Catarina Martins não afasta qualquer hipótese de diálogo à esquerda, diz ser necessário “construir respostas, tanto de emergência como estruturais” para o momento de crise que se está a viver e, por isso, mantém a disponibilidade de negociar com o PS, caso não haja “chantagens”.

A coordenadora do Bloco de Esquerda recorda, em entrevista ao Público e à Renascença, que “o PS fez um caminho de afastamento daquilo que tinha sido a legislatura anterior, não quis novos acordos” e “no Orçamento do Estado para 2021 não quis negociar sequer medidas sociais que respondessem de uma forma mais universal e consistente aos trabalhadores que ficaram sem emprego durante a pandemia”.

O Bloco de Esquerda notou o “recuo do PS”, mas na moção da direção à Convenção está claro o sentido de dar continuidade ao que foi feito nos últimos anos. “O que dizemos na moção é que continuamos a considerar que as respostas fundamentais que pusemos em cima da mesa continuam a ser fundamentais na resposta para o país. E aquilo a que nos propomos é construir caminhos e maiorias sobre essas soluções”, justifica.

Catarina Martins faz uma leitura do caso do Novo Banco e lembra que “o PS assegurava que exigir uma auditoria ao Novo Banco antes de lá colocar mais dinheiro público provocaria uma crise bancária iminente, que não aconteceu”. O Bloco sentiu “o argumento da chantagem e da provocação, menorizando as propostas do BE, como se o BE estivesse a ser irresponsável”. Hoje, a coordenadora olha para trás e dá razão ao próprio partido: “A nossa proposta foi aprovada e nada disso aconteceu.”

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Na entrevista ao Público e Renascença, a coordenadora do BE falem em propostas recusadas durante o OE2020 e que “eram precisas”. “E porque é que o BE não aprovava OE? Mal o OE entrou em vigor, era de tal forma evidente que os apoios sociais não eram suficientes, que houve um orçamento suplementar que o BE aprovou – e o Governo, aliás, ainda nem sequer utilizou todas as possibilidades que esse Suplementar lhe deu”, afirma.

Já depois do chumbo no Orçamento, o Bloco regista que “o Governo se aproximou de algumas medidas propostas pelo BE, ainda que de forma parcelar, como pagar horas extraordinárias a profissionais de saúde”. Contudo, enaltece Catarina Martins, “do ponto de vista da negociação, o PS vem há bastante tempo a centrar a sua negociação com o PSD”. “O PS contou com o PSD para uma governação crescentemente não ao centro, mas à direita”, aponta.

Apesar disso, Catarina Martins está certa de que o Bloco fez um “enorme esforço negocial” e até votou a favor do orçamento suplementar e do estado de emergência, “apesar das diferenças”.

Embora se esteja a “assistir a uma recomposição da direita”, Catarina Martins diz que “não tem nenhuma sustentação” a ideia do PS e de Costa de que “se a esquerda não aceitar ratificar tudo aquilo que o Governo propõe, então estará a abrir caminho à direita” e acrescenta que esta é uma “forma de não discutir a resposta à crise”. “Como se o papel da esquerda fosse apoiar qualquer coisa que o Governo propõe, por causa de uma putativa direita que estaria para chegar ao poder, o que nem sequer é verdade. O debate democrático não pode ser feito dessa forma”, alerta.

A coordenadora do Bloco de Esquerda está certa de que “é o tipo de resposta” que deve definir o futuro do Governo. “O problema é da qualidade da resposta e a quem se responde em cada momento. Eu já disse em tempos – e o PS não gostou muito – que o PS é muito permeável ao poder económico, mas, na verdade, é. A quem é que nós respondemos? Quem é a nossa prioridade?”, questiona.

Catarina Martins “teme que [a permeabilidade] aumente” com a bazuca europeia porque “não há abertura do Governo a alterar relações estruturais no país, para que estes investimentos europeus tenham uma repercussão real nas condições de vida das classes trabalhadoras”.

“Quando a lei laboral não tem nenhuma alteração, os factores de maior precarização se mantêm e as grandes empresas podem fazer distribuição de dividendos ao mesmo tempo que despedem precários, corremos o risco de estar a distribuir fundos a determinados interesses económicos sem que isso seja reproduzido em emprego de qualidade com salário digno. Vamos estar a construir mais resposta igual àquela que já sabemos que tem fortes debilidades”, justifica.

O Bloco de Esquerda estranha que “numa crise como a que estamos a viver um Governo ou um partido se dedique a cenarizar eleições antecipadas, em vez de cenarizar soluções para a crise”, nomeadamente no caso deste Governo socialista que “não tem maioria absoluta” e “tem a responsabilidade de negociar soluções”.

“Não percebo porque é que essa questão [de eleições antecipadas] tem que se colocar: é uma forma de desviar atenções sobre o que devemos fazer, sobre como responder às pessoas desempregadas que neste momento não têm nenhum apoio, às famílias que têm moratórias sobre a hipoteca das suas casas e que vão acabar, como vamos ajudar empresas à beira da falência”, frisou.

O Bloco, diz Catarina Martins, “nunca perdeu disponibilidade para negociar”, mas “o objectivo da negociação não pode ser ‘ou aceitam isto ou não há caminho’”.

Durante a entrevista, a coordenadora do Bloco de Esquerda revelou que vai apresentar uma iniciativa legislativa sobre o teletrabalho, com o objetivo de os trabalhadores não saírem prejudicados com os aumentos dos custos em casa. Estão em causa “três balizas”, segundo Catarinha Martins: “Uma é a necessidade de os custos não ficarem em cima dos trabalhadores, uma vez que há até empresas que estão a lucrar com o facto de passarem custos para os próprios trabalhadores; outra as condições de ligação do trabalhador com a empresa, aquilo que é acordado, em termos de teletrabalho, devem ser definido por instrumentos de regulação colectiva, e não por acordos individuais entre trabalhador e empregador; e queremos proteger todos os trabalhadores, quer do sector privado quer na função pública.”

Relativamente às moratórias, o Bloco pretende que sejam estendidas “até à recuperação começar”. “Se continuam sem rendimentos ou com o restaurante fechado, como é que as pessoas vão resolver o problema? E depois não pode haver um dia em que as pessoas são confrontadas com a dívida: tem de haver planos de pagamento faseados. As moratórias, assim, não foram para que se pudesse recuperar no futuro, foi só para adiar uma falência”, exemplifica, apontando que “isso seria o desastre económico”.