No dia de regresso a um espaço escolar em Rabo de Peixe, os professores falam num “remendo” às perdas do ensino à distância e as mães acusam o Governo Regional dos Açores de “discriminação” ao não reabrir as escolas.

À porta do Centro de Artes e Ofícios, debaixo de chuva, Cátia Moniz, mãe de uma menina de oito anos e de um menino de dez, queixava-se de “discriminação”. “Estou aqui para falar pelas mães, porque as crianças foram submetidas a fazer teste à Covid-19, com o comprometimento de abrir as escolas, e o mesmo deu em discriminação das crianças”, afirmou.

A mãe de Gonçalo, aluno do 4.º ano, que, durante a primeira sessão de apoio, esta manhã, aprendeu “frações“, também recordou a realização de testes de rastreio às crianças. “Se têm teste negativo, podiam ter reaberto as escolas e não reabriram, como foi prometido”, criticou.

Também à chuva, Alda Cabral acrescentou um “concordo plenamente”, ainda que em tom mais tímido. Tem dois filhos, “uma menina com 17, que já está no ensino presencial, na secundária da Ribeira Grande, e um menino com 11”. Também para Alda Cabral, “se as crianças testaram negativo, não há necessidade de manter as escolas fechadas”. Por isso, disse esperar que, “com segurança”, as escolas reabram.

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Esta quinta-feira foi o dia de arranque do Programa Especial de Acompanhamento Educativo criado pelo Governo Regional dos Açores para os 2.000 alunos da freguesia de Rabo de Peixe, que esteve sob cerca sanitária desde 15 de janeiro até esta quinta-feira, ainda que o perímetro afetado tenha sido reduzido por duas vezes.

Foi também o dia do anúncio do levantamento da cerca, mas as medidas de contenção no concelho da Ribeira Grande, onde fica Rabo de Peixe, foram agravadas, por ter passado a ser considerado como de alto risco de transmissão.

Sensivelmente à hora a que Alda falava à Lusa, o secretário regional da Saúde anunciava que todo o concelho da Ribeira Grande passaria a ser considerado de alto risco, o que implica, explicou o governante, que as escolas daquele município estarão encerradas até à Páscoa.

Ainda antes das 09:00, à hora em que o Centro de Artes e Ofícios se abria a alunos do 1.º ciclo de Rabo de Peixe, para a primeira sessão semanal de apoio criada na freguesia, a zona ainda estava sob cerca sanitária. Aquele centro foi, aliás, reaberto de propósito para albergar os 832 alunos da freguesia que vivem na zona que até agora estava delimitada pela cerca sanitária.

O Programa Especial de Acompanhamento Educativo mantém-se em funcionamento e irá ser estendido a todo o concelho, anunciou a secretária regional da Educação. Para Alda Cabral a criação de sessões de apoio presenciais é “importante”, porque “as crianças estão com os colegas da escola”. Contudo, lamentou, “devia haver mais dias de semana, não só à quinta“.

Márcia Furtado, professora de ensino especial no 1.º ciclo, considerou que, “até à data, esta é uma das melhores iniciativas, dado que os meninos, principalmente os meninos que estão na cerca, não têm recursos informáticos” para que se possa entrar em contacto direto com eles.

Muitas vezes, é através do telefone, são-lhes entregues fotocópias de fichas para eles fazerem. É assim que se vai trabalhando”, explicou. A docente referiu ainda que, “ultimamente, o desgaste e o cansaço que eles [os alunos] sentem já se vai vendo, a todos os níveis”, mas disse temer que muitos pais recusem que os filhos participem na iniciativa “com medo do risco de infeção”.

Também a educadora de infância Maria do Carmo Costa afirmou que “o ensino à distância não é, nem nunca será o ensino ideal, principalmente numa escola de afetos e de valores“, uma vez que “nada substitui esse olhar direto, nada substitui uma expressão facial, um abraço, um sorriso, principalmente nos mais pequeninos”.

Na faixa etária que ensina, com idades entre os três e os seis anos, “os meninos dependem muitos dos pais” e, se no início do ensino à distância os pais estavam envolvidos, “quanto mais tempo passa, menos ‘feedback'” recebe, “porque os pais também começam a cansar-se“, explicou. “O ensino à distância já perdeu a piada. Estas famílias estão exaustas, como nós, professores, também. Mas, é a única coisa que temos. Também não se pode desistir”, destacou.

Maria do Carmo Costa salientou ainda que as sessões servem “para aqueles que não têm os recursos“, embora sirva “mais para trabalhar a parte afetiva”, porque “não é uma ou duas horas semanais que vão compensar o trabalho semanal”. Essa é também a opinião de João Laia, professor de matemática e ciências dos 1.º e 2.º ciclos, que ressalvou que o contacto pessoal “acaba também por ser bastante importante, nem que seja para a saúde social”.

O professor falava à Lusa depois de terminada a primeira sessão de apoio do dia, que ‘esgotou’ a lotação, com dez alunos, que estiveram a esclarecer dúvidas de matemática. A aula “correu bem”, garantiu, também porque “eles estão com necessidade de estar com outras pessoas e de estar num ambiente de sala de aula, por isso corre sempre bem“.

Para este professor, o ensino à distância “acaba sempre por ter um efeito devastador, principalmente em famílias cujo ambiente familiar não é aquele que desejávamos para todas as crianças”. As aulas de apoio são “um remendo, dentro daquilo que é possível fazer, isto é um penso rápido numa situação tão grande como esta“, considerou.

O Programa Especial de Acompanhamento Educativo “pretende complementar o ensino à distância” e prestar “um apoio extra ao trabalho e estudo dos alunos, visando igualmente o seu acompanhamento emocional e o reforço propedêutico das normas sanitárias”. Com 34 novos casos, 26 dos quais no concelho da Ribeira Grande, os Açores têm 80 casos ativos de Covid-19, sendo 71 em São Miguel, a maior e mais populosa ilha açoriana, sete no Pico e dois na Terceira.