Jorge Costa, cidadão português com residência fixa em Portugal, está retido no Brasil. O voo de regresso que estava inicialmente marcado para o dia 7 de fevereiro foi reagendado para esta quarta-feira e, posteriormente, para 19 de março. É uma situação “insustentável”, diz ao Observador. “Um cidadão perde o direito de regressar à sua casa”, lamenta.

Portugal prolongou a suspensão dos voos — comerciais ou privados, com origem ou destino no Brasil e no Reino Unido — até pelo menos 1 de março por causa da pandemia. Mas a situação de Jorge está prestes a mudar, dado o anúncio feito esta quarta-feira pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, de que Portugal vai proceder ao repatriamento de portugueses que se encontram no Brasil por “razões humanitárias”, tal como previsto no despacho publicado pelo Governo.

Em resposta ao Observador esta quarta-feira, o gabinete de Santos Silva confirmou que “está em preparação um voo de apoio ao regresso a território nacional por razoes humanitárias, nos termos do despacho nº 1689-C/2021, de 12 de fevereiro, cujas coordenadas específicas serão comunicadas oportunamente, assim que se conclua o processo de obtenção das autorizações indispensáveis”.

Governo anuncia repatriamento de portugueses no Brasil “por razões humanitárias”

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Antes do anúncio do Governo já 860 pessoas tinham assinado uma petição a pedir que os cidadãos portugueses e os estrangeiros residentes em Portugal possam regressar ao país. Na petição lê-se que são “centenas” os que estão retidos em diferentes países, nomeadamente no Brasil, e que muitos “estão com problemas em manter alojamento e outras despesas básicas”. A petição foi criada por Catarina Miranda: fez 40 anos anteontem e celebrou o aniversário sozinha porque está retida no Brasil, longe da família, longe do filho.

“Eu e a minha família vivíamos no Brasil. Estamos em processo de mudança para Portugal. Fisicamente já estávamos em Portugal, mas precisei de voltar para vir buscar os nossos cães que estavam ao cuidado de terceiros.” No dia 24 de janeiro aterrou do lado de lá do Atlântico e ainda não conseguiu voltar. “Era suposto ser uma coisa breve, já estava tudo tratado.” Agora, diz, está bastante desesperada. “A pressão psicológica é muita. Neste momento estou a trabalhar remotamente, mas estou sempre a pensar nisto. Estou sempre à espera que o telefone toque e me chamem para um suposto voo de repatriamento. É uma situação muito complicada não ter liberdade de ir para junto do meu filho.”

Já Jorge Costa admite estar a passar por dificuldades num país estrangeiro e a pernoitar num apartamento de pequenas dimensões, cedido por um familiar. Costa viajou para o Brasil em março de 2020 para ajudar a mulher e a filha, de 17 anos, a mudarem-se para Portugal. O arranque da pandemia atrasou o processo e a família, com medo do vírus invisível, decidiu esperar mais um pouco. Mas, agora, “já não temos mais tempo”, diz Elaine Veloso, a mulher, ao Observador. “Desfizémo-nos de todos os bens, vendemos tudo, para regressar a 7 de fevereiro.”

Elaine é uma das administradoras de um grupo de Facebook criado a 31 de janeiro, através do qual cerca de 140 pessoas em situações idênticas têm comunicado entre si sobre o mesmo problema. Todas querem voltar a Portugal. Foram também mais de 100 os que assinaram a carta a pedir o repatriamento que Elaine vai entregar esta quarta-feira em mãos no consultado português em Brasília. Ao Observador, conta ainda outras histórias de que tem conhecimento, incluindo mães separadas de filhos e pessoas em risco de serem demitidas ou que já perderam o trabalho. “Estamos presos”, desespera.

O casal salienta que o consulado português no Brasil sugeriu, até à data, para que se “tente regressar por rotas alternativas”, via França ou Suíça, o que consideram ser “um verdadeiro absurdo”, dado os preços elevados e o excesso de horas de voo, o que aumenta o risco de contaminação. Na página da embaixada portuguesa no Brasil também se lê a seguinte nota: “Existem opções de voos para Portugal, com escala noutros países, pelo que, havendo necessidade de regresso imediato, recomendamos diligências nesse sentido.”

De acordo com a Lusa, o MNE já recebeu pedidos de 70 portugueses que se encontram no Brasil e que, “por razões de saúde, necessitam de regressar a Portugal”, motivo pelo qual está a ser organizado um voo de repatriamento.

“Está muito difícil.” É a primeira coisa que Sílvia Simone Barreto diz em conversa com o Observador. A brasileira de 55 anos, casada com um português de 65, está a tentar chegar ao Porto, cidade onde vai passar a morar, desde o dia 2 de fevereiro. O voo, à semelhança de muitos outros, também foi cancelado. “Não tenho mais onde ficar no Rio de Janeiro, tenho passado estes dias em casa de uma conhecida”, comenta. Os últimos tempos têm sido de muita ansiedade. “Perdi muitos quilos e muitos cabelos, choro muito ao telefone.”

A realidade também é vivida ao contrário, com muito brasileiros retidos em Portugal. O consulado brasileiro em Portugal informa, numa nota publicada a 13 de fevereiro, “não estar previsto voo de repatriação”. Os consulados-gerais em Lisboa, Porto e Faro “recomendam àqueles que tencionem viajar [para o] Brasil neste período excecional que procurem, junto das companhias aéreas, conexões possíveis”.