A eurodeputada Jytte Guteland, líder da equipa do Parlamento Europeu que está a negociar a Lei Europeia do Clima com a presidência portuguesa da União Europeia, considera que o PE não está a ser “tratado como um colegislador”.

Acho surpreendente e, francamente, mal-educado que não estejamos a ser tratados como colegisladores no que se refere à meta [climática] para 2030 e ao objetivo de 2050. Estes ainda são os dois elefantes na sala e, se a presidência quiser – como sei que quer – concluir a Lei Europeia do Clima (…), então temos de encontrar um meio de chegar a um compromisso”, diz, em entrevista à Lusa, Jytte Guteland.

A eurodeputada da Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) falava à Lusa numa altura em que se celebra o primeiro aniversário da apresentação da Lei Europeia do Clima – desvendada pela Comissão Europeia em 4 de março de 2020 -, e sobre a qual, na passada sexta-feira, teve lugar a quarta ronda de negociações entre o PE e a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE).

Com o objetivo de introduzir, na legislação europeia, medidas que permitam que o continente atinja a neutralidade carbónica até 2050, o Conselho da UE e o PE encontram-se divididos sobre as metas a estabelecer para 2030: enquanto o Conselho quer um corte nas emissões de, pelo menos, 55% relativamente aos níveis de 1990, o PE aprovou, em sessão plenária, uma meta mais ambiciosa, que prevê um corte de 60%.

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Os dois legisladores divergem também sobre a natureza dessa meta: se o Conselho prevê que a meta de 55% seja ‘líquida’ – contabilizando a extração de carbono na atmosfera para calcular o número de emissões e permitindo, assim, que certos países emitam mais se depois compensarem com a criação de ‘reservatórios de carbono’, como a florestação – o PE argumenta que uma meta ‘líquida’ reduziria o corte real de emissões para entre 51% e 53%.

“[Um corte ‘líquido’] está a minar a meta de maneira grave e incerta: (…) do ponto de vista do PE, gostaríamos de ter uma redução de 60%, que não seja ‘líquida’. Portanto, é claro que precisamos de chegar a um compromisso neste aspeto, é algo óbvio para todos, a não ser, talvez, para o Conselho”, defende Jytte Guteland.

Recusando apontar críticas apenas à presidência portuguesa – a quem saúda pelo facto de ter identificado a aprovação da Lei Europeia do Clima como uma prioridade e de ter estabelecido prazos, permitindo dar “claridade” às negociações -, a eurodeputada diz que a inflexibilidade em negociar as metas se deve também ao Conselho Europeu, que reúne os líderes dos 27 Estados-membros.

Enumerando um conjunto de assuntos em que houve progressos nas negociações – nomeadamente a introdução de uma nova meta climática para 2040 – , a eurodeputada diz que o PE está “pronto para chegar a um compromisso” e para “ceder” nas negociações das metas climáticas, mas o Conselho da UE deve fazer o mesmo.

“Podemos ver que, nos temas [em negociação], há póneis de tamanho médio e há grandes cavalos. Não irei trocar um grande cavalo para receber, em troca, um pónei de tamanho médio. Isto é algo em que o Conselho tem de refletir: temos de fazer trocas da mesma magnitude, porque nós também temos um mandato [de negociação]”, frisa a eurodeputada.

Apesar das divergências entre ambas as partes, Jytte Guteland mantém-se, no entanto, “absolutamente” confiante de que um acordo pode ser obtido em abril (a presidência pretende ‘fechar’ as negociações antes de uma cimeira de líderes sobre o clima que está a ser organizada pelos Estados Unidos, e que terá lugar no dia da Terra, a 22 de abril), até porque considera que as duas instituições se têm “mexido”.

“Há uma emergência climática e temos de agir. Acho que toda a gente tem de se aperceber disto – e acho que se apercebem -, (…) temos de fazer mais e será algo com uma importância tremenda para a liderança global”, aponta. No entanto, a eurodeputada quer “evitar uma situação” em que, nas últimas reuniões, surja “um jogo de culpas” e se diga que “o Parlamento não está contente”.

“Sempre fomos claros. (…) O PE tem estado pronto, tem sido flexível no seu trabalho, em arranjar tempo para reuniões… Sei que o Conselho tem uma situação mais difícil (…) mas, se agora estão com pressa, então também têm de organizar encontros e ajudar-nos a arranjar um método de trabalho que permita aproximar-nos”, destaca. Para tal, confia na presidência portuguesa, que diz ter uma “boa reputação” na UE devido aos seus semestres passados, que mostra que “cumpre” as suas promessas.

“Portugal é um país que cumpre, (…) no que se refere a assegurar que as reuniões têm êxito. Portanto, claro, tenho grandes expectativas para a Lei do Clima”, aponta.

Ministros do Ambiente discutem adaptação às alterações climáticas

Entretanto, os ministros do Ambiente da União Europeia (UE) reúnem-se esta quinta-feira, em formato virtual, para discutir a estratégia de adaptação do bloco às alterações climáticas e para procurar incluir a vertente ecológica no Semestre Europeu.

No que é o primeiro Conselho do Ambiente da presidência portuguesa, que será presidido a partir de Bruxelas pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, os responsáveis irão trocar as primeiras impressões sobre a Estratégia de Adaptação às Alterações Climáticas, apresentada pela Comissão Europeia a 24 de fevereiro.

Sobre esta estratégia, fontes europeias dizem à Lusa que a adoção de conclusões no Conselho será um “desafio” para a presidência portuguesa devido ao “pouco tempo” de que dispõe para “conduzir o processo”, sendo o seu objetivo “envidar esforços para manter a sua ambição de fomentar o debate sobre a adaptação e obter os melhores resultados significativos possíveis”. Noutro ponto da agenda, os ministros irão também abordar o papel que o Mecanismo de Recuperação e Resiliência poderá ter no Semestre Europeu, procurando perceber como é que os dois instrumentos se podem complementar.

Os ministros irão ainda discutir a proposta legislativa da Comissão relativa às baterias e aos seus resíduos, que foi apresentada em dezembro de 2020 e que prevê “alinhar a atual legislação em termos de baterias com o Pacto Ecológico Europeu”. No seguimento das acusações de Jytte Guteland, a presidência portuguesa informará ainda os restantes ministros sobre o estado das negociações da Lei Europeia do Clima, após a quarta ronda das negociações interinstitucionais com o Parlamento Europeu (PE) na passada sexta-feira, estando previsto um novo trílogo para o próximo dia 26.

Os ministro do Ambiente vão também trocar opiniões sobre a Estratégia da União para produtos químicos sustentáveis, após a aprovação no Conselho, na passada quinta-feira, de conclusões sobre esta estratégia, que visa “eliminar progressivamente os produtos químicos perigosos que afetam os grupos vulneráveis” e criar uma abordagem de “segurança e sustentabilidade desde a conceção” dos produtos.

O Conselho terá início às 09h30 de Bruxelas (08h30 de Lisboa).