Foi em maio de 2014, e por acaso, que os restauradores da Biblioteca Nacional de Espanha suspeitaram que aquilo que tinham em mãos não era o original de 1610 do Sidereus Nuncius, de Galileu Galilei, mas uma cópia.

“Este trabalho tem uma encadernação e capas em papel pergaminho. Quando o vimos, pensámos que deveria estar num recipiente de conservação sem ácido. A cópia parecia demasiado nova para ser de 1610. A caixa de impressão e as gravuras deixam marcas e esta não tinha nenhuma, estava muito limpa. Ficámos surpreendidos. E comunicámo-lo imediatamente à direção técnica”, revelou agora, sete anos depois, Fuensanta Salvador, uma das restauradoras ao El País.

Apesar das suspeitas, rapidamente confirmadas — o que estava depositado no catálogo de livros únicos da biblioteca não era um dos seus documentos mais valiosos, avaliado em 800 mil euros, mas uma cópia —, a polícia não foi chamada e o exemplar falso do tratado em latim sobre as observações de Galileu com o telescópio que construiu em 1609 manteve-se no mesmo lugar, catalogada como autêntica nos arquivos da Biblioteca Nacional e no catálogo da Biblioteca Digital Hispânica.

Até que em setembro de 2018, 52 meses depois da descoberta do roubo, revela agora o jornal espanhol, a diretora da instituição recebeu um e-mail de Nick Wilding, um investigador britânico, professor na Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, a avisar que o Sidereus Nuncius que a biblioteca tinha no seu acervo digital era uma cópia. “Dizia-me que estava disposto a dar-nos toda a informação necessária para o comprovar e eu aceitei”, contou agora a diretora da biblioteca, Ana Santos, garantindo que até esse dia nunca tinha ouvido falar no desaparecimento do livro.

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Mas nem nessa altura as autoridades foram alertadas. Uma semana depois, chegou novo e-mail, dessa vez em espanhol: o investigador Carlos Solís, professor catedrático de História da Ciência na Universidade Complutense e especialista em Newton e Galileu, queria saber onde estava o original da obra e por que motivo estava um fac-símile no seu lugar. “A obra referida é, como se afirma no catálogo da BNE, uma reprodução da edição de 1610”, foi tudo o que obteve como resposta. “A questão é: onde está agora o livro original substituído pela reprodução?”, voltou a indagar Solís nesse mesmo dia. Foi só depois disso, e apenas sete dias mais tarde, a 10 de outubro de 2018, que Ana Santos chamou finalmente a Polícia Nacional e denunciou o roubo do original de Galileu Galilei. Com quatro anos de atraso.

Apesar de garantir ao El País que até 2018 não tinha tido qualquer conhecimento do roubo, e-mails a que o jornal teve acesso provam o contrário. “Achámos que era necessário ter mais informações antes de apresentar queixa”, acabou por reconhecer a diretora, no cargo desde 2013. “Queríamos saber quando chegou a cópia forjada, o percurso do livro, e quando desapareceu. A investigação não estava terminada, ainda precisávamos de recolher mais informações.”

Curiosamente, uma das pistas que a equipa da Biblioteca Nacional de Espanha descobriu entretanto foi que, de entre a limitada lista de leitores que acederam ao Sidereus Nuncius (que já em 1987 tinha sido roubado, mas foi recuperado em 1989), constava o nome de César Ovidio Gómez Rivero, nada menos do que o falso investigador uruguaio que em 2007 levou daquela mesma biblioteca vários mapas-mundo que arrancou da Cosmografia de Ptolomeu, de 1482.

Foi em 2004, três anos antes de roubar os mapas, que acabaram por ser recuperados em Nova Iorque e em Sidney, que Rivero consultou o Sidereus Nuncius. Uma vez que o uruguaio é o principal suspeito deste novo crime, isso significa que o original de Galileu Galilei pode afinal estar desaparecido há bem mais do que sete anos.