O ministério das Finanças rejeitou este domingo, em comunicado enviado durante a madrugada, ter alterado – a propósito do Orçamento do Estado para 2020 – um dos artigos do Estatuto dos Benefícios Fiscais (relativo ao imposto de Selo) com o objetivo de favorecer a EDP no negócio da venda das barragens do Douro à Engie.

De acordo com as Finanças, “não há qualquer relação entre as alterações propostas ao artigo 60º do Estatuto dos Benefícios Fiscais pelo Governo na Lei do Orçamento do Estado 2020 – e aprovadas pela Assembleia da República – e qualquer operação em concreto, em particular a operação de venda de barragens da EDP”.

Um negócio milionário montado para escapar aos impostos? A venda das barragens da EDP em 9 questões

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Em causa está o polémico negócio da venda de barragens da EDP à Engie por 2,2 mil milhões de euros, um dos maiores em Portugal no setor.

A elétrica portuguesa, em vez de vender (neste caso, trespassar ou suboncessionar, porque se trata de bens abrangidos por uma concessão do Estado), fez uma cisão desse ativos — seis barragens no rio Douro — para uma nova empresa controlada pela própria EDP Produção, transmitindo os direitos de exploração das hidroelétricas.

Esta transação foi feita no quadro legal das reestruturações empresariais (que permite às empresa reorganizar os seus ativos e participações), ficando isenta do pagamento de impostos.

Meses depois realizou-se a transação propriamente dita, com a venda das ações da empresa criada inicialmente à empresa Águas Profundas, criada pela Engie logo em dezembro de 2019, após o anúncio de venda. Ou seja, o negócio só se conclui quando o novo Orçamento do Estado para 2020 – com as alterações ao artigo 60 do Estatuto dos Benefícios Fiscais – já tinha sido aprovado no parlamento.

Presidente da EDP diz que imposto de selo na venda de barragens é um “equívoco”, mas não explica como não pagou

O presidente da EDP assegura que a forma como foi conduzida a venda de seis barragens no rio Douro teve como pressuposto “garantir a operação das barragens sem sobressaltos, não o de fugir aos impostos”. Logo na sua intervenção inicial na comissão de Ambiente e Economia, Miguel Stilwell de Andrade defendeu esta terça-feira que o imposto do selo que tem sido reclamado — de 110 milhões de euros — é um “equívoco”, afastando a ideia de que a EDP tenha feito planeamento fiscal agressivo para beneficiar de “uma borla fiscal” como denunciaram já vários partidos da oposição.

Ouvido recentemente no parlamento – onde partidos como o Bloco de Esquerda e o PSD acusaram o Estado de permitir uma “borla fiscal” à EDP – o presidente da elétrica assegura que a forma como foi conduzida a venda de seis barragens no rio Douro teve como pressuposto “garantir a operação das barragens sem sobressaltos, não o de fugir aos impostos”. Miguel Stilwell de Andrade defendeu que o imposto do selo que tem sido reclamado — 5% do valor da venda, ou 110 milhões de euros — é um “equívoco”, afastando a ideia de que a EDP tenha feito planeamento fiscal agressivo para beneficiar de “uma borla fiscal” como denunciaram já vários partidos da oposição.

Mas Miguel Stilwell fez mais: invocou um precedente da elétrica espanhola Iberdrola, que em 2019 pediu e obteve da Autoridade Tributária um parecer sobre o pagamento ou não de imposto de selo numa operação semelhante à   que a EDP faria mais tarde. O Fisco disse na altura que a Iberdrola não tinha imposto a pagar pela operação. Mas a elétrica espanhola não transferiu a concessão para fora do grupo, como fez a EDP.

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É também neste ponto que as Finanças insistem agora.

“O artigo 60º do EBF [alterado pelo OE2020] nunca contemplou – e continua a não contemplar depois da alteração promovida na LOE 2020 – qualquer isenção de imposto de selo relativo a trespasses de concessões, os quais têm uma verba própria (verba 27.2 da Tabela Geral de Imposto de Selo) e que se aplica sempre que está em causa a transferência onerosa através de trespasse de concessões outorgadas pelo Estado”, indica a equipa de João Leão.

A clarificação deveu-se, segundo as Finanças, ao facto de estar a ser cobrado de “forma injusta” imposto de selo em operações de reestruturação empresarial (devido à transmissão dos direitos de arrendamento urbano não habitacional).

“A alteração legislativa introduzida no OE 2020 visou apenas e só corrigir esta situação, passando a isentar daquela verba de imposto, apenas e só nos casos relatados integrados em reestruturações empresariais ou acordos de cooperação – não tendo por isso nenhuma correlação com operações relacionadas com a transferência onerosa através de trespasse de concessões outorgadas pelo Estado”, que é o que as Finanças dizem que aconteceu com o negócio da EDP. E, como já foi dito pelas Finanças, “era, é e continua a ser sujeita a tributação [com Imposto de Selo] e que não encontra qualquer isenção no artigo 60º do EBF”.

Ou seja, para o Governo “é inequívoco que não pode ser reivindicada qualquer isenção de Imposto de Selo devido por uma subconcessão ou por um trespasse de concessão no âmbito do artigo 60º do EBF, seja em redações anteriores, seja na redação atual”.

Por outro lado, mesmo as isenções concedidas ao abrigo deste artigo, desde LOE 2019, “são desconsideradas sempre que se conclua que as operações abrangidas tiveram como principal objetivo, ou um dos principais objetivos, obter uma vantagem fiscal”. E neste casos a empresa terá de proceder a uma liquidação adicional de imposto agravado em 15%.