A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, defendeu esta quinta-feira, em audição parlamentar, que as normas legislativas que regem a classificação de documentos devem ser revistas, em vez de serem criados novos diplomas.

“A solução do problema, isso também não tenho dúvida, é em vez de intervir nos casos concretos, voltar a ver, reexaminar, reavaliar, a forma como, durante décadas, este princípio da administração aberta foi sendo concretizado”, disse na sua audição no grupo de trabalho sobre Desclassificação de Documentos, que junta deputados das Comissões de Orçamento e Finanças e de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Em causa estão dois diplomas do PSD e do PAN, aprovados na generalidade, que preveem a divulgação pública de contratos do Estado em setores como transportes, comunicações, energia, água e banca, sendo a sua desclassificação competência do parlamento em maioria simples.

Esta quinta-feira Maria Lúcia Amaral referia-se ao princípio da administração aberta, que desde 1989 está no Direito português, exceto para casos de segurança interna e externa (segredo de Estado), investigação criminal (segredo de justiça) e intimidade das pessoas.

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Os atos do Estado, todos eles, e muito em particular aqueles que comprometem as finanças públicas e a vida dos portugueses durante muitos anos, obviamente que não são atos privados, sigilosos e mantidos em segredo, e nem podem ser”, referiu.

No entanto, sendo esse o princípio da administração aberta, a provedora falou do “problema“, que são “as leis que foram, em cada caso, determinando como é que se concilia este princípio com as exceções de segredo permitidas pela Constituição”, determinando “com rigor […] quem decide sobre o segredo, em que circunstâncias, através de que procedimentos e com que consequências”.

Maria Lúcia Amaral referiu que “a assembleia está profundamente insatisfeita com o resultado prático, e chamar-lhe resultado prático é pouco, com a praxis a que conduziu a existência de diferentes regimes”.

Assim, para responder à questão da criação de diferentes níveis de segredo “que não corresponderam e não correspondem ao desiderato constitucional, ou que podem não corresponder”, o parlamento não pode “por lei, desclassificar“, pois o ato de classificação é positivo e a assembleia “não pode praticar o ato negativo contrário”.

O ato, “com a consequência da divulgação de nomes de pessoas, com a consequência da penalização da desobediência, seria, para todos os efeitos, um ato administrativo individual e concreto”, e assim “controlado por tribunais”. Assim, seria necessária a “revisitação” de todo o edificado legislativo acerca do tema. Antes da intervenção de Maria Lúcia Amaral, o deputado do PS Pedro Delgado Alves disse que os diplomas “suscitam problemas ao nível da compatibilização de direitos fundamentais em presença”.

Pelo PSD, Hugo Carneiro defendeu que o texto do seu partido identificou “uma esfera de situações que não estão abrangidas por nenhum dos regimes que estão em vigor”. Já António Filipe (PCP) disse que “é legítimo procurar encontrar um regime jurídico” em que o parlamento não possa ser “esbulhado da possibilidade de ter acesso a contratos que envolvem dinheiro dos contribuintes”.

Na exposição de motivos do texto do PSD, pode ler-se que “este regime de desclassificação prevaleça sobre qualquer regime legal de sigilo bancário ou sigilo comercial, mas não obviamente sobre o segredo de Estado ou o segredo de justiça”. O PAN propõe “desclassificar estes documentos sujeitos a confidencialidade, de forma a garantir que qualquer cidadão lhes possa aceder e assegurar a sua publicação na internet”, segundo a exposição de motivos.