O presidente do Tribunal de Contas disse, esta quarta-feira no Parlamento, que o organismo está “muito atento” e “fará tudo o que estiver ao seu alcance” para que haja uma “efetiva responsabilização” das situações de fraude no acesso aos apoios públicos criados no âmbito da pandemia.

Numa audição parlamentar a pedido do PSD, sobre o relatório do Tribunal de Contas da implementação do layoff simplificado, a questão da fraude foi um dos temas apontados pelos deputados. A juíza conselheira relatora do documento, Ana Leal Furtado, respondeu que um dos objetivos de uma nova auditoria em curso não é fiscalizar as situações de fraude, mas analisar “os sistemas de controlo instituídos e identificar as áreas de risco para prevenir e alertar” o Governo.

Segundo o relatório, as ações de fiscalização pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) apenas incidiram sobre cerca de 4% dos trabalhadores com pedidos de layoff simplificado validados até julho de 2020. Mas, diz a juíza conselheira, a ACT identificou, no ano passado, “um universo de 2% de fraude”. “Esse universo compara com o universo do Reino Unido, que aponta para um universo de fraude entre os 5% e os 10%”, enquanto que em Espanha “andou na casa dos 5%”. “Já quase nos comparamos com a identificação de fraude noutros países“, concluiu.

O presidente do Tribunal de Contas, José Tavares, deixou claro que o organismo que lidera está atento às situações de fraude. “O Tribunal também está muito atento e fará tudo o que estiver ao seu alcance para que as situações em que houve obtenção fraudulenta de apoios sejam levadas por diante no sentido da efetiva responsabilização”, frisou.

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Segundo José Tavares, o Tribunal tem consciência dos “riscos acrescidos que as situações de crise provocam”. Que riscos? “Podem ser riscos de fraude, criação de situações para obtenção de apoios a que não se tem direito, o risco de não se atingir quem precisa, o risco de se atingir quem não precisa e o risco de desvio de apoios para fins ilegítimos. E o Tribunal está atento para estes riscos”.

A audição foi pedida pelo PSD depois de o Tribunal de Contas ter divulgado um relatório intercalar de acompanhamento do layoff simplificado. Entre as conclusões do relatório estão, entre outros, o facto de Portugal ter exigido uma maior perda de receita do que outros países europeus, de o critério de 40% da quebra de faturação média para dois meses poder ter resultado em tratamentos desiguais em relação aos setores mais sazonais, ou a existência de atrasos na validação dos pedidos. Segundo os social-democratas, o relatório revela ter havido “falhas graves” na implementação do apoio.

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Discrepância entre valores orçamentados e executados é “natural” dada a “incerteza”

Uma das críticas feitas pela deputada do PSD, Carla Barros, foi a diferença entre a “execução física” e a “execução financeira” das medidas de apoio. “Não adianta aprovar os apoios se não traduzirmos isso numa execução financeira desse apoio e o dinheiro não chegar a quem precisa”, sublinhou a deputada.

A juíza conselheira responsável pelo relatório, Ana Leal Furtado, respondeu que o Tribunal de Contas tem feito recomendações, no âmbito da Conta Geral do Estado, para que seja feita uma “orçamentação por programas que exige conhecer os dados físicos e que irão permitir, no futuro, orçamentar melhor”. O caso do layoff, e da discrepância de valores, “evidencia bem a necessidade de operacionalização dessa metodologia para a orçamentação se adequar à execução, que foi o que não aconteceu porque não existe toda uma metodologia prévia mais próxima da realidade”.

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Ana Leal Furtado considera que a discrepância entre os valores orçamentados e os executados é uma situação “natural” dadas “as incertezas” que os governantes enfrentaram no início da pandemia.  “É natural que, no início, dadas as incertezas que os governantes tiveram pela frente, os dados que possuíam não permitiram orçamentar tendo em conta o período temporal da forma mais rigorosa possível. Não nos pronunciamos sobre essas questões da orçamentação. Em todas as previsões em matéria de Orçamento do Estado são bastantes as incertezas“.

Os representantes do Tribunal de Contas voltaram a insistir na necessidade de a Segurança Social partilhar mais informação sobre o layoff simplificado, uma das críticas feitas também pelos deputados do Bloco de Esquerda e do PCP. “É necessário um reporte detalhado desta medida em particular, a execução física e financeira, por setores de atividades, tipologias de empresas, universo abrangido. Porque uma das principais questões da auditoria a decorrer é se os apoios chegaram aos universo planeado”, apontou a juíza conselheira.

Segundo a responsável, no universo de 4 milhões de trabalhadores dependentes em Portugal, há uma cobertura de apoios de 20%, quando no Reino Unido é de 30%. Na auditoria que o Tribunal de Contas se encontra a fazer, um dos objetivos é “apreciar porque são 20%”. “Porque não houve mais pedidos? Houve burocracia a mais? Houve atrasos? É isso que estamos a averiguar”, referiu, acrescentando que o organismo não tenciona fiscalizar as situações de fraude mas “analisar os sistemas de controlo instituídos”.

O “principal risco identificado” foi, precisamente, a “fiabilidade da informação de reporte que se demonstrou uma limitação ao acompanhamento e avaliação da execução e dos seus impactos”. “De facto, a informação disponível não permitiu validar os pagamentos, os respetivos critérios de elegibilidade nem o número de entidades empregadoras a quem foi recusado apoio e o respeito motivo da recusa”, disse. Da mesma forma, “não se conhece informação detalhada” sobre os motivos de adesão das empresas, o número de prorrogações, os prazos médios de deferimento e as datas de pagamento.