As associações de fibrose quística pediram esta terça-feira à Assembleia da República uma maior agilização do processo de aprovação de novos medicamentos inovadores para o tratamento da doença, como é o caso do Kaftrio.

Em audição parlamentar, os representantes dos doentes que sofrem desta patologia degenerativa coincidiram nas críticas à morosidade das negociações para regulamentação de preço e apelaram aos deputados da Comissão de Saúde para intercederem por uma maior rapidez do processo.

O medicamento, frisou o presidente da Associação Portuguesa de Fibrose Quística (APFQ), “é único na sua linha terapêutica” e está devidamente aprovado pelas agências reguladoras dos medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e da União Europeia (EMA), mas “em Portugal é necessário que o Infarmed faça uma avaliação terapêutica e económica“.

O que defendemos é que a avaliação terapêutica já está feita pela FDA e pela EMA. Nestes casos, deve-se concentrar toda a energia na negociação fármaco económica. Teremos ganhos enormes. Os ingleses e os alemães fizeram isso e temos de aprender com o que se faz bem nos outros lados”, apontou Herculano Rocha.

O presidente da associação explicou que quando o Kaftrio foi aprovado pela EMA, em agosto de 2020, já o Reino Unido estava a negociar o seu preço “desde janeiro”, fechando as negociações “em junho”, pelo que puderam começar a utilizá-lo “no dia seguinte” à sua aprovação.

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Herculano Rocha frisou que “o Infarmed tem de ser muito mais eficaz” na gestão do processo e sugeriu ainda que este tipo de negociação de preço com as farmacêuticas seja feito a nível europeu.

Em Portugal, para 120 doentes, a nossa capacidade de negociação é baixa, [por isso] o preço vai ser maior do que no Reino Unido e na Alemanha. O correto era que fosse discutido a nível europeu, numa escala maior, beneficiando todos os países, sobretudo os mais pequenos”, sustentou.

Já o presidente da Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ) sublinhou que o medicamento Kaftrio “é uma mudança de paradigma” por tratar “a causa da doença” e não os sintomas, travando, por isso, a sua progressão, pelo que “deve ser aplicado o mais rapidamente possível”.

Paulo Sousa Martins lembrou que a fibrose quística é uma doença que se agrava “a partir da adolescência” e apelou para que todos os pacientes possam tomar o medicamento “imediatamente a partir dos 12 anos, para que a doença não progrida”.

O apelo serviu de mote para Herculano Rocha voltar a criticar a morosidade do processo da aprovação, depois de explicar que a idade de referência de 12 anos está relacionada com o facto de ainda não haver estudos aprovados para sustentar a sua administração em doentes mais jovens.

Já existe um pedido para que possa ser administrado a maiores de seis anos. A FDA comprometeu-se a aprovar até junho, a EMA vai aprovar logo de seguida, e depois vamos ter o Infarmed mais um ano ou dois a fazer uma nova avaliação fármaco-terapêutica quando esta já foi feita” criticou o presidente da APFQ.

As duas associações foram ouvidas em audição parlamentar da Comissão de Saúde sobre os “procedimentos de autorização de administração de novos fármacos para tratamento da fibrose quística” solicitado pelo PSD. A fibrose quística é uma doença degenerativa e hereditária grave, cujo principal efeito é a perda de capacidade respiratória dos doentes.

Hospitais “de consciência tranquila” quanto à aprovação de tratamentos da fibrose quística

O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN) está “de consciência tranquila” relativamente aos pedidos de Autorização de Utilização Especial (AUE) do medicamento para tratamento da fibrose quística, garantiram esta terça-feira dois representantes do Conselho de Administração.

A afirmação do presidente, Joaquim Ferro, e do diretor clínico, Luís Pinheiro, foi feita em sede de Comissão Parlamentar da Saúde sobre os “procedimentos de autorização de administração de novos fármacos para tratamento da fibrose quística”.

Os deputados quiseram saber, entre outras questões, se os médicos são impedidos pelo Conselho de Administração de prescrever o novo medicamento inovador Kaftrio por razões orçamentais e se isso interfere nos critérios de elegibilidade dos doentes para receber a terapêutica, algo que foi perentoriamente negado por ambos os inquiridos.

