A pergunta dizia respeito aos últimos jogos do FC Porto ao Sp. Braga e ao final mais tenso do jogo da primeira mão da meia-final da Taça de Portugal. A resposta, essa, foi bem mais abrangente. E foi buscar o último clássico.

“Aquilo que se passa no campo fica no campo. Se for a contar tudo o que disse a adversários e o que eles me disseram mim… Tudo o que se passa num desporto cheio de paixão e sempre no limite das características que o ser humano pode ter, começava agora e acabava daqui a dez anos. Não é bonito. Se calhar é mais importante isso do que o que fizemos frente ao Sporting, não lhe permitindo um remate enquadrado, com várias ocasiões para fazer golo. Ninguém fala disso. Não sou eu que vou dizer o que o Pote e o Nuno Santos disseram ao nosso banco. Há quem use isso para mascarar situações mais importantes. Faz parte, é o que vende. Muitos não comentam o futebol mas sim o que se passa à volta do futebol. Comentou-se a vitória frente à Juventus? As dinâmicas e a forma como condicionámos a Juventus? Não há tempo. Quem é apaixonado pelo futebol fala do jogo, quem é subserviente e quer o tachinho comenta o que há à volta do futebol. Para mim, o mais importante em Braga foram as duas grandes exibições que fizemos, com menos jogadores. E dar mérito ao Sp. Braga porque acreditou”, referiu.

Uma questão, alguns ângulos, vários destinos (e destinatários) numa semana de especial importância para a época com a decisão de um apuramento para a final da Taça de Portugal, o regresso em Barcelos a um Campeonato onde não existe agora margem de erro após os quatro empates nos últimos cinco encontros e a luta pela passagem aos quartos da Champions em Turim, com a Juventus. Em relação ao que se passou dentro e fora de campo (a nível de redes sociais) no clássico, até pela resposta que o FC Porto deu ao Sporting sobre as vezes que cada um dos bancos se levantou, não existe muito mais a acrescentar – pode criticar-se muito mas acaba tudo a fazer o mesmo. Mais: o que se passa em campo e no balneário, seja em que atividade for, é suposto ficar aí. Ponto. A questão do tempo útil de jogo, que também foi depois referida, é um ponto estrutural que surgiu na atual conjuntura e que deve ser falada (e resolvida) juntando todas as partes ligadas. Mas naquelas palavras de Sérgio Conceição estava também a ideia de um sentimento de injustiça em relação às exibições que a equipa tem feito face aos resultados.

O jogo com a Juventus, em termos globais, foi o mais conseguido da época e o próprio treinador colocou-o entre os melhores nos 200 primeiros que fez no comando dos dragões. Os dois em Braga, mesmo acabando com empates nas circunstâncias conhecidas, foram bons. No plano coletivo, nos destaques individuais. E em vez de se fixar nas igualdades, o treinador dos azuis e brancos sublinhou antes da partida a qualidade do adversário com quem teve o mérito de fazer isso. “Na minha opinião, o Sp. Braga é a melhor equipa em Portugal a jogar, na beleza e na dinâmica como chegam à baliza e condicionam o adversário. Quando têm a bola, talvez sejam a melhor equipa a jogar em Portugal neste momento. É uma equipa muito bem trabalhada com jogadores acima da média que fazem parte de um clube grande e com um excelente treinador. Conheço bem a ambição das pessoas do clube”, disse.

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Do lado oposto, Carvalhal manteve na antecâmara da partida a ideia de sempre (que desta vez não foi expressa mas que está sempre implícita): 100% de respeito, 0% de receio. E tentou esvaziar a pressão de uma “final” antes de um calendário mais desafogado que permitirá a equipa trabalhar de outra forma em cima do segundo lugar na Liga. “Quando o Sp. Braga, num futuro próximo, conseguir ter 50% dos jogadores do plantel como normalmente Benfica, Sporting e FC Porto têm nas respetivas seleções, aí poderemos dizer que estamos a subir de patamar e que estamos perto destas equipas. Até lá, cumpre-nos a nós reduzir essas diferenças, valorizar os nossos jogadores, ajudá-los a ser cada vez melhores, ajudar os nossos jogadores a chegar às diversas seleções e fazer com que o Sp. Braga seja competitivo dentro do campo”, resumiu, passando a bola da responsabilidade para o lado dos dragões.

Ao quarto encontro entre ambos e já com mais de metade da época cumprida, FC Porto e Sp. Braga já não têm propriamente segredos. Podem introduzir diferentes sistemas táticos, nuances alternativas mas mantêm uma ideia de jogo consistente e são fiéis à mesma. Depois, tudo depende das dinâmicas, da exploração dos erros contrários, da própria inspiração individuais. E foi isso que fez toda a diferença: perante uma equipa azul e branca “horrível” (palavras de Pepe no final) e um conjunto minhoto a provar que é a melhor com bola nas transições ofensivas, o Sp. Braga chegou ao 3-0 em menos de meia hora, aproveitando uma entrada ainda pior do que com o jogo frente ao Boavista antes de Borja ser expulso e o encontro resumir-se aos ataques dos dragões contra uma muralha minhota. Se na Pedreira Sérgio Conceição acabou a dizer “11 para 11 levavas cinco ou seis” para Carvalhal, hoje foi Carvalhal que “deu” três em 11 para 11. Mais do que isso, a promessa de que a primeira parte do Boavista nunca mais se iria repetir não foi cumprida. Foram apenas palavras, levadas por um enorme Lucas Piazon.

