A Alta-Comissária da ONU para os Direitos Humanos denunciou esta sexta-feira que os governos europeus estão a restringir, nomeadamente judicialmente, a atividade das organizações que resgatam migrantes no Mediterrâneo, atitude que classificou como “preocupante”.

“Preocupa-me que medidas tomadas por vários países europeus estejam a restringir o trabalho de organizações que protegem os direitos dos migrantes e lhes prestam uma assistência que salva vidas”, lamentou Michelle Bachelet, que hoje se dirigiu ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), por ocasião da apresentação do seu relatório anual sobre o panorama global dos Direitos Humanos.

Segundo dados citados pela representante, provenientes da própria União Europeia (UE), cerca de 50 processos criminais e administrativos contra organizações não-governamentais (ONG) humanitárias envolvidas no resgate e salvamento de migrantes no mar Mediterrâneo foram iniciados por países como Alemanha, Grécia, Itália, Malta, Países Baixos e Espanha desde 2016. A maioria destes casos ocorreu em Itália e uma grande parte foi registada desde 2019, de acordo com os mesmos dados.

A ex-presidente chilena, designada Alta-Comissária para os Direitos Humanos em 2018, disse que apenas quatro navios humanitários estão operacionais, neste momento, na rota migratória do Mediterrâneo Central, encarada como uma das mais mortais, que sai a partir da Líbia, Argélia e da Tunísia em direção à Itália e a Malta. As restantes embarcações foram apreendidas ou estão proibidas de operar, segundo a representante.

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Tal situação, frisou Michelle Bachelet, levanta “sérias preocupações” sobre a segurança dos migrantes numa “das rotas de migração mais mortíferas do mundo”. A Alta-Comissária da ONU para os Direitos Humanos adiantou que a sua equipa tem expressado “de forma reiterada” as suas preocupações em relação a tais medidas, assim como em relação a “atos de intimidação, assédio, obstrução ou negação de acesso” de migrantes, fazendo referência a situações relatadas na Hungria ou na Croácia.

“A sociedade civil e uma monitorização independente são fundamentais para a saúde de todas as sociedades. Exorto a UE e os Estados-membros a assegurarem que esta tendência de diminuição do espaço cívico seja invertida e a estabelecerem proteções adequadas, nomeadamente através do Pacto europeu para as Migrações e Asilo [apresentado pela Comissão Europeia em setembro de 2020 e atualmente em debate]”, declarou Michelle Bachelet.

Ainda na intervenção, a representante falou da Turquia, abordando, entre outros aspetos, a aprovação recente de uma lei que tem o objetivo declarado de impedir o financiamento de armas de destruição em massa e introduz mais restrições e supervisão sobre as organizações da sociedade civil.

“A sua aplicação – juntamente com a lei dos ‘media’ adotada em julho passado e outra legislação restritiva – poderá aumentar ainda mais o uso de acusações de terrorismo vagamente definidas para visar e silenciar os críticos identificados”, afirmou a Alta-Comissária.

Sobre a situação turca, Michelle Bachelet concluiu: “As represálias contra pessoas que procuram justiça e responsabilização – incluindo para as vítimas de desaparecimentos forçados – estão a agravar a erosão da independência judicial e do Estado de Direito, e contribuem para um ambiente cívico cada vez mais inseguro”.