Em 25 jornadas que o Atl. Madrid já disputou na liga espanhola, João Félix esteve presente em 22. Ainda assim, só foi titular em 12 e só marcou sete golos, ainda que os 10 que leva atualmente em todas as competições sejam já um número superior ao registo que alcançou ao longo de toda a época passada. Nesta altura, mesmo com os colchoneros na liderança do Campeonato, mesmo com a qualificação para os quartos de final da Liga dos Campeões totalmente em aberto, mesmo com a perspetiva de que 2020/21 pode ser uma das melhores temporadas do clube num passado recente, continua a existir a mesma questão em Madrid: João Félix ainda não justificou o investimento de 120 milhões de euros.

E, tal como acontece em todas as equipas, basta um momento desportivo menos positivo para trazer ao de cima todas essas inquietações que ficam fechadas em armários assim que as vitórias se acumulam. Nas últimas sete partidas, o Atl. Madrid venceu duas, empatou três e perdeu outras duas, sendo que este mesmo período inclui a derrota em casa contra o Chelsea na primeira mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões e o empate também no Wanda Metropolitano contra o Real Madrid (onde Félix foi suplente). Ainda que a liderança se mantivesse, com mais três pontos do que o Barcelona e um jogo a menos, e ainda que o apuramento para a fase seguinte da Champions seja totalmente possível de atingir na segunda mão da próxima semana, a verdade é que a equipa de Diego Simeone atravessa o período menos conseguido da época. A nível de resultados e a nível exibicional, algo a que não é alheio o alargado surto de Covid-19 que afetou o clube entre janeiro e fevereiro.

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Assim, e como acontece desde que o jovem português trocou o Benfica pelo Atl. Madrid, João Félix foi rapidamente interpretado como um dos pontos-chave na fase menos positiva da equipa. Não só pela escassez de golos, não só pela escassez de assistências mas principalmente pela escassez de influência, com exibições apagadas em que o talento do avançado de 21 anos não tem vindo ao de cima. O talento que, na conferência de imprensa de antevisão da receção ao Athl. Bilbao desta quarta-feira, foi o gancho utilizado por Diego Simeone para enviar uma mensagem bastante clara a Félix. “Somos uma equipa e não apenas um jogador. Precisamos do contributo de todos para que a equipa funcione como equipa e para que o talento das individualidades possa sobressair. Sem vontade, o talento não chega. O João Félix é um jogador importantíssimo para a nossa equipa e acredito que vai estar muito bem daqui até ao fim”, disse o treinador argentino, deixando explícito que o português terá de trabalhar para merecer oportunidades.

Uma linha de pensamento e de discurso que não é totalmente unânime. Depois das declarações de Simeone, várias vozes da imprensa desportiva espanhola acabaram por criticar a posição do argentino, por estar a “convidar João Félix a sair”. “João Félix é um suplente para Diego Simeone. O treinador do Atl. Madrid não conta com o futebolista mais caro da história do clube como titular, o que se voltou a ver no dérbi de Madrid. Esta situação pode levar a que João decida sair do Atlético no final da temporada (…) Ele não vai dar-lhe o espaço de que necessita para o seu desenvolvimento e crescimento, porque o seu estilo de jogo não passa por dar prioridade a um futebolista, nem mesmo com as suas qualidades”, escreveu o jornalista Javier Gómez Matallanas num artigo publicado no jornal El Confidencial.

Era neste contexto que o Atl. Madrid recebia esta quarta-feira o Athl. Bilbao, o oitavo classificado da liga espanhola, num jogo em atraso desde janeiro devido à tempestade Filomena. No dia em que o Barcelona tentava o praticamente impossível em Paris, na segunda mão dos oitavos de final da Liga dos Campeões, os colchoneros tinham a oportunidade de alargar para seis pontos a vantagem para os catalães. João Félix voltava ao onze, Saúl começava no banco e a equipa de Simeone apresentava-se numa espécie de 4x3x3, com o avançado português a cair na direita, Suárez a ser a referência ofensiva destacada e Ferreira-Carrasco a dar largura na esquerda, apoiado por Lemar em espaços mais interiores.

