Na segunda quinzena de janeiro, com a situação descontrolada, o Governo teve que fazer duas alterações às medidas em vigor no estado de emergência. A culpa? Segundo Eduardo Cabrita, ministro que assina o relatório sobre o estado de emergência de 16 a 30 de abril, foi dos portugueses que “não interiorizaram a gravidade da situação”. Já Marta Temido, no Plenário, fez questão de recordar a Eduardo Cabrita que todos “são cidadãos portugueses e povo” e que a única culpada é “a doença”. Antes de terminar ainda frisou, em jeito de recado e mea culpa do Governo, que “não há melhores ou piores portugueses”. Desconfinar não está no horizonte de curto ou médio prazo e a esperança só mesmo “na primavera”. Até lá, o 12.º estado de emergência já foi aprovado, repetindo a votação das últimas renovações: PS, PSD, CDS, PAN e deputada não inscrita Cristina Rodrigues votaram a favor PCP, Verdes, Iniciativa Liberal, Chega e Joacine Katar Moreira mantêm-se contra e os deputados do Bloco de Esquerda abstiveram-se.

O relatório de aplicação do estado de emergência esta tarde discutido na Assembleia da República trazia a carga negativa de respeitar ao período mais duro para Portugal até ao momento: a segunda quinzena de janeiro quando o país registou os maiores números de novos infetados, casos ativos, mortos e internados (em enfermaria geral e unidades de cuidados intensivos). As imagens das filas de ambulâncias horas a fio à porta dos hospitais ainda estão presentes na memória, embora não tão presentes como o Governo gostaria já que continua a empurrar o tema do desconfinamento para depois, temendo uma repetição desse cenário com um aligeirar de medidas demasiado precoce.

Com os votos a favor do PSD, CDS e PAN já garantidos, antes da votação do 12.º estado de emergência o Governo ainda ouviu o CDS falar em “responsabilidades” no atraso à resposta na terceira vaga, o PSD acusar o Executivo de “correr atrás do prejuízo” e ter “poupado na despesa sem conseguir proteger a vida dos que sucumbiram às mãos do SNS”.

À esquerda o BE diz que o “Governo está a falhar ao país” nas áreas da testagem, vacinação ou execução do Orçamento. Para o Bloco, cabe ao Governo “assumir responsabilidade e mudar o rumo”, um pedido semelhante ao dos comunistas que querem uma “pedagogia da proteção e o reforço do SNS” para o desconfinamento e uma melhor resposta à pandemia da Covid-19. Já Os Verdes consideram “urgente” desconfinar, mas de uma forma “planeada e segura”. O PEV continua sem perceber a utilidade da declaração do estado de emergência (e como tal mantém o voto contra este recurso) e diz que o país está “num momento capaz de alento e esperança aos portugueses”, mas ela “não pode estar assente na vaga esperança de que tudo passe mas precisa de assentar na tomada de medidas concretas”. Pelo PAN, o porta-voz André Silva pediu “respostas antes de desconfinar” e maior atenção aos mais velhos e à região centro que, nota, registou uma taxa de letalidade superior à nacional e a “segunda maior taxa de novos casos”.

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Ainda antes que o Governo tomasse da palavra, Luís Testa, do PS, usou o tempo disponível para responder à intervenção do Bloco de Esquerda: “Quem faltou ao país foi quem tinha compromissos e faltou à chamada”. A resposta referia-se, claro, à saída do Bloco das negociações do último Orçamento do Estado (que foi viabilizado pelo PCP, PAN e pelas duas deputadas não inscritas).

Passos Coelho como exemplo de gestão de crises

Já o Iniciativa Liberal acusou os ministros da Administração Interna, Saúde e Educação de “incompetência” na gestão da pandemia, sem que essa intervenção lhe tivesse valido alguma resposta dos dois ministros sentados na bancada do Governo durante os debates desta tarde. Mais à direita, o também deputado único André Ventura recuperou a memória do ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho lamentando que o atual Chefe de Executivo não tenha aprendido com Passos Coelho “o que é gerir um país em tempos de crise”. Os apupos vindos das bancadas quando o nome do social-democrata foi proferido ainda interromperam por uns segundos Ventura, mas levou a sua à frente e trouxe Passos Coelho para o debate do 12.º estado de emergência.

Ainda que o mês de janeiro tenha sido uma travessia do deserto para o país e para o Governo, Eduardo Cabrita diz que esse “pesadelo de inverno” serve agora para “criar a esperança da primavera que vem aí”. “Independentemente do conhecimento que não temos e da ânsia de sabermos mais, é pela redução de contágios que conseguimos infletir a tendência”, apontou o ministro afastando a ideia de que o país já esteja numa situação confortável para avançar para o aligeirar de medidas. Antes, já a ministra da Saúde tinha dado o exemplo de dois dias no mês de agosto, um deles com pouco mais de 100 novos casos confirmados e zero mortos e outro com apenas 1,2% do total de testes realizados nesse dia com resultado positivo. O objetivo? Mostrar que o país já esteve de facto numa situação muito mais favorável e que é necessário voltar a alcançá-la.

Os indicadores dos especialistas podem ainda não estar consensualizados, mas o Governo parece já ter algumas metas em mente. Falar em desconfinamento só mesmo para o afastar de uma realidade próxima: “Não é tempo de desconfinar”. “Com determinação, sentido de resiliência, mobilização de todos, temos de aumentar o espaço de resposta das estruturas de saúde aumentar o espaço que permita o regresso à escola, a recuperação das atividades económicas”, disse ainda Eduardo Cabrita frisando que a “esperança da primavera” vem também da vacinação, num dia em que Portugal atinge 500 mil pessoas vacinadas com pelo menos uma dose.

As críticas foram muitas, da direita à esquerda, como vem sendo hábito nos debates de 15 em 15 dias, mas Cabrita parece ter feito ouvidos de mercador e preferiu destacar a “unidade” entre o Governo e Marcelo Rebelo de Sousa e os “mais de 90% de deputados” que votaram a favor do estado de emergência.