“O critério que utilizamos como hospital de referência nesta e noutras áreas para a utilização desta e de outras terapêuticas é o critério clínico, de evidência de segurança e de eficácia dos medicamentos. Os médicos têm liberdade para identificar doentes que beneficiam destas e de outras terapêuticas e nem de outra forma poderia ser”, garantiu Luís Pinheiro.

Estamos de consciência tranquila relativamente ao financiamento de terapêuticas inovadoras, mesmo sabendo que o seu custo é muito elevado. Sabemos da importância destas terapêuticas na qualidade e no prolongamento da vida dos nossos doentes, mas é evidente que há mecanismos reguladores com os quais temos de compatibilizar a nossa ação”, frisou Joaquim Nobre Ferro.

Durante a audição, o diretor clínico chamou a si a maioria das intervenções, lembrou que o tratamento em questão custa “dois milhões de euros por indivíduo” e ainda que o CHULN tem “cerca de seis doentes a serem tratados neste contexto” para demonstrar que a política da instituição “é centrada no benefício clínico e não nas vertentes financeiras ou orçamentais”.

“O nosso Centro Hospitalar e eu próprio, enquanto diretor clínico, está de consciência completamente tranquila sobre aquilo que é a utilização [do Kaftrio] independentemente do seu custo”, prosseguiu o diretor clínico do Centro que engloba o Hospital de Santa Maria e o Hospital Pulido Valente.

Em causa estava o momento em que foi feito o pedido de AUE para uma jovem que publicou nas redes sociais um vídeo que se tornou viral e que levou o Infarmed a esclarecer que ainda não tinha recebido do CHULN qualquer pedido de utilização especial para essa doente.

Luís Pinheiro referiu, quanto a essa questão, que por serem processos excecionais “devem ser avaliados caso a caso” e admitiu ser verdade que o Infarmed “ainda não tinha recebido nenhum pedido de utilização especial”, mas sublinhou que o CHULN e os restantes cinco centros hospitalares do país já tinham identificado “pelo menos mais 19 doentes elegíveis” além dos 10 que integraram a primeira fase do Programa de Acesso Precoce (PAP).

Por outro lado, sublinhou que o facto de a política do CHULN ser centrada no benefício clínico não quer dizer que não existam preocupações nas vertentes financeiras e orçamentais.

“Somos cidadãos e todos devemos pensar no bem comum, que significa gerir da melhor forma o orçamento que os senhores deputados disponibilizam a todos nós através do Orçamento do Estado, para que chegue a todos os que precisam”, justificou.

Porque, acrescentou, uma coisa é utilizar um medicamento em contexto de AUE, em que “não há preço regulado” e o custo é “aquele que a farmacêutica entende cobrar”, outra é utilizá-lo fora desse contexto, “depois de o processo regulamentar estar terminado” e de a negociação ter feito o preço baixar para “metade, um terço ou um quarto”.

Isso é relevante para a sociedade, nomeadamente em patologias como esta que, apesar de rara, tem um conjunto relativamente alargado de doentes. Mas não é isso que nos impede [de prescrever o tratamento]”, concluiu.

A mesma ideia já tinha sido defendida por Joaquim Ferro, que sublinhou que o CHULN “tem vindo a suportar o custo destas terapêuticas inovadoras de forma crescente”.

“Em 2020 duplicámos a despesa com tratamentos inovadores e temos previsto este ano, provavelmente, uma nova duplicação dessa despesa. [Digo] isto para provar que não existe qualquer restrição a não ser a observância da necessidade clínica dessas terapêuticas”, afirmou.

Joaquim Ferro e Luís Pinheiro foram ouvidos em audição da Comissão de Saúde, a pedido do PSD, pelos deputados Cláudia Bento (PSD), Hortense Martins (PS), José Manuel Pureza (BE), João Dias (PCP), Ana Rita Bessa (CDS-PP) e Bebiana Cunha (PAN). A fibrose quística é uma doença degenerativa e hereditária grave, cujo principal efeito é a perda de capacidade respiratória dos doentes.

Em Portugal existem cerca de 375 casos identificados de fibrose quística. Desses, 120 terão características para receber o novo medicamento, 30 dos quais são acompanhados no CHULN, segundo o diretor clínico.