Numa primeira parte essencialmente tática, entre duas equipas com elevada organização defensiva e com uma intensidade assinalável, o Atl. Madrid teve sempre algumas dificuldades para criar e construir no meio-campo adversário, travado por um conjunto basco que apresentava uma reação exímia à perda da bola e que raramente se desposicionava. Com o adiantar dos minutos, o Athl. Bilbao acabou por ir empurrando os colchoneros para perto da baliza de Oblak sem permitir grandes aventuras aos elementos mais criativos — João Félix tinha mais bola atrás da linha do meio-campo do que à frente e ia realizando uma exibição esforçada mas principalmente de sacrifício, sem conseguir ligar-se ao ataque, quase sempre embrenhado em tarefas mais defensivas e castigado com muitas faltas.

O Athl. Bilbao acabou por chegar à vantagem através de um interessante desenho ofensivo. Iñaki Williams recebeu na direita de De Marcos, com um passe entre Hermoso e Felipe, e cruzou atrasado para a grande área; Muniain, com um remate pouco ortodoxo, atirou de primeira e bateu Oblak (21′). O Atl. Madrid teve alguma dificuldade para reagir à desvantagem e só o fez através de dois remates de Ferreira-Carrasco, ambos de fora de área e ambos para defesas simples de Unai Simón, adivinhando-se um segunda parte em que a equipa de Simeone teria de correr atrás do prejuízo. O empate, porém, apareceu já fora de horas. Ao segundo minuto de descontos, no último fôlego do primeiro tempo, Lemar apareceu na esquerda e cruzou atrasado; Marcos Llorente, vindo de trás, cabeceou na zona da marca de penálti e empatou a partida (45+2′), num golo muito celebrado pelo treinador. O médio espanhol, um dos mais influentes dos colchoneros, chegou aos 10 golos em todas as competições, igualando João Félix como o segundo melhor marcador da equipa apenas atrás dos números de Suárez.

E bastaram cinco minutos da segunda parte para o Atl. Madrid carimbar a reviravolta no marcador. Com Llorente novamente como protagonista, a desequilibrar no corredor direito, Suárez recebeu na grande área e foi carregado em falta por Núñez; na conversão da grande penalidade, o mesmo Suárez não deu hipótese a Unai Simón (51′). Obviamente assente na vantagem que tinha conquistado, a equipa de Simeone passou a atuar com maior conforto e assertividade e começou a defender com uma linha de cinco, aproveitando o recuar de Koke no terreno, para encurtar a largura do Athl. Bilbao e resguardar o resultado.

Os minutos foram passando e, embora o Athl. Bilbao tivesse mais bola e maior presença no meio-campo adversário, o Atl. Madrid não tremia e mantinha uma reação muito positiva à perda e uma intensidade que lhe permitia segurar a vantagem com alguma naturalidade. A cerca de 25 minutos do fim, Simeone mexeu pela primeira vez Félix e Lemar para lançar Correa e Saúl — o jogador português voltou a ficar em branco, tanto em golos como em assistências, e acabou por realizar uma exibição algo olvidável embora sempre muito esforçada. Suárez também saiu para deixar entrar Lucas Torreira, numa alteração que deixou claro que o treinador argentino queria principalmente ganhar e que deixou o avançado algo insatisfeito.

Até ao fim, Simeone ainda lançou Kondogbia e Renan Lodi, Llorente ficou muito perto de sentenciar a partida com um remate que passou por cima (84′) e o Athl. Bilbao terminou o jogo inserido no último terço adversário, também graças à impaciência dos colchoneros, que perderam acerto e discernimento com o aproximar do apito final. Ainda assim, o Atl. Madrid acabou por conseguir carimbar a vitória, reagiu da melhor maneira ao empate com o Real Madrid, vai defrontar o Chelsea num contexto positivo e aumentou para seis pontos a vantagem para o Barcelona, reforçando a liderança na liga espanhola. E entre o talento e a vontade de João Félix, voltou a aparecer o salvador Marcos Llorente — que fez o empate, esteve na jogada que deu o penálti e foi consistentemente o melhor jogador da equipa.