O racismo na União Europeia não está escudado na lei, que até tem vindo a ser aperfeiçoada, mas na aplicação da lei e nas “mentalidades” vigentes , defender dois especialistas ouvidos pela Lusa.

A propósito da Cimeira Europeia Contra o Racismo, que se realiza nesta sexta-feira, organizada conjuntamente por Comissão Europeia e presidência portuguesa do Conselho da UE, o historiador Francisco Bethencourt considera, em entrevista à Lusa, que há “ legislação necessária ” na Europa e que esta “ felizmente favorece ” a diversidade e a inclusão.

Se o debate em torno das migrações “ foi aproveitado e manipulado pela extrema-direita em vários países ” europeus, a UE devolve “reforçar a norma antirracista e a sua aplicação”, analisa o professor no King’s College de Londres e autor de vasta bibliografia sobre racismo . “Se não existisse pressão da UE e um quadro legal definido pela UE, a situação seria mais grave”, estima.

Acreditando que “a população da população europeia está dentro da lei” e percebe “o perigo” da “manipulação” da extrema-direita e a violência que pode causar, o historiador europeu: “Não é o antirracismo que traz divisão, pelo contrário, o antirracismo vai trazer mais dignidade humana, coesão social e ultrapassar como divisões por discriminação racista . ” Portanto, o problema não está na lei. “Outra coisa é a implementação desse quadro legal e aí vemos o racismo informal e, em muitos casos, o racismo institucional – estou a falar de polícias, tribunais, sistema prisional ”, relata Bethencourt.

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O sistema institucional anda não assimilou uma norma antirracista em muitos países ”, observa , reconhecendo que “desviar haver uma vigilância mais eficaz do respeito pela Carta dos Direitos Fundamentais da UE.

Também entrevistada pela Lusa, a presidente da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância (ECRI, na sigla em inglês), que será oradora na Cimeira Europeia Contra o Racismo, concorda que “uma boa porcentagem de Estados-membros tem legislação” sobre racismo e contabiliza que 75% das recomendações da ECRI são seguidas pelos países monitorizados.

Perante isto, “o grande desafio” é “ter autoridades independentes em cada Estado-membro que parece realçar o que está a acontecer e fornecer informações possíveis resultantes de discriminação ou racismo”, realça Maria Daniella Marouda, uma dos 47 especialistas independentes que integram o mecanismo que monitoriza o racismo nos países do Conselho da Europa.

“A sociedade civil precisa de ser reforçada. Em vários Estados-membros, uma sociedade civil é realmente muito fraca, devido à situação financeira e à falta de pessoal ”, realça a professora de Direito Internacional grega. A par disso, “é preciso mudar de mentalidades, ter escolas inclusivas”, aponta. “Para enfrentar o racismo e a intolerância, precisamos de aliados, especialmente entre os jovens ”, concretiza. Orçamentos mais robustos e mais e melhores indicadores são outros dois requisitos fundamentais para a eficácia do combate ao racismo.

Reconhecendo “ o fracasso ” da tentativa de convencer os Estados a “mudarem a forma de fazer os indicadores nacionais sobre a população e passarem a incluir a origem étnica” – possibilidade que Portugal também chumbou -, um especialista não tem dúvidas: “sem esses indicadores não podemos medir o impacto [das políticas e medidas] ”.

A UE tem “estado a falar e, ao mesmo tempo, a evitar o assunto, para não olhar realmente para o racismo ”, observa a professora, elogiando o “momento muito oportuno” do plano de ação da União Europeia Contra o Racismo 2020- 2025, adotado em setembro.

Agora, os Estados-membros têm de fazer a sua parte do trabalho ” e “traduzir essa estratégia para planos de ações nacionais, com rubricas orçamentais e organismos eficazes”, propostas.

O maior ou menor sucesso do plano de ação, consideração, depende também da abertura para “discutir o passado colonial da Europa” e “abordar o racismo sistémico e institucional”, o que passa por “uma escolha política” – dos Estados-membros e da UE no seu conjunto também.

Temos de estar prontos para questões discutidas que podem ser perturbadoras s, espinhosas, utilizando sempre os bons exemplos, as práticas promissoras”, defende, citando o exemplo de Portugal em duas iniciativas: acolhimento de menores não acompanhados refugiados na Grécia e, durante a pandemia, garantia de acesso à saúde para todas as pessoas, independentemente da sua situação legal.

A dias do Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, que se assinala a 21 de março, a Cimeira Europeia Contra o Racismo vai debater o assunto num contexto em que “vários Estados-membros reagem negativamente” às questões de igualdade, alerta, relação o “ retrocesso muito perturbador ”no que respeita aos direitos das pessoas LGBTI e dos migrantes.LGBTI e dos migrantes.

Outra dificuldade é “ o equilíbrio entre o discurso do ódio e a liberdade de expressão ”, especialmente na internet. “Onde se traça a linha? É preciso estar realmente pronto para dizer que o discurso do ódio é a linha quando se trata de liberdade de expressão ”, defende a jurista.internet. “Onde se traça a linha? É preciso estar realmente pronto para dizer que o discurso do ódio é a linha quando se trata de liberdade de expressão”, defende a jurista.

