Alguns de nós têm um amigo perito em teorias da conspiração. Se não são os extraterrestres que já estão entre nós e nos controlam e nem sequer os governos sabem, são os reptilianos do Planeta X que estão aí a chegar para nos invadir pela calada; se não são os Illuminati que nos governam a partir de uma montanha oca no Tibete, é o 11 de Setembro que foi uma colossal montagem da Casa Branca, do Pentágono e da CIA. Harry (Chris Sheffield), o protagonista de “O Mistério de Block Island”, escrito e realizado pelos irmãos Kevin e Matthew McManus, estreado na Netflix, tem um desses amigos, chamado Dale.

Dale está a par de todas as teorias da conspiração que circulam por aí, das mais moderadas às mais estapafúrdias (os gatos exalam uma toxina que lhes permite controlar os humanos). E tem uma explicação para os estranhos fenómenos que se têm dado onde ele e Harry vivem, Block Island, uma ilhazinha ao largo de Rhode Island que no Verão se enche de turistas abastados e quase fica vazia no Inverno. Estão a aparecer peixes mortos na água e nas praias, bem como aves marinhas. Fenómeno que também está a acontecer na Noruega ou no Brasil. A explicação de Dale é muito simples. Estamos a ser vigiados e controlados por “eles” – e aponta para cima, para o céu.

[Veja o “trailer” de “O Mistério de Block Island”:]

Harry não lhe prestaria atenção, não fosse pelo comportamento do pai, Tom, pescador veterano, que está cada vez mais errático e incoerente, dando-lhe para ficar parado durante longo tempo de olhar fixo, e para sair para o mar no meio da noite, depois de tirar comida do frigorífico. Um dia, o barco do pai aparece vazio no meio do mar, e o cadáver dele dá à praia dias depois, com estranhas contusões na cabeça. Ao contrário da polícia e da irmã, Audry, uma cientista ambiental que regressou à ilha para analisar a morte em massa dos peixes e dos pássaros, Harry pensa que o pai foi assassinado. E após ter tido uma estranha experiência debaixo de água enquanto mergulhava à procura do corpo, começa a comportar-se exatamente como o pai.

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[Veja entrevistas com os realizadores e os atores:]

Rodado com um orçamento que cabe na axila de um “blockbuster” de super-heróis, “O Mistério de Block Island” parece ir ser um corriqueiro filme de terror animal ou ecológico. Mas, pausada e ominosamente, torna-se numa história de horror cósmico e possessão sobre-humana, em que os McManus preferem o calafrio ao susto, instalando uma densa e desconfortável atmosfera fantasmagórica e de temor de uma presença ameaçadora e invisível, que apenas se pressente na da alteração do comportamento das personagens e no desvario dos aparelhos eletrónicos. E fazem-no através de um apurado, intenso e sugestivo trabalho com o som (o título original da fita é “The Block Island Sound”), que a câmara, o jogo dos actores, o mar baço e a desolação invernosa da ilha completam.

Serão as forças em ação em “O Mistério de Block Island” extraterrestres, como sugere Dale, ou sobrenaturais, e com um toque lovecraftiano (a certa altura, Harry tem um pesadelo em que vomita tentáculos)? E serão maléficas, ou nem tanto? O final do não é daqueles certinhos, que deixa as coisas explicadas com todos os efes e erres e é preciso estarmos atentos à voz “off” de Audry, que recupera uma tirada sua do início da fita. É natural que alguns o achem difuso e fiquem desapontados, mas está de acordo com a lógica de terror elíptico e indefinido que preside ao filme. Uma coisa é certa: há alturas em que convém dar ouvidos aos Dales deste mundo.       

“O Mistério de Block Island” já está disponível na Netflix