André Ventura anunciou que vai usar um direito do regimento da Assembleia da República – possibilidade de marcar a ordem do dia no Parlamento – para que seja discutido o tema da castração química para violadores. “O Chega vai solicitar à conferência de líderes que marque uma ordem do dia única e exclusivamente sobre a castração química de violadores em Portugal”, revelou o líder do partido, ao explicar que esse direito nunca foi usado até aqui e que “é já a quarta, quinta ou sexta vez que o projeto do Chega nem sequer chega a subir a plenário”.

A ordem do dia a que André Ventura se refere é um direito que os grupos parlamentares e os deputados únicos têm de poder escolher o tema a debater num plenário da Assembleia da República. De acordo com o regimento da AR, o deputado único tem o direito a “ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso para o Plenário da ordem do dia fixada”. Neste caso, sendo Ventura deputado único do Chega tem direito a fazê-lo duas vezes por legislatura.

O deputado único considera “lamentável para as instituições e para a democracia” todo o processo e garante que o Chega evitou “confronto” com as instituições e que fez por cumprir regras. Apesar do impedimento por parte da comissão de ética, Ventura assegurou que não pretende “melindrar o funcionamento do Parlamento”, porém disse que tem havido uma “reiterada ofensiva contra o Chega”, o que leva ao pedido da ordem do dia.

“É um direito que temos, penso que não nos poderá ser negado, só com malabarismo jurídico gigante é que Ferro Rodrigues poderá negar o Chega de ter o seu dia de discussão sobre castração química de pedófilos e violadores no Parlamento”, apontou o líder do partido. Caso esta possibilidade seja negada, Ventura promete recorrer ao Tribunal Constitucional.

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Esta manhã, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias votou favoravelmente dois pareceres que apontam a inconstitucionalidade “insanável” dos projetos do Chega sobre a Lei da Nacionalidade e a castração química. A primeira, intitulada pelo partido como Lei Mamadou, pretende retirar a nacionalidade a cidadãos naturalizados que cometam crimes graves ou “ofendam a história e os símbolos” e a segunda prevê o agravamento das penas para abusadores sexuais de menores e a castração química para reincidentes do crime de violação.

Após o chumbo na comissão, o processo segue agora para o Presidente da Assembleia da República, que foi o responsável por pedir os pareceres. Aliás, ainda antes do pedido, Ferro Rodrigues recusou a discussão em plenário do projeto de lei quando esta já estava aprovada. As dúvidas sobre a constitucionalidade estenderam-se à Lei da Nacionalidade, o que levou o presidente da AR a seguir os mesmos passos. Com esta decisão, Ferro Rodrigues tem nas mãos a subida dos projetos de lei a plenário e, com as dúvidas que apresentou e com a resposta, tem argumentos para impedir que esta discussão chegue a plenário.

Joacine Katar Moreira e Constança Urbano de Sousa foram as relatoras dos pareceres sobre castastração química e Lei da Nacionalidade, respetivamente. No primeiro, pode ler-se que “as inconstitucionalidades identificadas são insanáveis no decurso de um eventual procedimento legislativo” e que, por essa mesma razão, a proposta em causa “não reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em plenário”. A deputada refere-se a uma “pena cruel, degradante e desumana”, tendo em conta que a castração química “não só não constitui uma sanção proporcional ou necessária para a concretização dos fins do Direito Penal, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial, mas é também manifestamente lesiva da dignidade da pessoa humana“.

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“Dificilmente poderá considerar-se que existem dados empíricos satisfatórios para alicerçar a crença de que ‘este é um passo decisivo na luta contra a criminalidade sexual em geral’, ou para argumentar a favor da essencialidade ou eficácia da proposta”, revela o parecer, ao acrescentar que se adere a “uma ideia de retribuição ou vingança como objetivos últimos do Direito Penal”.

Fonte de Joacine Katar Moreira referiu ainda ao Observador que “consagrar a aplicação coercisa da pena acessória castração química no ordenamento jurídico português é absolutamente inadmissível, inconstitucional e não há nada que possa acontecer no decurso do processo legislativo que leve à forma de as inconstitucionalidades serem sanadas”.

Já o documento sobre a Lei da Nacionalidade foi aprovado por maioria, com os votos do PS, PSD, PCP e Bloco de Esquerda, com Chega e CDS a votar contra. A deputada relatora Constança Urbano de Sousa refere, no parecer, que “o direito à nacionalidade e o direito a não ser dela arbitrariamente privado é, hoje,  concebido como um direito humano” e diz ser “flagrantemente inconstitucional ‘sancionar’ o interessado com a oposição à aquisição  da nacionalidade portuguesa por condutas ou pensamentos exteriorizados tidos como  ‘antipatrióticos’ (embora não condenados criminalmente)”.

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Também a liberdade de expressão é utilizada para descredibilizar a proposta em causa, já que “a iniciativa legislativa em questão permite condicionar o direito à nacionalidade portuguesa (um direito fundamental) à  inexistência de um ‘delito de opinião’, com o que é evidente a violação flagrante do  artigo 37.º da Constituição, pois não pode deixar de ser entendida como forma de  limitação da liberdade de expressão ou de pensamento (sancionando-a ou censurando-a com a privação do acesso à nacionalidade portuguesa)”.

A proposta, diz ainda o parecer, “visa precisamente restringir o direito fundamental dos portugueses à cidadania portuguesa”, e é “apenas restrita aos que tenham outra nacionalidade e tenham adquirido a  nacionalidade portuguesa por naturalização”, o que desde logo “consubstancia uma lei restritiva”. Além disso, “o estatuto de cidadania dos portugueses naturalizados, que por residirem ou mesmo terem nascido em Portugal adquiriram a nacionalidade portuguesa no exercício de um verdadeiro direito subjetivo,  seria muito mais precário do que o estatuto jurídico de muitos filhos e netos de  emigrantes que nasceram e sempre viveram nos países da sua outra nacionalidade (e, porventura, nunca sequer visitaram Portugal)”.