“Tem de ser um orgulho”, para nós portugueses, atletas como Auriol Dongmo e Pedro Pablo Pichardo “optarem por representar o nosso país”. Quem o diz é Jorge Vieira, presidente da Federação Portuguesa de Atletismo, que em entrevista à Rádio Observador garantiu que as naturalizações dos dois recentes campeões europeus em Torun, na Polónia, “enriquecem a modalidade”.

“O que posso dizer é que esta é uma discussão de muitos anos no desporto português. Muitas vezes com uma palavra muito dura, que é o ‘importar’ atletas. Já aconteceu no basquetebol e no futebol no passado, assim como em várias modalidades. Mas acontece no dia a dia do país, acontece em várias áreas, como com as pessoas que trabalham, que vêm para trabalhar. É algo comum também no mundo. Para nós, o que posso dizer é que atletas deste nível são um enriquecimento extraordinário para nós. E não é só um enriquecimento desportivo, é um enriquecimento humano. A dimensão que estes atletas trazem atrás de si, de vida… Se aprofundarem a vida do Pedro Pichardo, se aprofundarem a vida da Auriol, são vidas que são exemplos, exemplos quase de sobrevivência. Quando estes atletas vêm para a nossa Seleção, asseguro-vos que são vistos como ídolos, como referências, como modelos (…)”, atirou, sublinhando a importância do atleta do triplo salto e da atleta do lançamento do peso na comitiva portuguesa.

[Ouça aqui, na íntegra, a entrevista de Jorge Vieira ao programa “Nem Tudo o Que Vai à Rede é Bola” da Rádio Observador:]

“Pichardo e Auriol são exemplos e um orgulho”

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Em conversa no programa “Nem Tudo o Que Vai à Rede é Bola”, tendo como especial tema a melhor participação de sempre de Portugal em Europeus de Pista Coberta, o presidente da Federação acrescentou ainda detalhes sobre o percurso de ambos. “Já estão a treinar cá. A Auriol está a treinar cá, com um treinador português. Foi um progresso extraordinário na sua vida. A Auriol vem para cá e eu digo que isto são vidas que daria filmes. Como foi o caso do Obikwelu há uns anos, que também teve uma saga extraordinária, desde a fuga da equipa dele, de ficar cá, de optar por Portugal e etc. Mas a Auriol evoluiu muito cá. O caso do Pedro Pichardo… tem uma vida quase de refugiado, porque tem contornos políticos também extremamente interessantes. Tudo isso dá muita substância a estas decisões destes jovens de se tornarem portugueses. São um orgulho imenso para nós e tem de ser um orgulho eles optarem por representar o nosso país. Nós que somos pequeninos, que achamos sempre que o nosso país é pobre, é pequenino, não tem capacidades (…) Quando nos escolhem a nós, é uma vantagem competitiva para nós e é também uma vantagem em termos de motivação e referência para os atletas mais jovens”, acrescentou Jorge Vieira.

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Sobre os dois atletas, o presidente da Federação indicou ainda que ambos são candidatos claros às medalhas nos Jogos Olímpicos de Tóquio. “O Pedro Pichardo, se chegar próximo do seu recorde pessoal [18,8 metros], se chegar a essa marca, é claramente candidato à medalha de ouro. É candidato a qualquer medalha mas também, não tenho dúvidas, à medalha de ouro”, garantiu, lembrando que Hughes Zango, do Burkina Faso, e os atletas norte-americanos, com Christian Tyler à cabeça, serão os grandes adversários do luso-cubano. Sobre Auriol Dongmo, ressalvou que existe uma “grande diferença”: “Está a progredir. A Auriol beneficiou claramente do adiamento dos Jogos. Se os Jogos tivessem sido em 2020, tinham-na apanhado num nível competitivo muito mais baixo. Ela evoluiu muito já a treinar cá, a competir. Tem repetidamente batido o recorde pessoal dela e, se ela conseguir — é um objetivo para ela e para o treinador –, passar a linha dos 20 metros, é obviamente uma candidata clara a uma medalha olímpica. Isto também se baseia, no caso dela e do Pedro, no facto de serem atletas com um grande controlo emocional.

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Sobre Patrícia Mamona, que se sagrou campeã europeia do triplo salto e acabou por revelar que chegou a ponderar terminar a temporada depois de ter estado infetada com Covid-19, Jorge Vieira explicou que “não foi uma surpresa”. “A partir do momento em que a Patrícia surgiu no meeting de Madrid em grande forma, naturalmente que imediatamente percebemos o estado em que ela estava (…) No caso da Patrícia, havia muitas dúvidas, porque ela esteve infetada e havia muitas dúvidas sobre o seu estado de forma. Mas ela não nos trazia grandes preocupações, era um dado adquirido que, se ela se sentisse bem de saúde, poderia muito bem vir a estar [nos Europeus]. Mesmo assim, a participação nesse meeting foi determinante para verificarmos que ela estava efetivamente muito bem para participar”, revelou. De recordar que a atleta do Sporting passou por pouco da fasquia dos 14 metros nos Campeonatos de Portugal, fez a marca de referência no limite no meeting de Madrid e acabou por conseguir bater o recorde nacional de Pista Coberta no salto em que garantiu a medalha de ouro em Torun.

Sobre a prestação portuguesa nos Europeus deste fim de semana, que garantiram três medalhas de ouro — o segundo país com mais vitórias, apenas atrás dos Países Baixos –, Jorge Vieira afirmou que se tratam de resultados “extremamente importantes”. “É uma motivação para a modalidade, naturalmente, porque isto enche de orgulho os dirigentes, os treinadores, as associações, os clubes, todos os juízes. Estes resultados são um alimento, um nutriente absolutamente fundamental. Tudo isto potencia aquilo que se faz e naturalmente que temos aqui um adubo extraordinário. O tempo que vivemos é um tempo de grandes dificuldades, para toda a sociedade, mas curiosamente e paradoxalmente, esta pandemia, e sobretudo o confinamento, têm trazido consequências interessantes paradoxais. Temos tido atletas que têm tido resultados de excelência, a ultrapassarem os seus recordes pessoais e a ultrapassarem recordes nacionais, quando tudo indicava que deveriam estar em crise. A nossa interpretação é que todo este estado de confinamento levou a que, no caso dos atletas, tenham uma atitude ainda mais profissional na sua preparação. Treinam e descansam, não podem andar na rua, não podem divertir-se, não podem ter outras preocupações que muitas vezes têm. E isto tem levado muitos dos nossos atletas a superarem-se”, acrescentou.

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Quanto a Nélson Évora, que não integrou a comitiva portuguesa que esteve nos Europeus, o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo garante acreditar que o atleta que assinou recentemente pelo Barcelona vai estar em Tóquio. “É óbvio que só posso dizer que sim. Porquê? Porque faço fá naquilo que o Nélson diz. O Nélson tem experiência como ninguém no alto nível, conhece-se a si próprio como mais ninguém conhece. E o Nélson continua a apostar. A não ida dele aos Europeus de Pista Coberta teve como razão o facto de estar a preparar-se e estar muito concentrado nos Jogos Olímpicos. O meu maior sonho era ter os dois no pódio olímpico [Évora e Pichardo]. Se isso acontecer, mais uma vez, o Nélson quebra todas as lógicas. Como já fez”, terminou Jorge Vieira.

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