Timor-Leste está a viver os maiores desafios da pandemia, com número recorde de casos, e poderia ter aproveitado melhor a ‘janela’ do ano passado para reforçar os preparativos de resposta, disse um dos responsáveis timorenses.

“Tivemos uma janela de oportunidade entre junho e dezembro de 2020 para se melhorar, mas internamente houve transtornos, impasse político e demais. Isso faz parte do crescimento, mas os condicionalismos contribuíram para os desafios neste momento“, disse em entrevista à Lusa Rui Araújo, coordenador da equipa para a Prevenção e Mitigação da Covid-19 da Sala de Situação do Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC).

Pensa-se que podia ter sido feito mais particularmente na área dos preparativos de infraestruturas, equipamento e outras condições para poder responder à pandemia”, afirmou.

Rui Araújo falou à Lusa em jeito de balanço da situação atual, na véspera de se assinalar um ano desde que o país registou o primeiro caso da Covid-19, a 21 de março de 2020 e quando desde 7 de março regista novos máximos diários de casos ativos.

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O aumento de casos a partir de fevereiro, nomeadamente vindos da fronteira, e posteriormente o aparecimento e crescimento para 30 focos da doença em Díli, está a fazer esticar os recursos humanos e técnicos e a colocar grandes desafios ao país. Soma-se a isso, nota Rui Araújo, a realidade dos “constrangimentos inerentes não apenas à pandemia e si, mas à situação geográfica do país e o seu estado de desenvolvimento sócioeconómico”.

Todos os produtos essenciais para o combate à pandemia, de kits de testes a máscaras, equipamentos de proteção pessoal, consumíveis e outro equipamento, “são importados”, criando dificuldades dada o quase fecho do país. “Compreende-se esse condicionalismo, mas também poderíamos ter feito melhor”, admitiu.

Ex-ministro da Saúde – chegou a ser convidado para ocupar o cargo no atual Governo, o que recusou -, Rui Araújo retomou no início deste ano funções na Sala de Situação onde esteve no início da pandemia. Hoje é o rosto principal da comunicação do país sobre a pandemia com conferências de imprensa diárias em que atualiza dados e responde às dúvidas sobre vários aspetos da estratégia de combate aos focos da doença.

“Felizmente a maioria dos casos continua ser na capital do país e a transmissão para fora da capital está ainda mais ou menos oriunda da capital, mas tudo indica que a transmissão e a propagação dos focos identificados continua a ocorrer na capital”, afirmou. “Está a fazer-se tudo para poder conter a propagação na capital e não expandir os contágios”, disse.

Uma das preocupações tem a ver com o aumento de casos e as soluções para o confinamento terapêutico de casos positivos, uma das formas que o país tem usado para evitar contágios. Neste momento, explicou, o Governo tem uma capacidade para acomodar cerca de 400 pessoas com infeções assintomáticas ou ligeiras – não houve ainda casos moderados, graves ou óbitos -, mas já está a pensar no que fazer a seguir.

“Está-se nos preparativos para poder adotar os métodos seguidos noutras partes do mundo onde o isolamento profilático domiciliário e terapêutico domiciliar, quando se entra na fase de transmissão comunitária”, disse.

A médio prazo, disse, a vacinação é uma arma para a imunidade de grupo, mas até lá – as primeiras vacinas ainda não chegaram – o essencial continua a ser “detetar e isolar todos os casos, para não se alastrar a propagação” da doença no país.

Os casos aqui em Timor-Leste dispararam mais por causa das travessias clandestinas transfronteiriças. Se se conseguir isolar os casos, contê-los, barrar a propagação, temos que continuamente concentrar-nos no risco da transmissão transfronteiriça para evitar que, volta e meia haja novos da infeção”, sublinhou.

Rui Araújo comentou, igualmente, a ação de alguns que, em Timor-Leste, incluindo líderes nacionais, que continuam a não dar exemplo sobre as medidas a adotar, no que toca a uso de máscara, distanciamento social e, agora, o confinamento obrigatório.

“É uma falta de cidadania esse tipo de comportamento, no mínimo. Esta não é uma situação apenas de Timor-Leste, é algo que assola o mundo e que produziu mais de 2 milhões de mortos”, disse.

Difícil, explicou, tem sido igualmente obrigar a uma contenção de movimentos, num país onde não há esses hábitos, ainda que, sublinhe, pareça haver cada vez maior responsabilidade das pessoas. O confinamento e as regras sanitárias estão, porém, a “provocar efeitos sócioeconómicos bastante nítidos” pelo que vital é igualmente garantir respostas do Governo às carências da população e da economia.

Apesar do momento atual, Rui Araújo mostra-se confiante, destacando a resiliência e a forma como os casos estão a ser detetados, nomeadamente por relação entre focos da doença.

“São sinais encorajadores, porque as equipas de saúde estão bastante motivadas para fazer os rastreios dos contactos, fazer testes e isolar os casos positivos, um método clássico de epidemiologia e saúde pública”, disse. “A colaboração da população é muito importante, como as questões da falta de colaboração das pessoas sem reconhecerem contactos com este ou aquele, ou não estarem confortáveis em fazer o teste. Faz parte dos desafios operacionais no dia a dia. Mas creio que estamos numa posição em que podemos ser otimistas”, afirmou.

Araújo aproveitou ainda para deixar um “grande aplauso” para todos os que estão envolvidos no combate e que estão a trabalhar de forma intensa.

“Tiro o chapéu a todos que se dedicam a este combate, que se entregaram a esta grande causa de conseguir conter a propagação da doença na sociedade. Todos estão empenhados e trabalham dia e noite, muitos com aquele entusiasmo guerreiro de sempre”, disse. “Alguns sentem preocupação, claro, mas todos estão conscientes de que têm uma grande missão a cumprir, desde o primeiro-ministro, que é o comandante operacional, aos empregados de limpeza e aos motoristas”, disse.