O polícia suspeito de ter raptado e matado Sarah Everard em Londres vai ficar em prisão preventiva até ao julgamento que terá lugar em outubro. O homem foi ouvido em tribunal, através de videochamada, esta terça-feira, e no dia 9 de julho terá oportunidade de se declarar inocente ou culpado.

Na sexta-feira tinha sido formalmente acusado de sequestro e assassínio. Mas poucos mais dados foram tornados públicos: o relatório da autópsia ainda não foi divulgado, nem a causa de morte é conhecida, e o telefone da vítima ainda não foi encontrado.

O homem de 48 anos é agente da Metropolitan Police de Londres, que tem estado, assim como os seus agentes, debaixo de um escrutínio apertado desde o desaparecimento da mulher de 33 anos que foi encontrada morta num floresta de Kent.

Um dos últimos incidentes diz respeito a um oficial estagiário que terá partilhado uma imagem no WhatsApp, que os colegas terão considerado que não era adequada, noticiou o jornal The Guardian. Outro está relacionado com a vigília, não só com a forma como a polícia lidou com o assunto, mas por não ter assistido uma mulher que se queixou de um comportamento indecoroso de uma homem na rua, noticiou a BBC.

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A publicação nas redes sociais

O agente estagiário identificado estava destacado nas operações de busca em Kent, mas agora foi colocado numa função não-pública enquanto o Gabinete Independente de Conduta Policial (IOPC) vai analisar a situação.

Da parte da Metropolitan Police foi dito que a publicação não tinha fotografias, nem nenhuma imagem de Sarah ou qualquer outro material relacionado à investigação à morte de Sarah. Ainda assim, a família da vítima foi informada do ocorrido.

“[A Met] espera que os seus oficiais se comportem profissionalmente em todos os momentos e isso inclui como usam as redes sociais”, disse comissário assistente Nick Ephgrave, citado pela BBC.

O IOPC está também a investigar como é que o suspeito, Wayne Couzens, ficou com dois ferimentos na cabeça (em dois momentos diferentes) enquanto estava sob guarda da polícia e porque é que as queixas contra este polícia de 48 anos, em relação ao facto de ter exibido as partes íntimas num restaurante (por duas vezes), não tinham sido devidamente investigadas.

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O comportamento da polícia durante e após vigília

Uma mulher que tinha estado na vigília de homenagem a Sarah Everard, este sábado, queixou-se à BBC de ter pedido ajuda à polícia na rua, quando voltava para casa, e de ter sido ignorada.

No caminho para casa, Georgina deparou-se com um homem que exibia os genitais na rua e dirigiu-se a um grupo de polícias para relatar a situação que a deixou “muito desconfortável”. A mulher polícia no grupo disse que iam resolver a situação, conta Georgina, mas depois um colega terá dito que não: “Não vamos lidar mais com isto. Já tivemos que chegue destes manifestantes esta noite”.

A Metropolitan Police, entretanto, diz já ter enviado duas agentes à casa de Georgina para recolher declarações e compromete-se a verificar a situação ocorrida com os agentes abordados naquela noite.

A morte de Sarah Everard que voltava a casa, sozinha, às 21h00, levou a uma onda de partilhas nas redes sociais, onde várias mulheres expuseram como se sentem vulneráveis nas ruas especialmente depois do confinamento. A vigília foi também uma forma de protesto contra a violência sobre as mulheres.

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A ação da Metropolitan Police já tinha sido criticada depois de, este sábado, ter tido uma postura agressiva e detido quatro pessoas que estavam numa vigília em homenagem a Sarah Everard. A justificação foi a violação das medidas de confinamento e controlo da pandemia de Covid-19.

A vigília, inicialmente convocada pelo movimento “Reclaim These Streets”, foi desconvocada por não terem chegado a acordo com a polícia, mas acabou por acontecer mobilizada por outro movimento “Sisters Uncut” e outros manifestantes.

Esta segunda-feira ao final da tarde, realizou-se a terceira vigília consecutiva em nome de Sarah Everard e contra a violência sobre as mulheres. Um repórter da publicação MyLondon no local descreveu que era possível encontrar vários tipos de organizações, desde o movimento de desobediência civil ligado ao ambiente “Extinction Rebellion” aos ativistas pelos direitos dos animais, passando por apoiantes doo “Stop Brexit”.

“Centenas de pessoas estavam a juntar-se muito perto uma das outras, representando um risco real para uma transmissão rápida da Covid-19. A polícia deve agir para garantir a segurança, esta é a única coisa responsável a fazer. A pandemia não acabou e os afundamentos em Londres e noutros lugares não são seguros”, declarou a comissária assistente, Helen Ball, sobre a vigília de sa´bado.

Alguns partidos pediram a demissão da comissária da Metropolitan Police, Cressida Dick, deposi dos acontecimentos de sábado, mas esta disse estar determinada em continuar à frente desta força policial. “O que aconteceu torna-me mais, não menos, determinada a liderar a minha equipa”, disse, justificando que os agentes tiveram de tomar decisões no local e que não podem ser os “treinadores de bancada” a dizer o que está certo ou errado.

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O mayor de Londres, Sadiq Khan, pediu uma investigação ao sucedido na vigília de Clpaham Common — o bairro onde Sarah foi vista pela última vez —, mas o IOPC disse que esse tipo de investigação foge da sua área de competência.

Carta aberta de uma mãe que perdeu a filha da mesma maneira

Moira Jones tinha 40 anos quando foi sequestrada perto da casa onde vivia em Glasgow (Escócia), levada para um parque, violada e espancada até à morte. A mãe, Beatrice Jones, diz-se perturbada com as semelhanças entre o caso da filha, em 2008, e o de Sarah Everard.

O caso de Moira Jones é bem conhecido dos órgãos de comunicação britânicos que procuraram entrevista a mãe da executiva de vendas, mas Beatrice Jones preferiu escrever uma carta aberta, porque não consegue prestar declarações sobre o assunto.

As primeiras palavras são para a família de Sarah Everard por perceber aquilo que podem estar a sentir neste momento. Depois, para os manifestantes que se têm multiplicado em vigílias. Mas quanto a estes deixa também uma alerta.

“Pode dar-se o caso de que, nos primeiros dias, a família se sentisse confortada por saber que tantos estavam de luto com eles”, escreveu Beatrice Jones. “Mas, agora, tudo se transformou num frenesim mediático mais representativo da raiva individual do que da dor partilhada.”

Beatrice Jones diz-se preocupada que os familiares de Sarah fiquem ainda mais traumatizados com este frenesim, porque têm demasiadas coisas para resolver nas suas cabeças e corações relacionadas com a morte. “Precisam de ser protegidos dos media, precisam de sentir que podem sair de casa por um momento sem recear uma intrusão.”

A mãe de Moira, que criou uma fundação em nome da filha para ajudar famílias enlutadas (The Moira Fund), elogia os movimentos de apoio realizados por todos o país, mas critica a cobertura mediática negativa centrada no que correu mal durante as vigílias. Beatrice Jones lamenta também que, com o tempo, se passe a falar mais do agressor do que da vítima.

“Lemos e ouvimos falar, frequentemente, de casos de assassinato nos noticiários, mas é raro ler sobre a situação daqueles que ficaram para trás, aqueles cujas vidas são mudadas para sempre pela morte violenta de um ente querido”, concluiu a mãe de Moira Jones, que diz continuar a enfrentar muitas das perguntas que tinha há 13 anos: “Porquê?”.

Atualizado às 14h50.