O antigo Presidente da República Cavaco Silva afirmou este sábado que Portugal vive “numa situação de democracia amordaçada” e considerou que causam “vergonha” os números recentes da pandemia, que colocaram o país como “recordista” de mortes por milhão de habitantes.

“É surpreendente a frequência com que ouvimos e lemos notícias que nos deixam com uma certa ideia de que o país se encontra numa situação de democracia amordaçada”, criticou Cavaco Silva, numa participação, por videoconferência, na Academia de Formação Política das Mulheres Sociais-Democratas, transmitida em direto no Facebook do partido. O evento termina às 17h30 de sábado com uma intervenção de Rui Rio, presidente do PSD.

Pode ouvir aqui as críticas de Cavaco Silva ao governo:

Do “currículo viciado” à “democracia amordaçada”, Cavaco Silva não poupa nas críticas ao governo

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Cavaco Silva fez, em pouco menos de meia hora, duros ataques ao Governo, quer na gestão na pandemia, quer na relação com as entidades independentes quer até no processo de construção europeia, alertando que Portugal poderá ser ultrapassado por todos os países da zona euro em poucos anos. No capítulo da pandemia, Cavaco falou de um Serviço Nacional de Saúde “fragilizado por decisões erradas e graves” por parte do “governo da geringonça”.

Respira-se um sentimento de resignação relativamente às autoridades responsáveis pela gestão da crise pandémica. Mas não podemos deixar de sentir uma certa vergonha ao ver Portugal como recordista em número de mortos por milhão de habitantes, como aconteceu há poucas semanas”, disse, saudando, por outro lado, que o processo de vacinação pareça estar “agora a correr bem”.

Ainda sobre a crise sanitária, Cavaco elogiou o deputado e médico do PSD Ricardo Baptista Leite, considerando que “tem falado com uma autoridade e clareza que tem gerado evidente incómodo” nos governantes. No entanto, alertou que, se o tempo pandémico pode ser de “suspensão da normalidade”, o escrutínio do Governo não pode parar.

“O escrutínio do Governo não está suspenso, a prestação de contas não está suspensa, a democracia não está suspensa, não pode estar suspensa”, afirmou o antigo chefe de Estado, defendendo que “os erros têm de ser apontados e as alternativas evidenciadas”. Além de alertar para “o empobrecimento relativo” do país em relação aos outros Estados-membros da União Europeia, Cavaco Silva centrou parte da sua intervenção no que chamou de “deterioração da qualidade da democracia a que a geringonça conduziu o país”.

“É chocante o sentido de impunidade que irradia de algumas atitudes e comportamentos do atual Governo”, disse, na iniciativa promovida por esta estrutura do PSD e transmitida nas redes sociais do partido.

Como exemplos, Cavaco aludiu à acusação de alguns governantes – incluindo o primeiro-ministro – de quem critica o Governo são “antipatriotas que promovem campanhas internacionais contra Portugal”, mas também outras polémicas recentes, como a escolha de um nome para procurador europeu diferente do que tinha sido escolhido pelo júri internacional. A não recondução quer do ex-presidente do Tribunal de Contas Vítor Caldeira, de quem destacou a “integridade e competência”, quer da anterior Procuradora Geral da República Joana Marques Vidal, a quem elogiou a “imparcialidade e dinâmica” que trouxe à investigação criminal, foram outros dos exemplos apontados.

“A isto juntam-se tentativas de controlo e desqualificação e desrespeito das entidades independentes da nossa democracia, como Banco de Portugal, Conselho das Finanças Públicas, UTAO ou Cresap, entre outros”, disse, apontando ainda notícias recentes que dão conta da “falta de transparência do Orçamento do Estado”.

Cavaco Silva alertou que episódios como este já “ultrapassaram fronteiras”, e disse ter lido com “imenso desgosto” na revista “The Economist” que Portugal tinha passado da lista dos países de democracia plena para o grupo de países “com democracia com falhas”.

“Numa altura em que nos aproximamos do cinquentenário da Revolução do 25 de Abril, devemos ficar muito preocupados com estes sinais de democracia amordaçada divulgados pela comunicação social, que manifestamente não fazem justiça aos que se bateram por uma democracia plena do tipo ocidental em Portugal, a começar por Francisco Sá Carneiro e Mário Soares”, afirmou.