Título: “A escola de Topeka”
Autor: Ben Lerner
Editora: Relógio d´Água
Páginas: 288
Preço: 16,55

A capa de “A Escola de Topeka”, de Ben Lerner (Relógio d’Água)

A escola de Topeka é, após Leaving the Atocha Station (2011) e 10:04 (2014), o terceiro romance de Ben Lerner, que escreveu ainda quatro livros de poesia e um de não-ficção. Numa nova abordagem literária, perde-se a predominância de um olhar meio autobiográfico que questiona a relação do indivíduo com o meio à volta e vai-se a um projeto muito mais ambicioso, que permite um olhar coletivo sobre um mundo em mudanças ao mesmo tempo que uma radiografia emocional e política de um país.

Na narrativa, tudo começa na adolescência em Topeka, Kansas, partindo-se daí para o estado atual nos Estados Unidos. O romance divide-se em oito capítulos e estes centram-se, à vez, nas figuras de Adam e os pais, Jane e Jonathan. A partir daí, Lerner faz o retrato de um país sem poupar nada, e fá-lo sem as ervas daninhas que seriam as explicações a mais, inúteis para a narrativa, só com cunho de panfleto. Tudo o que aparece é funcional, não há instrumentação de um assunto para a narrativa. Assim, e pela ambição de mostrar o macro a partir do micro, Lerner apresenta personagens fortes, credíveis, com os seus paradoxos e com dúvidas – gente, portanto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Este país que viria a ser presidido por Trump alicerçou-se em padrões desiguais que foram passados de geração em geração, em que se fazia a apologia da violência como prova de masculinidade e em que até a verdade foi transformada em jogo retórico. “A América é uma adolescência sem fim” (p. 120), diz uma das personagens, mostrando os “homens a sério” como “eternos rapazes” que “têm de se distinguir pela violência”.

Darren Eberheart e Adam Gordon são dois adolescentes que estudam na escola secundária de Topeka, e já ali o ambiente está maculado pela masculinidade tóxica. O autor parte daí para mostrar as implicações da violência gratuita e a forma como não só essa apologia retrata um passado mas também como ergue e justifica um futuro. Narrado sob diferentes pontos de vista, numa ordem que vai para além da cronologia, deparamo-nos com o cliché do adultério masculino como baluarte da masculinidade (“estava a transformar-me num homem, enquanto o homem da casa, como era típico dos homens, traía a minha mãe, que estava doente, doente por nossa causa” (p. 170)), e com as tentativas de Jane de educar um filho numa época em que se questiona a masculinidade como valor. Ao mesmo tempo, a pressão da masculinidade também vai criando problemas a quem tem de seguir os seus valores violentos:

“As pressões de fingir ser um homem a sério, de não se desviar desse estereótipo – a halterofilia constante, o combate verbal –, a acabavam por o transformar outra vez numa criança que chamava a mãe da cama.” (p 35)

Num pára-arranca entre tentativas de disrupção e repetição de padrões, começámos com os campeonatos de debates nacionais nas escolas como pontapé de partida para o advento da pós-verdade, damos uma volta pela perda de identidade do homem branco, cujo privilégio é finalmente assumido e questionado, terminámos na animalidade da Nova Direita, ainda girando antes pelas micro-violências de sexo e de cor. O abismo entre discurso e verdade aparece em claro:

“A falta de tempo não serve de desculpa. Mesmo antes de terem notícias vinte e quatro horas por dia, tempestades no Twitter, robôs de investimento, folhas de cálculo e ataques de negação de serviço, os americanos já enfrentavam o spread todos os dias – ao mesmo tempo que os políticos falavam devagar, devagarinho, sobre valores totalmente desligados das medidas políticas que depois implementavam.” (p. 29)

A escola de Topeka é um romance que acaba com as discussões sobre quem tem o direito à palavra na literatura. Parece desfasado dizê-lo, mas isto começou nos Estados Unidos, passou pelo Brasil e atingiu Portugal em cheio: quem é quem na literatura, quem pode ser o quê na literatura. Lerner mostrou um país através de várias lentes, não se coibiu de pôr o ónus no privilégio de que também pode beneficiar, e assim escreveu um país sem pôr ninguém em relação de alteridade. O seu lugar de fala é, assim, o de quem sabe o que diz e tem vontade de dizer.

Ao mesmo tempo, e não será escusado dizê-lo, não deixa de ser refrescante ver um escritor a exigir mais da literatura, ao invés de se pôr na sombra fácil da literatura masculina: representar as mulheres como o outro, fazer dos homens o olhar neutro, naturalizar construções sociais sem ver além. Este romance será, assim, o degrau de cima da construção literária coetânea.