Duas irmãs, o mesmo destino. As filhas do emir do Dubai, Mohammed Al Maktoum, estão neste momento em cativeiro. A sua situação voltou a ganhar notoriedade depois de, na última semana, a princesa Latifa, que tentou fugir do controlo do pai em 2018, ter divulgado um vídeo à BBC mostrando que estava refém numa casa “transformada em prisão”. Nesta quinta-feira, foi a vez de ser divulgada uma carta mais um apelo da filha mais nova do emir, desta vez a pedir à polícia inglesa que reabra o processo judicial do desaparecimento da sua irmã, a princesa Shamsa, que já não é vista em público desde 2000.

“Tudo o que vos peço é que deem atenção ao caso dela porque vocês [polícia inglesa] podem dar-lhe a liberdade. A vossa ajuda e atenção pode libertá-la”, lê-se na carta escrita à mão pela princesa Latifa em fevereiro de 2018, e também partilhada pela BBC. “Ela tem uma forte ligação a Inglaterra… E ela ama realmente Inglaterra, todas as suas melhores memórias foram aqui”, acrescenta.

A princesa Shamsa, descrita como uma jovem “cheia de vida” e “aventureira”, cresceu entre os Emirados Árabes Unidos e o Reino Unido, recebendo uma educação tipicamente ocidental. Segundo Marcus Essabri, sobrinho do emir do Dubai, e que passou parte da infância com as primas, “ela queria fazer a diferença junto às mulheres, principalmente no mundo árabe. Ela queria testar os limites… E foi aí que os problemas começaram”.

De acordo com uma carta escrita ao primo, a princesa Shamsa queria ir para a universidade, mas o pai não a terá deixado prosseguir os estudos. “Eu não posso continuar a estudar. Ele nem quis saber em que [curso] é que eu estava interessada. Ele apenas disse que não”. Foi então que a tensão familiar aumentou — e segundo a documentação, a princesa já pensava em fugir da propriedade inglesa da família, avaliada em 75 milhões de libras (86 milhões de euros) em Longcross, Surrey. “A única coisa que me assusta é imaginar-me mais velha e arrepender-me de não tentar fazê-lo quando tinha 18 anos. Experimentar o quê? Não sei. Apenas arriscar”, desabafou na carta.

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No início do verão de 2000, com 18 anos, conseguiu mesmo fugir. Mas por pouco tempo. A 19 de agosto, um homem, em que aparentemente confiava, combinou um encontro com ela no Hotel University Arms, em Cambdrige. Antes que lá chegasse, e depois de uma perseguição no meio das principais ruas de Londres, foi capturada por uma equipa se seguranças contratada pelo pai. Foi depois levada para uma moradia em Newmarket, sendo que nesse mesmo dia viajou de helicóptero para o norte de França. No dia seguinte, voltou novamente — e provavelmente para sempre — para o Dubai.

O zombie em que se transformou a princesa de Shamsa

Segundo a princesa Latifa, após a fuga, a irmã passou oito anos numa prisão no Dubai. Em 2008 conseguiu voltar a vê-la, mas descreveu-a como um zombie. “Eu tinha de segurar a mão dela. Ela não conseguia abrir os olhos… Deram-lhe comprimidos para a controlar que a transformaram numa zombie”. Outra pessoa que convivia com a princesa Shamsa deu o seu testemunho à BBC: “Ela estava sempre quieta. Tudo o que fazia estava controlada. Não havia qualquer reação por parte dela. Não havia luta nela. Não havia nada. Ela era apenas uma concha. Ela resignou-se ao facto de aquilo era a sua vida. É desesperante e triste”.

As duas irmãs voltaram a reunir-se novamente em 2019. Numa chamada telefónica com os primos, a princesa Latifa revelou-lhes que a irmã “não parecia a mesma. Ela estava sob efeito de drogas. Ela está viva. Mas não é mais a Shamsa que conhecemos”.

Dezoito anos depois, a princesa Latifa fez de tudo para reabrir o inquérito judicial que só começou nos primeiros meses de 2001, mas que foi arquivado por falta de provas, tendo havido, segundo várias fontes, uma forte interferência diplomática pelo meio. A influência do emir terá sido assim determinante para o decurso da investigação no início do milénio. É que Mohammed Al Maktoum é amigo da Rainha Isabel II e é, simultaneamente, um dos maiores proprietários de imóveis no Reino Unido. Londres vê ainda os Emirados Árabes Unidos como um aliado e um parceiro estratégico no Médio Oriente. 

O escritório do emir chegou mesmo o contactar o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico para discutir o rapto da princesa Shamsa e a BBC conta que uma investigação mais detalhada poderia “prejudicar as relações bilaterais entre o Reino Unido e os Emirados Árabes Unidos”. Questionado sobre estes factos, o ex-primeiro-ministro britânico da altura, Tony Blair, disse apenas que não se “lembra” do sucedido.

O regresso à agenda

A fuga falhada da princesa Latifa em 2018 voltou a trazer à agenda pública o rapto da irmã. O chefe de departamento da polícia de Cambridge, David Beck, confirmou à BBC a reabertura do processo: “Não é todos os dias que há uma alegação envolvendo um chefe de estado”. Ainda assim, a única prova que poderia levar o emir a responder judicialmente era o facto de a sua equipa de detetives ter drogado Shamsa, o que é contra a lei britânica.

As investigações prosseguiram e David Beck conseguiu telefonar à princesa Shamsa, que corroborou a carta que a irmã escreveu (e que foi publicada esta quinta-feira). Mas para recolher mais provas precisava de ir ao Dubai. Os superiores negaram-lhe a viagem. “Nunca me foi dada uma razão para tal”, afirmou o chefe de departamento da polícia de Cambridge.

A princesa Latifa também tem feito de tudo para alertar a comunidade internacional para o caso. A filha mais nova do emir também está em cativeiro, após ter sido apanhada a fugir do país num iate, numa fuga digna de filme, mas sem sucesso. Ela terá combinado usar o barco da família para um passeio inocente, tendo combinado contudo refugiar-se num país estrangeiro, através de um intermediário, que a iria buscar no meio do mar. Mas o iate foi intercetado por agentes contratados pelo emir, tendo a princesa sido alegadamente drogada e depois transportada novamente para o Dubai. A semana passada, confessou à BBC que há três anos que está numa “villa”. “Todas as janelas estão fechadas com grades, não consigo abrir nenhuma janela. Há cinco polícias do lado de fora e dois dentro de casa. Nem posso ir à rua apanhar ar fresco“, conta nas imagens divulgadas.

Desaparecida desde 2018, princesa Latifa diz que está refém numa casa “transformada em prisão”

As duas irmãs continuam em cativeiro. Enquanto Shasma parece resignada à sua nova vida, Latifa tem continuado a lutar. Pelas duas.