Ficha de jogo

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FC Porto-Sp. Braga, 2-3 (3-4 no agregado)

2.ª mão da meia-final da Taça de Portugal

Estádio do Dragão, no Porto

Árbitro: Artur Soares Dias (AF Porto)

FC Porto: Diogo Costa; Wilson Manafá (Francisco Conceição, 57’), Mbemba (Zaidu, 23’), Pepe, Sarr (Evanilson, 67’); Uribe (Sérgio Oliveira, 57’), Grujic (Taremi, 23’); Corona, Otávio, Luis Díaz e Marega

Suplentes não utilizados: Marchesín e Diogo Leite

Treinador: Sérgio Conceição

Sp. Braga: Matheus; Tormena, Raúl Silva, Borja; Ricardo Esgaio, Fransérgio, Al Musrati, Galeno (Bruno Rodrigues, 38’); Lucas Piazon, Ricardo Horta (Zé Carlos, 90+3’) e Abel Ruíz (Sporar, 76’)

Suplentes não utilizados: Tiago Sá, João Novais, André Horta e Rodrigo Gomes

Treinador: Carlos Carvalhal

Golos: Abel Ruíz (9’ e 14’), Lucas Piazon (28’), Otávio (30’) e Marega (75’)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Ricardo Esgaio (43’), Lucas Piazon (77’), Matheus (80’) e Otávio (85’); cartão vermelho direto a Borja (34’)

Com Sarr, Grujic e Luis Díaz de início, deixando Sérgio Oliveira (que esteve em dúvida por questões físicas até ao início do encontro), Zaidu e Taremi no banco para procurar características que se enquadrassem mais com a forma de jogar dos minhotos sobretudo tendo Luis Díaz como ala ou falso lateral mediante o posicionamento de Sarr, o FC Porto deu o primeiro sinal de perigo num lance em que Mbemba evitou de calcanhar que uma bola saísse pela linha lateral e Luis Díaz rematou muito por cima (5′). Até aí, o Sp. Braga não tinha aparecido uma única vez com bola, fosse em posse, fosse em transições. Apareceu quatro vezes. Marcou dois golos, atirou uma bola na trave.

Ricardo Horta deixou o primeiro aviso, num remate de meia distância aproveitando todo o espaço entre linhas deixado à frente da defesa (7′). Deixou o aviso e percebeu os vários erros de toda a estrutura dos portistas do meio-campo para trás, bem visíveis no lance que deu o primeiro golo aos minhotos: passe longo na diagonal de Raul Silva para Ricardo Esgaio, bola colocada na frente perante a indecisão de Sarr para Lucas Piazon, cruzamento atrasado do brasileiro sem a compensação dos médios recuados a fechar e remate na passada de Abel Ruíz para o 1-0 (9′). Ato contínuo, mais uma grande jogada, mais um grande golo: recuperação de Lucas Piazon em terrenos mais avançados, desmarcação de Al Musrati para a diagonal de Ricardo Horta já na área, toque de calcanhar atrasado para Abel Ruíz e segundo golo do espanhol (14′), que aproveitou ainda a passividade da defesa azul e branca para fazer uma cavalgada pela esquerda, entrar na área e atirar à trave da baliza de Diogo Costa (19′).

Sérgio Conceição olhava incrédulo para o que via e não demorou a mexer, lançando Zaidu para o lugar do lesionado Mbemba (que pela forma como deixou o campo deverá ser baixa para os próximos encontros) e Taremi na vaga de Grujic, recuando Otávio para uma zona mais de construção e abrindo o ataque com dois avançados. E esse assumir do falhanço da estratégia inicial teve Luis Díaz quase de imediato a criar perigo, num remate que foi afastado para canto por Matheus. Estava dado o sinal da retoma, ficaria adiado o sinal de retoma: na sequência de um livre direto em zona central, Lucas Piazon marcou um golo fantástico e adensou ainda mais a diferença das equipas (28′), reduzida quase de seguida por um golo de Otávio também com muita qualidade, na sequência de um passe longo na profundidade de Corona que entrou o brasileiro para o controlo no peito antes do remate (30′).

Depois, o jogo mudou: Marega recebeu na profundidade, sofreu falta de Borja e, após rever as imagens por sinal do VAR, Artur Soares Dias trocou o cartão amarelo pelo vermelho a Borja (34′). Não houve mais golos mas não mais o Sp. Braga voltou a sair como fazia, até pela substituição racional de Carvalhal trocando Bruno Rodrigues por Galeno para colocar Lucas Piazon mais na esquerda e equilibrar uma equipa que ficaria sempre desequilibrada.

A segunda parte resumiu-se ao FC Porto em posse a atacar e o Sp. Braga sem bola a defender. Fransérgio ainda fez um remate para defesa de Diogo Costa mas o jogo passou pela constante iniciativa dos dragões e Matheus a ganhar por duas vezes o duelo com Marega, que continuava a explorar a profundidade e a zona entre central e lateral na esquerda da defesa dos minhotos para ganhar bola e visar a baliza. Com Bruno Rodrigues em grande no centro da defesa, o Dragão recebeu um festival de cantos (mais de 20) mas nunca ganhou na luta pela bola parada.

A 15 minutos do final, aproveitando uma saída de Matheus que não conseguiu tirar a bola da área, Marega encostou para a baliza deserta, reduziu ainda mais a desvantagem quando Francisco Conceição e Sérgio Oliveira já estavam em campo mas a única oportunidade para chegar no mínimo ao empate foi bem travada pelo guarda-redes dos arsenalistas, travando num movimento que teve de ser invertido um cabeceamento de Luis Díaz. Através de uma história muito diferente daquela que poderia ter sido jogando com 11 elementos, o Sp. Braga conseguiu mesmo confirmar a surpresa no Dragão e vai marcar presença de forma justa na final da Taça de Portugal.