O segurança Manuel Correia testemunhou esta quarta-feira que “ouviu gritos” de Ihor Homeniuk vindos de uma sala do SEF no aeroporto de Lisboa e que encontrou um dos inspetores com um pé em cima da nuca do passageiro ucraniano.

Esta segunda testemunha e vigilante a ser inquirido esta quarta-feira no julgamento em Lisboa de três inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) acusados de homicídio qualificado de Ihor Homeniuk confirmou que os inspetores tinham ido para o interior da sala onde o ucraniano estava isolado com um bastão, tendo “ouvido gritos” que disse serem de Ihor Homeniuk vindos do interior daquele espaço.

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A testemunha recordou que foi fumar um cigarro e quando regressou viu o arguido Luís Silva sair da sala e dizer que “as coisas lá dentro estavam complicadas”.

Manuel Correia revelou que teve oportunidade de espreitar para o interior da sala, onde viu Ihor com deitado com a barriga para baixo, com as mãos algemadas nas costas e que, quando a vítima tentou mexer-se, o inspetor Duarte Laja gritou para o passageiro: “Está quieto“.

Acrescentou que Ihor Homeniuk mexeu-se novamente, ao que Duarte Laja repetiu “está quieto, está quieto”, tendo este colocado um pé na nuca do passageiro, empurrando-o para que este permanecesse imóvel no colchão.

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A testemunha relatou ainda que Ihor Homeniuk “tinha sangue na boca” e disse não se lembrar quem tinha sido a pessoa que levou as algemas para o interior da sala.

O segurança/vigilante relatou que após assistir àquela cena “ficou um bocado à toa”, tendo justificado perante o tribunal que porventura terá ficado atónito com a situação porque “talvez porque não estivesse mesmo à espera daquela reação tão excessiva” por parte dos inspetores do SEF, “embora soubesse que a situação era complicada”, uma vez que o passageiro ucraniano se mostrou sempre inquieto e perturbado com a possibilidade de ter que regressar ao seu país de origem.

Garantiu ao coletivo de juízes, presidido por Rui Coelho, que “nunca mais viu Ihor“, tendo descrito os acontecimentos ocorridos durante a madrugada em que ele e o outro colega segurança, Paulo Marcelo, optaram por atar os pés da vítima com fita adesiva castanha, colocado sobre as calças, como forma de controlar o passageiro que já se tinha atirado contra um armário da sala e tentado alcançar com as mãos as calhas do ar condicionado.

Negou contudo que alguma vez o tivesse visto com fita adesiva nos pulsos, apenas com ligaduras, tendo dito ainda que uma secretária e duas cadeiras já haviam sido retiradas da sala face ao comportamento inconstante do passageiro ucraniano.

Além dele, admitiu, quem viu Ihor Homeniuk no interior da sala com os inspetores foi o seu colega vigilante Paulo Marcelo e “talvez a inspetora Cecília”.

Foi nessa altura – afirmou – que o arguido e então inspetor do SEF Duarte Laja lhes terá dito que “não os queria lá”, alegando que aquilo “não era para estar a ver”.

Os advogados de defesa – Ricardo Sá Fernandes, Maria Manuel Candal e Ricardo Serrano – fizeram um contrainterrogatório dirigido àquilo que consideram serem contradições evidentes com o depoimento que a testemunha havia prestado em sede de investigação (inquérito), tendo esta alegado que não contou tudo inicialmente à polícia porque “queria passar despercebido“.

A testemunha foi também insistentemente confrontada com uma revista enrolada que durante a madrugada levou para o interior da sala onde estava Ihor Homeniuk, negando que a intenção fosse agredi-lo com a revista, a qual tinha como figura de capa o “Cristiano Ronaldo”. Alegou que a intenção inicial era “entreter” o passageiro que estava inquieto, mas que este não ligou à revista.

Antes, ouvido também como testemunha, o segurança Paulo Marcelo declarou ter ouvido “gritos agonizantes” vindos do interior da sala onde Ihor Homeniuk estava retido com três inspetores do SEF, admitindo ter presenciado a agressão da vítima com um bastão.

Três inspetores SEF – Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa – estão ser julgados por homicídio qualificado de Ihor Homeniuk, um crime punível com pena de prisão até 25 anos.

O crime terá ocorrido a 12 de março, dois dias após o cidadão do Leste Europeu ter sido impedido de entrar em Portugal, alegadamente por não ter visto de trabalho. Segundo a acusação, após ser espancado, terá sido deixado no chão, manietado, a asfixiar lentamente até à morte. Dois dos inspetores respondem ainda pelo crime de posse de arma proibida (bastão).