Pep Guardiola é naturalmente bem disposto. É intenso durante os jogos, é exigente para com os jogadores e tem um nível competitivo muito acima da média. Mas não é difícil encontrar uma fotografia do treinador a sorrir, uma conferência de imprensa em que tenha atirado uma piada ou uma entrevista em que tenha elogiado alguém. Não é difícil olhar para as séries e documentários que já se fizeram nos bastidores do Barcelona, do Bayern Munique do Manchester City e perceber que não é complicado arrancar uma gargalhada a Guardiola. Ainda assim, existe uma coisa que não tem piada para o espanhol: o respeito pelo adversário.

Na antecâmara da receção ao Southampton, o 14.º classificado da Premier League, o treinador foi confrontado com um dado estatístico: o facto de os saints já terem sofrido nove golos em duas ocasiões recentes, em outubro de 2019 contra o Leicester e em fevereiro contra o Manchester United. Sendo o Manchester City uma equipa com clara facilidade em fazer golos e somar resultados alargados, um dos jornalistas presentes na conferência de imprensa de antevisão perguntou a Guardiola se a preparação da partida teve essa possibilidade em conta — e o espanhol não gostou.

“Vamos marcar 18. O resultado vai ser 18-0. Que pergunta é esta? Marcaram-lhes nove golos quando jogaram 80 minutos com dez jogadores. Acha que este jogo é uma piada? Que vamos marcar nove ou 18 golos amanhã? Vamos ser sérios. Vamos tentar ganhar o jogo”, atirou o técnico, sublinhando um nível de respeito e consideração pelos adversários que já não é propriamente comum nos dias de hoje. Ora, ainda assim, o Manchester City recebia esta quarta-feira o Southampton depois de uma derrota no fim de semana, no dérbi da cidade contra o United, que encerrou uma série de 21 vitórias consecutivas para todas as competições e impediu os citizens de darem uma espécie de golpe final rumo à conquista da Premier League. A distância, porém, continuava a ser larga e confortável e a equipa de Guardiola tinha esta jornada a oportunidade de mostrar que o desaire com os red devils não foi mais do que uma escorregadela e que os 11 pontos de vantagem chegam e sobram para permanecer na liderança da classificação.

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“Temos dez jornadas para jogar e temos de ganhar seis ou sete jogos para ser campeões matematicamente. Claro que tivemos uma mistura de desilusão e tristeza. Mas o segundo dia já foi melhor e hoje [terça-feira] estivemos completamente motivados. É a reação normal. Toda a gente percebeu o quão difícil é ganhar bons jogos, ter uma boa série. Conseguimo-lo e agora estamos focados na próxima. Ainda temos muito trabalho pela frente para chegar aos últimos jogos em condições de ganhar a Premier League. Estamos vivos em todas as competições. Não existiu qualquer mudança na preparação [depois da derrota]. Mesmo quando ganhamos, esquecemo-nos logo. Quando perdemos, é o mesmo. Não vamos ficar deprimidos, é futebol, podemos perder jogos. O que não é normal é a série que tínhamos até aqui. O United é um clube de topo e todas as equipas estão a lutar por alguma coisa. Estamos a ver o quão duros os jogos são e amanhã não vai se exceção. Pensamos sempre no próximo jogo, somos focados, otimistas. Queremos continuar a ser quem somos e se fizermos isso vamos ganhar mais jogos”, explicou o treinador, que tinha todos os elementos do plantel à disposição, incluindo o recuperado Nathan Aké e os totalmente aptos Agüero e Phil Foden.

