O economista-chefe da OCDE, o português Álvaro Santos Pereira, deixa um alerta aos governos europeus para que não retirem prematuramente os apoios estatais por causa da pandemia, mesmo que as entidades públicas tenham dificuldades em distinguir as empresas viáveis das não viáveis.

“É claro que é fácil dizer que vamos apoiar apenas as empresas viáveis mas, na prática, quando se está no governo, é muito difícil fazê-lo. Ainda esta semana estive em contacto com um governo com muitíssima margem fiscal e eles diziam-me que também gostariam de fazer isso mas não sabem como escolher. E estou a falar de um dos países mais desenvolvidos da OCDE. Portanto, se isso se passa com esse país, não podemos esperar que os outros façam milagres. Na teoria devemos canalizar os apoios para quem foi mais afetado, famílias e empresas; na prática é difícil escolher quem é e não é viável”, considerou o ex-ministro da Economia (do governo PSD/CDS-PP no tempo da troika) em entrevista ao Jornal Económico.

Álvaro Santos Pereira salienta que a recomendação da OCDE é que estes apoios apenas sejam retirados quando a recuperação económica estiver “bem encaminhada”.  “Fazê-lo prematuramente pode ser contraproducente e levar a que a economia volte à recessão ou a uma onda de insolvências elevada”, completa.

E quando será isso? A retoma não arranca antes do final deste semestre, considera Álvaro Santos Pereira, que – ainda assim – diz que a OCDE “já vê uma luz ao fundo do túnel” desta crise económica.

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OCDE melhora previsão de crescimento económico da zona euro para 3,9% este ano

“Estamos a prever que a economia mundial vá crescer 5,5%/5,6%, o que é uma previsão em alta. Em relação a dezembro é de quase 1,5% a mais. Estamos a falar de que a Zona Euro cresça perto de 4%, ou seja, 3,9% este ano e sensivelmente o mesmo em 2022. Temos economias, como a alemã e a francesa, a crescerem quase 3% e 6%, respetivamente, e a de Espanha – muito importante para nós portugueses – a prevermos que vá crescer 5,7% agora e quase 5% no próximo ano. Estamos a falar de crescimentos muito apreciáveis em cima do péssimo desempenho do ano passado”, sintetiza o ex-ministro.

Ainda há poucos meses, contextualiza, “estávamos perante números muito negativos e numa recessão sem precedentes. Finalmente, começamos a ver a luz a aparecer ao fundo do túnel”.

Ou seja, a OCDE prevê agora que a retoma económica arranque “a partir mais ou menos do final do segundo trimestre”, mas esse prazo vai depender da vacinação e dos agentes económicos. Mas também de um terceiro fator: a poupança.

“Por um fenómeno interessante que ocorreu em todos os países: o aumento das poupanças. Isso aconteceu inclusive em Portugal. As poupanças das famílias mais abastadas ou mesmo da classe média aumentaram, obviamente daquelas que conseguiram manter-se a trabalhar. Muito provavelmente, na recuperação económica essas poupanças podem ser canalizadas para o consumo”.

O reverso dessa moeda é menos positivo, já que passa por uma “divergência muito grande”. “Quem poupou foram os mais ricos e quem pôde estar em teletrabalho. Os mais vulneráveis, por perderem o emprego, não o conseguiram fazer. É bem provável que venhamos a assistir ao aumento do consumo por parte da classe média e mais abastada, que não dos trabalhadores em dificuldades. Essa divergência vai ter impacto social, certamente”, conclui.