“Portugal tem condições para iniciar um processo de levantamento das medidas de confinamento.” É Mariana Vieira da Silva, ministra do Estado e da Presidência, que o diz, no final do debate de renovação do estado de emergência. A ideia é geral e foi sendo transmitida pelos vários partidos ao longo do debate, apesar de haver divisões sobre os critérios, os momentos e a forma de avançar para este desconfinamento. Para a história do 13.º estado de emergência ficam os votos a favor de PS, PSD, CDS, PAN e Cristina Rodrigues, a abstenção do Bloco de Esquerda e os votos contra de PCP, PEV, IL, Chega e Joacine Katar Moreira.

Há razões para “encarar o futuro com confiança” sem perder a “noção e a consciência”. Foi com base nestas certezas que a ministra anunciou um desconfinamento “lento”, que seja “gradual e faseado” e um processo que implique o “permanente controlo dos indicadores” da pandemia, em matéria de incidência, taxa de variação e capacidade de resposta do SNS. O Governo apresenta o plano esta quinta-feira, após o Conselho de Ministros, mas Mariana Vieira da Silva deixa bem claro que, sejam quais forem as opções, “não haverá um regresso à normalidade em breve”.

Estava feito o resumo daquilo que o Governo pretende para a primeira fase do desconfinamento, sem ser levantado nem um bocadinho o véu das medidas concretas e Mariana Vieira da Silva aproveitou para responder ao PSD, que pela voz de Fernando Negrão lembrou que durante um ano o partido deu “luz verde ao Governo” e que não foi  “adversário político” no que toca à pandemia e, em troca, “muitas vezes” viu ser “escondida a estratégia” e ficou sem resposta.

“Nem sempre o bom senso imperou, nem sempre a ideologia esteve ausente, nem sempre se seguiu o conselho dos especialistas”, criticou Fernando Negrão, ao apontar que o não foi “reconhecido [ao partido] o direito de contribuir de forma qualificada”.

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Vir neste momento dizer que discordaram só é possível num quadro de uma intervenção que tem como único objetivo a desresponsabilização e o passa-culpas, que não é o que se espera num momento como aquele que estamos a viver

A resposta veio pouco depois, quando Mariana Vieira da Silva elogiou a “articulação” dos órgãos de soberania durante a pandemia, que tem “feito um trabalho próximo” desde o Presidente da República, ao Governo e à Assembleia da República, e deixou o recado: “Senhores deputados do PSD, esta responsabilidade comum não é só para ser assumida quando importa, é para ser assumida sempre. E não vale a pena vir agora dizer que discordaram de medidas, quando se discordaram foi por as achar demasiado restritivas.”

A ministra continuou para dizer que “os portugueses sabem bem e têm memória de quem defendeu o quê”. “Vir neste momento dizer que discordaram só é possível num quadro de uma intervenção que tem como único objetivo a desresponsabilização e o passa-culpas, que não é o que se espera num momento como aquele que estamos a viver”, concluiu a governante.

Durante o debate, o Bloco de Esquerda também apontou o dedo ao Governo, mas para mostrar descontentamento por se voltar a discutir o tema sem se conhecer o documento do Governo. “Há uma decisão que estamos a tomar que não é plena nem totalmente transparente”, apontou Pedro Filipe Soares, que considera que este estado de exceção “é a única que pode limitar direitos fundamentais e a Assembleia da República não pode ser retirada deste processo”

Com uma “luz ao fundo do túnel”, o líder parlamentar do BE trouxe três verbos para a discussão: testar, rastrear e vacinar. Contudo, disse, o verbo “proteger” também não pode ser esquecido, referindo-se a toda a população e empresas que precisam de ser defendidas nesta momento de pandemia.

A preocupação é partilhada com o PCP, que insistiu que o estado de emergência já não devia estar em vigor no país e que considera “errado fixar critérios estritamente epidemiologico para definir” o desconfinamento, um dos pontos que tem sido trazido pelos especialistas e que, ao que tudo indica, o Governo pretende seguir. “Não é possível sustentar o confinamento por mais tempo”, aponta João Oliveira, com um pedido de que se assegurem soluções para que haja medidas adequadas de combate à pandemia e para que o confinamento fique “arredado” da vida da população.

Telmo Correia, do CDS, que votou a favor do estado de emergência, discordou por completo e atirou-se aos que não têm apoiado este estado de exceção. “Se o estado de emergência foi a decisão certa, e só por negacionismo e demagogia se pode defender a desnecessidade, é muito importante não repetir erros”, apelou, com um foco na Páscoa e em não deixar que este período se transforme numa réplica do Natal. Para o Governo, a crítica de que volta a fazer um plano “em cima do joelho” e de que não permitiu ao Parlamento discutir o tema com o plano de desconfinamento nas mãos.

Também o PAN voltou a votar a favor do estado de emergência, com Inês Sousa Real a afirmar que o “inimigo comum (…) não conhece limites constitucionais” e que, por isso, é preciso manter o país em emergência, mesmo apesar da “fadiga no confinamento”. “O sacrifício do agora significa a liberdade de amanhã”, considera a deputada, que pediu um plano de desconfinamento feito com “conta, peso e medida, de forma a evitar os erros do passado”.

Por outro lado, e com a visão oposta, “Os Verdes” não entendem a extensão deste estado de emergência: “Até quando se vai cumprir ritual de discutir estado de emergência?”, questionou Mariana Silva. “Para este esforço [dos portugueses], qual foi a contribuição do estado de emergência? Nenhuma”, acrescentou a deputada do PEV, que considera que “é tempo de desconfinar”, de forma a “garantir que não são dados passos atrás”, já que “estado de emergência não é solução”.

Também André Ventura reforçou a ideia de ser contra o estado de emergência. O líder do Chega deixou muitas críticas ao Governo e pediu que se tomem decisões, pois “o país pede para abrir e desconfinar”. “Temos as medidas mais restritivas da UE, não por coragem, mas por cobardia de um Governo que só soube fechar por incompetência”, criticou, enquanto garantia que o “estado de emergência só pune os que trabalham”.

Outro dos votos contra vem da Iniciativa Liberal, com João Cotrim Figueiredo a apontar para o facto de que “o país terá vivido metade do último ano em estado de emergência, com liberdades individuais suspensas”. O deputado único referiu ainda que “o Presidente de República também já se apercebeu de que o estado de emergência é um instrumento demasiado grosseiro para as necessidades de uma situação sanitária” e “lançou ao Governo e a esta Assembleia o desafio de aprovar uma Lei de emergência sanitária”. A Iniciativa Liberal acredita que “pode ser uma boa ideia”, mas “se pretender apenas continuar a dar cobertura jurídica a decisões unilaterais do Governo, ao mesmo tempo que diminuem o papel da Assembleia da República e desprotegem o cidadão”, não votará a favor.

Já no fim do debate, a deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira pediu atenção para o partilhar de ideias “com fascistas e antidemocráticos” e alertou para a igualdade entre mulheres e homens. “Na era pós-Covid 19 precisaremos de zelar pelas instituições e pela democracia contra a manipulação fascistas”, conclui. Um tema que também mereceu a atenção de Cristina Rodrigues. “A pandemia teve impacto superior na mulher do que no homem”, por “perderem emprego com mais facilidade”, mas também por viverem realidade “sem descanso” entre teletrabalho e família”.