Foi uma semana algo ambígua para o Tottenham de José Mourinho. Depois da vitória esclarecida contra o Dínamo Zagreb, na primeira mão dos oitavos de final da Liga Europa, os spurs entraram para o dérbi com o Arsenal com o moral elevado e assentes em cinco vitórias consecutivas. Os gunners de Mikel Arteta, porém, derrotaram o eterno rival e acabaram essa mesma série, interrompendo uma fase que estava claramente a ser a melhor do Tottenham nesta temporada. E no final desse jogo, Mourinho não poupou os jogadores.

“As únicas coisas positivas antes do intervalo foram o golo incrível e o resultado, 1-1. Mas não foi um reflexo justo dessa primeira parte, em que fomos dominados. Muito pobres. Alguns jogadores importantes escondem-se. Sou tão culpado dessa primeira parte como eles, mas há que sublinhar que alguns se escondem, não têm intensidade, não passam a bola e não se mexem. Fomos pobres, é tão simples como isso”, atirou o treinador português, ressalvando a falta de intensidade da equipa, algo que já fez múltiplas vezes desde que chegou ao clube. Ainda assim, e pelo menos para Mourinho, a semana foi de elogios — elogios de um colega de profissão que anda a conquistar troféus do outro lado do Atlântico.

O outro príncipe Harry, que faz do golo uma coroa e continua a querer dar o trono a Mourinho

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De férias em Portugal, depois do final da temporada no Brasil, Abel Ferreira deu uma entrevista do programa brasileiro “Redação SporTV” e acabou por eleger Mourinho como a sua grande inspiração enquanto ainda era jogador e já pensava em seguir a carreira de treinador. “Quando casei, levei três livros do Mourinho debaixo do braço para a lua de mel. A minha mulher perguntou-me o que é que eu ia fazer com os livros. ‘Não vai haver tempo para andar a estudar ou a ler’, disse ela. Achava curioso. Toda a gente falava dele e os jogadores do FC Porto diziam que lhes dava um moral que fazia com que parecessem o Pelé”, contou Abel, que sublinhou ainda os feitos do técnico em Portugal e em Inglaterra. “É a nossa maior referência, foi o primeiro a abrir portas. Para mim, é a referência de topo dos treinadores portugueses, pelo que ganhou e nos clubes em que ganhou. Uma coisa é ganhar nos grandes clubes, outra é ganhar no FC Porto, no Chelsea”, disse o líder do Palmeiras.

Era neste contexto que o Tottenham visitava esta quinta-feira o Dínamo Zagreb, na segunda mão dos oitavos de final da Liga Europa, depois de na semana passada ter derrotado os croatas em Londres com dois golos de Harry Kane. Pé e meio estava, por isso, na fase seguinte da competição europeia — ainda que fosse necessário algo mais do que o demonstrado contra o Arsenal para garantir o apuramento. Sem Son, que se lesionou precisamente no dérbi do fim de semana, Mourinho lançava Lamela no ataque e poupava Gareth Bale, colocando Dele Alli no onze, em conjunto com Kane e Lucas Moura. A restante equipa também era refrescada, com Winks, Sissoko, Ben Davies, Eric Dier e Aurier a serem titulares nos lugares de Ndombele, Højbjerg, Reguilón, Alderweireld e Doherty. Do outro lado e de forma expectável, o ex-Sporting Ristovski era titular na direita da defesa.

Numa primeira parte disputada a um ritmo médio, o Tottenham procurou resguardar a posse de bola e defender a vantagem na eliminatória sem precisar de arriscar muito. A ideia, claramente, era tentar desequilibrar apenas no contra-ataque ou com passes verticais a rasgar a defesa adversária, sem ser necessário colocar muitos elementos nos setores mais adiantados. Os ingleses trocavam a bola de forma pausada e também não permitiam grandes aventuras por parte do Dínamo Zagreb, que tinha dificuldades em passar do meio-campo com a bola controlada.

Ainda assim, a melhor (e única) oportunidade da primeira parte pertenceu aos croatas, através de um remate de fora de área de Majer que passou muito perto da baliza de Lloris (35′). Esse período pouco depois da meia-hora foi a melhor fase do Dínamo Zagreb na partida, com a equipa de Damir Krznar a passar mais tempo no último terço dos spurs e a procurar espaço nas costas de Sánchez e Dier. Ao intervalo, o nulo justificava-se por inteiro, depois de 45 minutos de pouco futebol, e o Tottenham estava a um passo de carimbar a passagem aos quartos de final da Liga Europa.

Na segunda parte, José Mourinho esperou pela hora de jogo para fazer a primeira substituição, ao trocar Lamela por Bale, e ficava cada vez mais notório que o Tottenham procurava chegar ao apito final o mais depressa possível sem precisar de grandes esforços. Em oposição, o Dínamo Zagreb voltou mais pressionante do intervalo, com as linhas mais subidas e permissão de menos espaço ao adversário, aplicando uma reação à perda de bola assinalável que ainda não tinha mostrado ao longo de toda a eliminatória. E assim, instantes depois de Bale entrar em campo, Oršić fez magia.

O jogador croata apareceu na esquerda, junto ao vértice da grande área, e tirou um remate extraordinário que não deu qualquer hipótese a Lloris (62′). O Dínamo Zagreb colocava-se a ganhar e percebia que só precisava de mais um golo para levar a eliminatória para o prolongamento; enquanto que, por outro lado, o Tottenham acordava para a obrigatoriedade de ter de acelerar e chegar a zonas de finalização. Mourinho tirou Winks e Alli para colocar Lo Celso e Ndombele e procurou ganhar músculo e frescura, não só para resguardar a bola como para procurar o golo que poderia tranquilizar novamente a equipa.

Só que a reação dos spurs não chegou a aparecer. À exceção de uma oportunidade de Lo Celso, que atirou um pontapé rasteiro para Livakovic defender, o Tottenham continuou a permitir muito espaço ao Dínamo Zagreb e manteve uma ausência de intensidade alarmante. E os croatas, num ataque rendilhado com a participação de muitos elementos, voltaram a aproveitar: Atiemwen apareceu na direita, na grande área, e cruzou para a zona da marca da grande penalidade, onde Oršić rematou de primeira (83′). O médio de 28 anos bisou e empatou a eliminatória, forçando um prolongamento que os ingleses já não conseguiram evitar mesmo depois da entrada de Carlos Vinícius.

No prolongamento, já na segunda parte, o empiricamente impensável aconteceu: Oršić, depois de uma arrancada a partir da esquerda, rematou de fora de área, completou o hat-trick e colocou o Dínamo Zagreb em vantagem na eliminatória (106′). Até ao fim, Livakovic ainda fez uma enorme defesa a um remate de Harry Kane, evitando um golo dos spurs que seria decisivo, e os croatas abateram por completo os ingleses. O Tottenham chegou à Croácia a jogar para o empate, sempre muito “pobre”, como Mourinho disse depois do dérbi com o Arsenal, e foi surpreendido pela noite de sonho de Oršić. O avançado de 28 anos, que leva um pouco usual número 99 nas costas, fez três golos, eliminou um dos candidatos à conquista do troféu e apurou o Dínamo Zagreb para os quartos de final da Liga Europa. Os sonhos, como o futebol acaba sempre por provar, podem sempre ser realizados. Até ao minuto 106 de um jogo de futebol.