Nem desconforto, nem sombra de tensão. Carlos Moedas e Pedro Passos Coelho já falaram sobre o desafio que o ex-comissário europeu decidiu aceitar em Lisboa e os sinais que Moedas recebeu do antigo primeiro-ministro foram positivos e encorajadores. A iniciativa partiu de Moedas e o ex-presidente do PSD desejou-lhe força para a próxima batalha.

Nos últimos dias, nos bastidores sociais-democratas, começou a circular a tese de que havia um enorme desconforto entre os dois depois de Carlos Moedas ter aceitado entrar na corrida autárquica sem se articular com Pedro Passos Coelho, que não teria ficado satisfeito com o desfecho. Isto apesar de ter consultado Marcelo Rebelo de Sousa antes de decidir ser candidato, como foi entretanto tornado público pela Rádio Renascença.

No entanto, da parte do antigo primeiro-ministro, sabe o Observador, essa é e sempre foi uma falsa questão: nem Carlos Moedas, nem ninguém, deve pedir licença para fazer o que quer que seja.

A verdade é que a decisão de Carlos Moedas provocou alguma estupefação no chamado ‘passismo’, que não compreendeu os avanços e recuos do antigo comissário europeu, nem tão pouco o sentido estratégico de uma candidatura que será sempre melindrosa.

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Se o antigo responsável pela estrutura de ligação com a troika perder, essa derrota pode ser vista como uma pena pesada para um dos quadros do ‘passismo’; se Carlos Moedas ganhar, engrossará o currículo político, é certo, mas Rui Rio será sempre visto como o grande artífice da candidatura.

Este último cenário — o da vitória de Carlos Moedas — pode trazer um amargo de boca para aqueles que, no PSD, querem derrotar Rui Rio antes das próximas eleições legislativas. O líder do PSD disse e repetiu publicamente que estas autárquicas são vitais para o partido e que assumirá todas as responsabilidades pelos resultados na noite eleitoral. Se o partido conquistar Lisboa e outras cidades importantes, como Coimbra, por exemplo, os críticos de Rio dificilmente terão margem política para pedir a cabeça do líder social-democrata.

Por outras palavras: Carlos Moedas pode ajudar Rui Rio a fortalecer a liderança e a sobreviver às próximas eleições internas — agendadas para o início de 2022. Tudo o que os críticos do atual presidente do PSD não queriam.

Seja como for, Pedro Passos Coelho não quer entrar nessas contas, muito menos ser envolvido nos mentideros sociais-democratas. O antigo líder do PSD ficou satisfeito com a candidatura de Carlos Moedas à Câmara Municipal de Lisboa, até por entender que o desafio faz sentido: na política não existem eternas esperanças e se Carlos Moedas tem ambições futuras dentro do partido, enfrentar Fernando Medina nesta corrida eleitoral pode ser um bom teste.

No entender de Passos, Moedas tem a idade e o percurso político certos para ser candidato nestas eleições. E mesmo que perca, porque derrotar Fernando Medina não é um dado adquirido, nunca será a morte política do antigo comissário europeu: há derrotas que podem trazer selo de vitória no futuro.

Na apresentação da sua candidatura, esta quinta-feira, apesar da insistência dos jornalistas, Carlos Moedas recusou comentar as conversas que teve com Marcelo Rebelo de Sousa e a que não teve com Pedro Passos Coelho. O assunto encerrado.

O desejo de Passos

Há mais de um ano, aliás, Pedro Passos Coelho apresentou o livro de Carlos Moedas e explicou publicamente como tinha sido o processo de designação do antigo comissário europeu. Apesar ter sido sempre o nome na cabeça de Passos, Jean-Claude Juncker, então presidente da Comissão Europeia, tentou forçar a escolha de Maria Luís Albuquerque. O ex-primeiro-ministro ainda ponderou mas acabou por resistir.

“O BES inspirava a maior das preocupações e era uma semana crítica se o BES iria sobreviver ou não”, revelou, antes de contar o derradeiro telefonema para o então presidente da Comissão. “Jean-Claude Juncker, não posso indicar a minha ministra das Finanças. Mas garanto-te: não ficas pior”, explicou na altura.

Carlos Moedas acabou por ser escolhido e Passos, na apresentação do livro, falou abertamente sobre o futuro do ex-comissário. “Não sei o que quer fazer na vida, mas faça bom uso“, desejou-lhe o antigo primeiro-ministro.

* Texto atualizado às 22h19 depois da conferência de imprensa de Moedas