No espaço de um mês entraram mais de 20 processos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa contra várias entidades públicas — hospitais, câmaras e até universidades. O promotor dos processos é o mesmo, a empresa Banca Farmafactoring, e o valor das ações varia entre os poucos milhares de euros e os quase 3,7 milhões de euros do processo que tem como visado o Instituto de Ação Social das Forças Armadas. Entre as ações com valores mais avultados, encontramos ainda hospitais públicos, como o Fernando Fonseca (Amadora Sintra), o Garcia de Orta em Almada, o IPO de Lisboa e o Hospital de Santarém.
De acordo com a consultada realizada pelo Observador apenas no Tribunal Administrativo de Lisboa, há 26 ações administrativas colocadas este ano pela sucursal portuguesa da Banca Farmafactoring, empresa de factoring detida pelo grupo financeiro italiano BFF. O factoring é uma atividade financeira que permite às empresas antecipar receitas dos créditos que detêm sobre outras sociedades, seja por atrasos nos pagamentos ou porque há dívidas vencidas e em incumprimento. A sociedade que compra essas dívidas com um desconto face ao seu valor nominal vai depois cobrá-las diretamente ao devedor.
O Estado e as entidades públicas são frequentemente apontados pelas empresas privadas como maus pagadores e é na saúde que os pagamentos em atraso atingem uma maior dimensão. Números das Finanças apontam para um redução em 2020. No final do ano, e de acordo com a execução orçamental, os hospitais EPE tinham um montante de dívidas em atraso de 147,5 milhões de euros, “o valor mais baixo desde o início do reporte em 2011”. Mas não será de estranhar que entre as entidades públicas cujas dívidas foram vendidas pelos respetivos fornecedores, apareçam vários hospitais e unidades de saúde, para além de administrações regionais de Saúde. A lista inclui ainda autarquias e universidades, para além do próprio Estado.
Em resposta ao Observador, fonte oficial da Farmafactoring esclarece que adquire faturas que são apenas devidas pelo setor público, o que permite conferir liquidez aos fornecedores destas entidades, “transferindo o processo de cobrança para nós.” Sobre o recurso ao Tribunal Administrativo, a empresa assinala “que as ações legais são necessárias se as reivindicações financeiras não forem pagas dentro de um prazo definido, para garantir que o devedor efetivamente paga o crédito em dívida ou, – no caso de o devedor não considerar que os valores são devidos – garantir que os valores são repostos pela entidade cedente. Trata-se de um procedimento inerente ao nosso negócio e um procedimento comum no processo de cobrança”.
O Observador questionou também a entidade que é alvo da ação de maior valor. O Instituto de Ação Social das Forças Armadas (IASFA) relaciona as dívidas reclamadas com o subsistema de saúda dos militares, o ADM (Assistência na Doença aos Militares). Fonte oficial refere que em novembro dois grupos prestadores de cuidados ter sido comunicado por dois grupos de prestadores de cuidados de saúde do regime convencionado do SPS ADM efetuaram uma cessão de créditos à empresa Banca Farmafactoring S.P.A. – Sucursal em Portugal. Essa cessão de créditos abrange faturas consideradas pelas entidades cedentes como vencidas e não pagas, referentes a cuidados de saúde prestados a beneficiários da ADM. Foi neste quadro que esta empresa apresentou uma injunção reclamando o pagamento do valor referido.
Acrescenta contudo que o IASFA “contestou várias das faturas apresentadas, em virtude de se ter confirmado que já se encontravam pagas, ou por terem sido devolvidas aos prestadores de cuidados de saúde no decurso do processo de validação da faturação ou finalmente outras que não deram entrada nos serviços da ADM”. E acrescenta que foram entretanto “efetuados pagamentos relativos a várias faturas que representam parte do valor apresentado da referida injunção”.
O grupo BFF abriu uma sucursal em Portugal em 2018 para poder prestar “um maior apoio aos nossos clientes locais” e refere que presta um serviço que permite “aos fornecedores do setor público evitar o impacto de prazos de pagamento extensos” e gerir a sua liquidez de forma mais eficiente. “Nessa medida, especializa-se exclusivamente na compra e gestão de créditos comerciais sobre as Administrações Públicas e os sistemas de saúde, o que significa que tratamos apenas com devedores públicas, em linha com a nossa estratégia de baixo risco”.
De acordo com o site institucional, o BFF Banking Group trabalha com clientes portugueses desde 2014, tendo adquirido desde então mais de 300 milhões de euros de créditos sobre entidades da Administração Pública. O grupo descreve-se como líder europeu na gestão de créditos comerciais das empresas fornecedoras do setor público, incluindo autarquias e entidades dos sistemas nacionais de saúde. Para além de Portugal e Itália, opera também em Espanha, Grécia, Polónia, Croácia e Eslováquia.