Era para ser uma série como tinha sido a anterior, sobre o jogador Sergio Ramos, o marido Sergio Ramos, o pai Sergio Ramos e o homem Sergio Ramos. No fim, acabou por ser uma série que testemunha a temporada mais atípica desde que há memória. Era para ser uma série sobre uma época que tinha Campeonato, Liga dos Campeões e Campeonato da Europa. No fim, acabou por ser uma série que mostra um Campeonato interrompido, uma Liga dos Campeões dividida em duas fases e um Campeonato da Europa adiado. “A Lenda de Sergio Ramos”, o novo documentário sobre o capitão do Real Madrid, não é nada daquilo que era para ser quando o projeto começou — e é por isso que é especial.

A série de seis episódios, que estreia a 9 de abril em Espanha e a 18 de junho no resto do mundo através da Amazon Prime Video, é uma espécie de segunda temporada de “O Coração de Sergio Ramos”, o documentário que saiu em 2019 e cujo enorme sucesso acabou por abrir a porta a esta continuidade. As gravações começaram no início de 2020, foram interrompidas tal como tudo devido à pandemia e recomeçaram semanas depois — ou seja, testemunharam a paragem das competições desportivas, o confinamento que o jogador espanhol passou em casa com a mulher grávida e os três filhos, o recomeço do futebol e a conquista da liga espanhola por parte do Real Madrid. Esta quinta-feira, numa conferência de imprensa internacional em que o Observador marcou presença, Sergio Ramos falou sobre a série que mostra “o passado, o presente e o futuro” de um dos atletas mais influentes do século XXI.

“Olhar para o passado tem sempre um lado melancólico. Tenho sempre orgulho em mostrar mais sobre mim para que as pessoas possam opinar com mais informação quando falam de mim ou da minha família. Gravar em confinamento acabou por ser muito divertido. Quando começámos tinha o cabelo curto e depois já tinha o cabelo comprido. Cumprimos todas as regras sanitárias, tínhamos praticamente uma bolha para gravar cada conteúdo. Também há vídeos gravados por mim ou pela Pilar [Rubio, a mulher], quando estávamos com os miúdos em confinamento”, revelou o central de 34 anos, que acabou por destacar três momentos de cuja ilustração gostou particularmente. “A parte da minha saída do Sevilha para o Real Madrid. Acho que foi o momento certo para contar tudo o que aconteceu. A parte da Covid, como fomos diversificando as coisas com os miúdos em casa, até mesmo depois com a parte escolar. E como nos preparámos para ganhar a ‘liga do confinamento'”, disse Ramos.

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Ainda a regressar aos trabalhos e aos treinos depois de uma lesão no joelho, o experiente central foi também confrontado com aquele que é um dos temas da atualidade em Espanha e na Europa: o processo de renovação com o Real Madrid e uma eventual saída no final da época. Segundo a moderadora da conferência, a pergunta tinha sido feita por todos os meios de comunicação social presentes no evento. E Ramos não recusou a resposta, embora não tenha adiantado grande coisa. “Geram-se sempre dúvidas, é normal. Gostaria de dizer alguma coisa hoje mas a verdade é que não tenho novidades. Continua tudo na mesma. Estava muito concentrado em voltar depois da lesão, em jogar o resto da temporada, em voltar a ajudar a equipa. Não há nenhuma notícia quanto à renovação. Gostava de falar e garanto que quando existir alguma novidade serei o primeiro a comunicá-la. Mas estou tranquilo”, atirou.

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A série conta com a participação da mulher do central, a apresentadora Pilar Rubio, de figuras como Zidane, Vicente del Bosque, Casillas e Raúl, assim como os adversários (e colegas de seleção) Jesús Navas e Busquets. O cantor Alejandro Sanz e o tenista Rafael Nadal, ambos amigos pessoais de Ramos, também integram o projeto e Javier Pereira, o produtor executivo do documentário que também marcou presença na conferência de imprensa, garante que todas as chamadas “não chegaram a demorar cinco segundos” porque todos acederam rapidamente a falar sobre o central espanhol. Os seis episódios testemunham a paixão superior de Sergio Ramos pelo futebol mas também os interesses paralelos do jogador, que é um adepto de cavalos, de pintura e de música. Sobre se existe um desporto para o qual não tem grande aptidão, até porque nos primeiros segundos da série surge a nadar, garante que “ninguém é perfeito”. “Sempre me identifiquei com o desporto no geral. Gostava de fazer tudo quando era pequeno, vólei, ténis, basquetebol. Sempre coloquei muito empenho e depende muito da atitude e da vontade, quando queres fazer algum desporto. Sempre fui muito teimoso e se me propunha a alguma coisa era para levar a sério”, acrescenta, atirando que com toda a certeza não seria um enorme talento na Fórmula 1.

