com a grande “arma” do projeto, o jovem treinador Julian Nagelsmann que, este semana, admitiu em entrevista à BBC que não foi fácil recusar o Real Madrid em 2018, quando tinha apenas 31 anos. “É importante ter um plano de carreira, para se dar os passos certos. É verdade que tive um telefonema do Real, não fui o único que eles contactaram. Queriam falar comigo, conhecer-me a mim e à minha filosofia. Mas tomei a decisão certa, apesar de não ter sido fácil porque é um dos maiores clubes que há. Se voltarem a ligar, no futuro, talvez a decisão seja diferente mas, há dois anos, essa decisão foi acertada, não tinha grande experiência a nível internacional”, recordou o técnico.

Seguia-se mais um desafio, numa fase em que a equipa está no segundo lugar da Bundesliga a cinco pontos do campeão Bayern e nos quartos da Taça da Alemanha. Ou o maior desafio, tendo o central Upamecano como grande destaque não só por estar já contratado pelo Bayern para a próxima temporada (a troco de mais de 40 milhões de euros) mas também por ter sido o alvo mais desejado pelo Liverpool para suprir não só a ausência do insubstituível Virgil van Dijk mas também de outros defesas como Joe Gomez, Matip ou, mais recentemente, Fabinho. E foi um desafio superado: o Liverpool voltou a mostrar a sua melhor versão, dominou por completo e acabou por ganhar forçando os erros contrários e não caindo pelos erros próprios, como aconteceu nos últimos jogos feitos. Como diria Mark Twain, as notícias da morte dos reds esta época são manifestamente exageradas…

Tentando agarrar o jogo desde início, o Liverpool ainda correu o sério risco de ser traído pelo seu calcanhar de Aquiles defensivo, numa transição pela esquerda conduzida por Angeliño com cruzamento atrasado para o desvio ao poste do internacional espanhol Dani Olmo (5′), mas conseguiu passar o susto e ser fiel aos dois mandamentos que fizeram a equipa campeã inglesa e europeia: capacidade para pressionar alto condicionando a primeira fase de construção do adversário e agressividade e intensidade com e sem bola, sobretudo na reação à perda. Com isso, não só aliviou Alisson de trabalhos extras como criou várias oportunidades, entre um remate de Salah para defesa de Gulacsi (15′), um cabeceamento no segundo andar de Mané por cima (24′), um chapéu fantástico de Robertson quase do meio-campo que rasou a trave da baliza alemã e um golo anulado a Firmino por indicação do árbitro assistente, por considerar que o cruzamento de Mané foi feito para lá da linha de fundo (37′).

O Liverpool estava melhor mas não marcava e a primeira grande oportunidade no segundo tempo até foi do RB Leipzig, com Nkunku a ser lançado em profundidade, a ganhar metros pela esquerda e a rematar já na área para defesa de Alisson para canto (47′). O jogo poderia mudar ou pelo menos ficar mais aberto mas bastaram dois erros crassos dos germânicos para as contas ficarem fechadas: Sabitzer teve um passe errado para trás, isolou de forma inadvertida Salah e o egípcio aproveitou para inaugurar o marcador (53′); depois foi Mukiele a ter uma abordagem errática a um passe longo que permitiu que Sadió Mané surgisse também isolado para fazer o 2-0 (58′). Até ao final, Angeliño ainda teve um remate com perigo mas os ingleses tinham encontrado a sua zona de conforto e até ameaçaram por mais do que uma vez aumentar uma vantagem que pode ser decisiva.