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Na antecipação da jornada do fim de semana em que o City vai defrontar o Tottenham na final da Taça da Liga, no final de abril, Guardiola lançava Rúben Dias e Bernardo Silva no onze inicial mas deixava João Cancelo no banco, com Kyle Walker a ser titular na direita da defesa. Fernandinho, Mahrez e Foden também começavam todos de início, com Rodri, Sterling e Gabriel Jesus a serem poupados. Os citizens arrancaram de forma algo lenta, sem a vertigem nem a intensidade que costumam apresentar, e permitiram espaço e posse de bola ao Southampton — a questão com este City de Guardiola é que nunca precisam de muitas oportunidades para abrir o marcador. No primeiro remate enquadrado, que coincidiu também com a primeira vez em que a equipa entrou no último terço adversário, apareceu o golo: Rúben Dias abriu na esquerda em Zinchenko, o lateral cruzou atrasado já em esforço, Foden rematou para uma boa defesa de McCarthy e De Bruyne, na recarga, pôs o City a ganhar (15′).

Mas, apesar dessa vantagem conquistada ainda numa fase inicial da partida, a verdade é que a equipa de Guardiola não estava a conseguir ser coerente. As distâncias não eram encurtadas, a transição defensiva era muito passiva e a reação à perda da bola era lenta e enferrujada, fatores que deixavam o Southampton solto para atacar o meio-campo adversário e explorar a qualidade técnica dos jogadores. O empate apareceu através de uma grande penalidade convertida por Ward-Prowse, depois de Laporte ter feito falta sobre Vestergaard (25′), e de seguida os saints tiveram duas oportunidades para dar a volta ao resultado, com um remate de fora de área de Ward-Prowse para uma enorme defesa de Ederson (33′) e um desvio de Djenepo que passou ao lado (37′). O conjunto de Ralph Hasenhüttl estava claramente mais perto de marcar do que de sofrer, até porque o City demonstrava pouca capacidade para chegar a terrenos mais adiantados. Mas nesta altura, mais uma vez, surgiu a magia individual.

O Southampton cometeu um erro na saída de bola, com um passe proibido a atravessar todo o relvado, e Mahrez aproveitou: fletiu da direita para o corredor interior, enquadrou a bola e atirou de pé esquerdo, em jeito e de fora de área, para bater McCarthy (40′). Antes do intervalo e já no período de descontos, Mahrez combinou com De Bruyne na direita, atirou ao poste e viu Gündoğan, na recarga, empurrar para aumentar a vantagem (45+3′). Assim, de um momento para o outro e sem estar propriamente a justificar, o Manchester City chegava ao final da primeira parte com um resultado confortável que mostrava maioritariamente a eficácia superior da equipa de Guardiola em 45 minutos que foram dos mais sofríveis do conjunto nos últimos meses.

No início da segunda parte, o Southampton fez uma alteração e trocou Djenepo, que tinha sentido dificuldades físicas durante o primeiro tempo, por Nathan Tella. O City voltou melhor do intervalo e notava-se na equipa de Guardiola uma tranquilidade que tinha faltado na primeira parte. Mahrez bisou e engordou os números, ao rematar depois de uma jogada rendilhada por Fernandinho e Foden na sequência de mais um erro dos saints na saída de bola (55′), Adams ainda reduziu depois de um atraso mal medido de Bernardo (56′) e De Bruyne também fez o segundo golo na partida logo depois, ao aproveitar uma receção de Foden depois de um passe de Kyle Walker (59′). A golear, Guardiola tirou Mahrez para colocar Ferran Torres e Hasenhüttl respondeu ao trocar Jack Stephens por Diallo.

Até ao fim, e já com Agüero e Mendy em campo, o Manchester City limitou-se a gerir o resultado e a procurar mais golos — Foden e Torres foram quem ficou mais perto, com remates a rasar o poste –, com o Southampton a ter ainda um golo anulado por fora de jogo de Adams (86′). A equipa de Guardiola reagiu da melhor maneira à derrota com o Manchester United, apesar de uma primeira parte lenta, e voltou às vitórias na Premier League e na corrida pela reconquista do título. O treinador espanhol tinha dito ironicamente que os citizens iriam marcar 18 golos aos saints: no fim, não foram 18 mas foram cinco. E chegou perfeitamente.