O PSD anuncia uma proposta de alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais que visa repor a versão que estava em vigor até ao início de 2020, anulando a clarificação introduzida pelo Governo no Orçamento do Estado do ano passado. A mudança na redação do artigo 60 que enquadra as isenções fiscais no quadro de reestruturações de empresas tem alimentado suspeitas de que terá sido introduzida para sustentar a pretensão da EDP de isenção de imposto do Selo na venda de seis barragens no rio Douro.

O Ministério das Finanças já fez vários esclarecimentos em comunicado onde afasta qualquer ligação entre esta alteração fiscal e a venda de barragens, garantindo que o objetivo era apenas clarificar que os imóveis arrendados envolvidos em operações de reestruturação empresariais ficariam igualmente isentos de imposto do selo. O último foi feito no domingo, na sequência de uma notícia do Correio da Manhã, segundo a qual o negócio estará a ser investigado há vários meses pelo DCIAP (Departamento Central de Investigação e ação Penal), com foco nas alterações à lei fiscal introduzidas pelo Governo em 2020.

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A ligação entre esta alteração e as implicações fiscais do negócio de 2,2 mil milhões de euros foi lançada há várias semanas pelo Bloco de Esquerda, partido que, em paralelo com o PSD, tem levantado dúvidas sobre a montagem desta operação e eventuais objetivos de fugir ao pagamento de impostos e de favorecimento por parte do Governo à EDP. É para esclarecer essa suspeita e fundamentar a alteração ao Estatuto dos Benefícios Fiscais que vão ser ouvidos esta terça-feira na comissão parlamentar de Ambiente os ministros das Finanças, João Leão (que falará pela primeira vez no tema), e do Ambiente, Matos Fernandes.

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Os dois ministros foram chamados pelo Bloco de Esquerda, partido que, sabe o Observador, também está a preparar um pacote de alterações legislativas, na sequência deste caso, mas é provável que a apresentação e votação de propostas de natureza fiscal seja feita no quadro do próximo Orçamento do Estado.

O PSD avança já com uma proposta de alteração cirúrgica pela qual a alínea b do ponto 1 do Artigo 60 passa a ter seguinte redação:

“Isenção de imposto do selo, relativamente à transmissão dos imóveis referidos na alínea anterior, ou à constituição, aumento de capital ou do ativo de uma sociedade de capitais necessários às operações de reestruturação ou aos acordos de cooperação”.

Para substituir a atual versão:

“Isenção do imposto do selo, relativamente à transmissão dos imóveis referidos na alínea anterior ou de estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, necessários às operações de reestruturação ou aos acordos de cooperação”.

É na expressão a bold que se centram as suspeitas. Por um lado, o quadro legal do Imposto de Selo prevê o pagamento em caso de trespasse de uma concessão. Por outro lado, a forma como foi feito este negócio e a invocação dos benefícios fiscais aplicáveis a uma reestruturação empresarial, pode ajudar a fundamentar a pretensão de isenção fiscal. Isto porque a EDP não realizou um trespasse das barragens, mas transferiu-as para uma nova empresa (estabelecimento industrial) que depois vendeu a uma entidade terceira, a Engie.

O presidente da EDP foi ouvido na semana passada no Parlamento, mas Miguel Stilwell não clarificou qual ou quais os artigos que sustentam a isenção de Imposto do Selo. Nem respondeu se a empresa tenciona recorrer ao artigo 60 do Código dos Benefícios Fiscais que foi alterado em 2020, para fundamentar a isenção no quadro de uma reestruturação empresarial.

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O gestor fundamentou e legalidade, e até normalidade, da operação com diretivas comunitárias e com indicação que existia um entendimento por parte da Autoridade Tributária sobre este tipo de transação que ia de encontro à opção que a EDP fez para materializar esta operação.

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