O início do julgamento de um ex-padre acusado de abuso de crianças em Timor-Leste foi adiado para terça-feira, para que a equipa de defesa possa ter mais tempo para consultar os autos do processo.

A decisão foi tomada pelo coletivo de juízes, Yudi Pamukas, Hugo da Cruz Pui e Evangelino Belo, que está a ouvir o caso contra Richard Daschbach, 84 anos, acusado dos crimes de abuso sexual de crianças, pornografia infantil e violência doméstica.

Daschbach chegou ao Tribunal Distrital de Oecusse, cerca das 08h40 (23h40 de domingo em Lisboa), num carro da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL) e acompanhado pelo comandante distrital, Mateus Assunção Mendes. Questionado pela Lusa sobre se ia falar no julgamento ou remeter-se ao silêncio, Daschbach disse apenas “não ter a mínima ideia”, sendo depois impedido de continuar a responder por um advogado da defesa.

Pouco depois chegou ao tribunal o antigo Presidente timorense Xanana Gusmão, que também se escusou a fazer qualquer comentário, pelo menos na fase inicial do processo, disse. Gusmão acompanhou a sessão sentado na primeira fila.

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No exterior uma presença policial reforçada, com agentes distritais e, depois da chegada do arguido e de Xanana Gusmão, por elementos das Operações Especiais, do Corpo de Segurança Pessoal e dos serviços de inteligência, ainda que praticamente não houvesse público.

O único momento em que se juntou uma multidão, no exterior do recinto do tribunal, foi já depois de suspensos os trabalhos, quando Xanana Gusmão estava a sair.

No arranque do processo, o coletivo de juízes deferiu parte de vários pedidos apresentados quer pela defesa quer pelo Ministério Público.

Os juízes deferiram o pedido da defesa para adiar o julgamento, mas não aceitaram a proposta de adiamento durante cinco dias, já que isso, explicou Yudi Pamukas, ia afetar todo o calendário do tribunal, empurrando o julgamento para abril.

O tribunal mantém a decisão de adiar o início do julgamento para amanhã [terça-feira]. O arguido tem defesa adequada, de vários advogados e pode, no decurso do processo, a sua presença ser dispensada de algumas audiências”, frisou.

A defesa chegou a pedir mais 15 dias (além dos 15 já dados) para contestar o Ministério Público, argumentando que esse prazo era necessário no que toca ao pedido de indemnização feito pela acusação.

“As vítimas estão em Díli, os advogados têm que viajar de Díli e há ainda a preocupação de que devido à Covid-19 possa haver um ‘lockdown’ em Oecusse”, disse Pedro Aparício, que lidera a equipa de seis advogados de defesa.

“O tribunal tem que garantir os direitos do arguido. E a defesa tem que ter acesso aos autos”, afirmou Aparício.

Em resposta, o procurador Matias Soares, que lidera a equipa do Ministério Público, disse que um dos advogados da equipa de defesa, em concreto o defensor público, acompanhou o processo desde o início da inquirição e, por isso, teve amplo tempo para estudar os autos, tendo que “se coordenar” com o resto da equipa.

“A justiça tem que garantir os direitos do arguido, mas também tem que defender os direitos das vítimas”, sublinhou Soares.

Ao lado do Ministério Público e como assistentes do processo, estão dois advogados da JUS, a organização jurídica que representa as vítimas.

O tribunal sustentou que esse pedido de indemnização não era uma ação separada, cível, mas estava contido no mesmo processo de acusação criminal e, como tal, o prazo era suficiente.

O tribunal indeferiu um outro pedido da defesa que pretendia transferir o julgamento para o Tribunal Distrital de Díli, no qual apresentou a dificuldade de movimentação do arguido de Díli, onde está em prisão domiciliária, a idade avançada e estado de saúde, sobre o qual apresentou mesmo um atestado médico.

Neste caso, o coletivo de juízes indeferiu o pedido, considerando que uma decisão nesse sentido é da competência do Tribunal de Recurso.

Já no que toca ao Ministério Público, os juízes deferiram um pedido no sentido de que o julgamento, por envolver vítimas menores, fosse realizado à porta fechada, rejeitando um pedido da defesa que queria a abertura parcial, por questões “de transparência”, em partes do processo que não envolvessem o testemunho de menores.

Indeferiram, porém, um pedido do MP para o fecho das atividades no orfanato Topu Honis, onde os alegados crimes terão ocorrido, para proteger as vítimas e testemunhas de eventuais tentativas de intimidação.

A defesa contestou esse pedido, considerando que o arguido nem sequer está em Oecusse, que a sua idade avançada “não leva a acreditar que possa fazer qualquer ameaça” e o trabalho do orfanato é essencial para apoio social a uma vasta comunidade.

Já o MP insistiu que essa mudança era uma competência do Tribunal de Recurso.

O tribunal tem previsto que as audiências do julgamento decorram, pelo menos, durante toda esta semana.

Ministério Público timorense confiante nas provas de acusação por pedofilia contra ex-padre