O capitão do Real Madrid, que foi colega de equipa de Cristiano Ronaldo durante várias temporadas precisamente nos merengues, comentou ainda as críticas que o internacional português tem sofrido na sequência da eliminação da Juventus nos oitavos de final da Liga dos Campeões, com o FC Porto. “O Cris é a figura da Juventus. Quando as pessoas falam da Juve, falam do Cris, é algo que lhe acontece. Quando nós perdemos também só falam do treinador e do capitão, é sempre assim. Sendo justo ou injusto, tem de se manter à margem. De certeza que não se importa. É um jogador extraordinário, que marca a diferença. Hoje em dia, na Champions, qualquer equipa te pode ganhar. Também nos pode acontecer”, explicou, enumerando depois os melhores jogadores com quem partilhou balneário, os melhores que defrontou e aqueles que admirava quando era jovem.

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Para além de ser capitão do Real Madrid, Ramos é também capitão da seleção espanhola, com quem conquistou dois Europeus e um Mundial

“Tive a oportunidade e a sorte de partilhar balneário com alguns dos melhores. Os Ronaldos, tanto o brasileiro como o português, Raúl, Beckham, Roberto Carlos, os melhores do mundo. Alguns adversários foram colegas na seleção, Iniesta, Xavi, Puyol. Foram todos grandes jogadores e tentei aprender algo com todos eles. Diz-se sempre que somos adversários mas na maioria dos casos temos esse respeito mútuo e tentei ir buscar um bocadinho a cada um. Em termos de equipas, o adversário mais difícil foi o Barça. O melhor Barça da história, que apanhámos na liga, na Taça, na Champions, um Barça de Guardiola que marcou uma era. Foi o rival que mais me complicou a vida (…) Quando era pequeno, nascido e criado em Sevilha, o meu sonho era jogar no Sevilha. Sempre tive mais camisolas dos jogadores de ataque, Rivaldo, Caniggia, mas os meus ídolos também eram o Fernando Hierro e o Maldini. Tentei aprender com eles e consolidar um Sergio Ramos com a sua própria identidade”, contou, destacando ainda a admiração por Ronaldinho e por Zidane, que é atualmente seu treinador.

Por fim, explicou que ganhar ao Barcelona é “mágico e maior do que ganhar a qualquer outro rival”, que a mentalidade competitiva que tem é fruto daquilo que aprendeu com o pai e com o irmão e deixou um conselho aos jovens jogadores. “Sejam consistentes em tudo o que fazem. Não deixem ninguém roubar-vos o sonho. Insistam e persistam”, disse. E acabou a elaborar tudo o que quer que digam dele quando terminar a carreira — embora recorde uma frase de Santiago Bernabéu para lembrar que “não existem jogadores velhos e novos, só existem jogadores bons e maus”.

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“A lenda forja-se no dia-a-dia e nos teus feitos. No final, não podes agradar a todos mas há algo que não podes apagar, que é todo o teu currículo, tudo o que já ganhaste, tudo o que já fizeste. Aquilo que quero que digam de mim é que fui um tipo verdadeiro, humilde, um trabalhador e que sempre dei tudo aquilo que tinha. Creio que ainda posso jogar três, quatro, cinco anos ao mais alto nível e no dia em que me faltar essa vontade dou um passo ao lado. Mas, se o corpo aguentar, sei que a minha mentalidade vai sempre acompanhar-me, porque sei como a controlar e sei que não podemos viver do passado. Quero que as pessoas me recordem como um tipo que lutou sempre de frente, com a verdade à frente de tudo, e que deu sempre o máximo em tudo o que fez. Com os meus erros, claro, e continuo a errar e vou continuar a errar mas aprendo com todos eles. É isso que quero que recordem. Que fui honesto, humilde, trabalhador e que dei sempre o meu máximo”, terminou.