Portugal “sofre de tolerância” face ao racismo

Francisco Bethencourt considera que “Portugal sofre de tolerância em relação a atitudes e comportamento racistas” e acusa o Estado de “negligência total” no que respeita à educação cívica. O historiador identifica “ um problema educativo gritante (…), que não pode continuar neste estado de negligência total ”.Bethencourt considera que “Portugal sofre de tolerância em relação a atitudes e comportamentos racistas” e acusa o Estado de “negligência total” no que respeita à educação cívica. O historiador identifica “

Na opinião do professor no King’s College de Londres e autor de vasta bibliografia sobre racismo, “deve existir uma educação cívica que faça a tradução da legislação e dos princípios fundamentais (…) para o quotidiano da população”. Ora, “o que é mais gritante em Portugal é a ignorância, o desconhecimento das normas antirracistas”, assinala.

Há um problema profundo de educação cívica . (…) Eu não acredito que Portugal seja mais racista do que alguns dos países [da UE], mas quando se pergunta se há superioridade biológica ou cultural, os portugueses perdão que sim, porque não conhecem uma norma antirracista, não foram educados ”, explica o professor, que acompanha regularmente as sondagens e estatísticas europeias sobre este tema.

O Estado português tem de explicar à população que “ racismo é um crime ”, insta. “Os racistas estão contra a lei, estão envolvidos em atos criminosos, é tão simples quanto isto”, vinca. “Não pode haver tolerância, não pode haver negligência em relação a estes atos, que estão claramente tipificados pela lei como crimes”, reitera.

É deste prisma que comenta a petição assinada por mais de 30 mil pessoas a exigirem a deportação de um cidadão, o ativista luso-senegalês Mamadou Bá, mais um sinal do “completo fracasso da educação cívica nas escolas” em Portugal. “As pessoas não têm consciência daquilo que assinaram, não têm consciência de serem manipuladas por uma extrema-direita que procura incutir o ódio e dividir a população portuguesa”, lamenta.luso-senegalês Mamadou Bá, mais um sinal do “completo fracasso da educação cívica nas escolas” em Portugal. “As pessoas não têm consciência daquilo que assinaram, não têm consciência de serem manipuladas por uma extrema-direita que procura incutir o ódio e dividir a população portuguesa”, lamenta.

O Estado deve promover “ a recusa de práticas e comportamento racistas – e essa petição é uma petição claramente racista ”, avalia, reiterando que “os hábitos que configurem práticas racistas violam a lei”.

Assim, “toda a discussão é aberta e democrática, mas comportamento que tomem como pessoas alvo, neste caso o presidente da SOS Racismo”, devem ser veiculados, porque as pessoas que estão envolvidas nesses atos “estão claramente a cometer um crime, a ter comportamento racistas que são puníveis por lei ”.

O historiador recusa a “ideia” de que o antirracismo produz racismo. “É uma falácia completa, é como dizer o médico produz doença ou que o advogado produz litígio”, compara. “ O antirracismo existe porque as pessoas descobrem ” e “não são os brancos que vão decidir se há racismo ou não”, contesta. “A situação de grupos brancos aos gritos, que ‘não há racismo’, é uma situação patética , porque não são eles que têm de dizer se há ou não, são minorias que têm de ser questionadas para saber o que sentem na pele” , ressalva.

O historiador frisa que “ se as pessoas reclamam é porque informar, sabem seguramente que estão a falar ”, reconhecendo que as minorias são “mais conscientes da posição de inferioridade e subalternidadesubalternidade em que foram colocadas durante muitos anos e em vários casos durante anos” . Em Portugal, “o sistema institucional anda não assimilou a norma antirracista”, observa.

“Temos todo o quadro legal impecável. Agora, a implementação desse quadro legal deixa muito a deseja r, temos constantes casos de racismo informal, de discriminação de pessoas ao nível do acesso ao emprego, à educação, à residência ”, detalha. Reconhecendo que, em matéria de discriminação concreta, Portugal “não está entre os piores” países, FranciscoBethencourtnota, porém, a “ falta de empenho político ” para resolver os “vários casos gritantes” que vão surgindo, seja de espancamentos em esquadras ou de mortes às mãos de autoridades públicas.

Há casos gritantes que levam meses para os poderes, as autoridades responsáveis ​​pelos serviços, começamem a atuar e, mesmo assim, é muito encanar a perna à rã ”, denuncia.

“O Governo deve ter uma atitude de tolerância zero em relação ao racismo (…). É uma questão fundamental de direitos humanos ”, enquadra. Além disso, “ há cada vez mais estudos que mostram as consequências económicas do racismo ”, assinala.

Uma sociedade mais igual é uma sociedade que se for melhor, que tem uma prestação econômica melhor em geral, hoje em dia isso está mais do que provado ”, frisa.

Por Sofia Branco, da agência Lusa