O Papa Francisco decidiu reduzir em 10% os salários dos cardeais do Vaticano para assegurar a sustentabilidade financeira da Cúria Romana num ano em que as contas da Santa Sé foram fustigadas pelo impacto económico da pandemia da Covid-19, de acordo com um documento legislativo eclesiástico publicado nesta quarta-feira.

A decisão foi publicada através de uma carta apostólica em forma de motu proprio — um mecanismo legislativo da Santa Sé que serve para formalizar decisões pessoais do próprio papa em assuntos administrativos, que não passam por outras instâncias da liderança global da Igreja Católica.

No documento, lê-se que “um futuro economicamente sustentável requer hoje, entre outras decisões, também a adoção de medidas respeitantes à retribuição do pessoal”. A medida, continua o Papa Francisco, tem em conta “o défice que há vários anos caracteriza a gestão económica da Santa Sé“, mas também “o agravamento dessa situação na sequência da emergência sanitária da difusão da Covid-19”.

A pandemia, diz o Papa, “afetou negativamente todas as fontes de receita da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano“.

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As remunerações de quem trabalha nos organismos que coordenam a operação global da Igreja Católica (que tem cerca de 1,3 mil milhões de fiéis em todo o mundo) são “um item de despesa significativo no orçamento da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano”, afirma o pontífice, sublinhando que é necessário “salvaguardar os empregos atuais“.

A medida mais dura abrange os cardeais cujo salário tem origem na Santa Sé, ou seja, os cardeais que lideram os vários dicastérios (os “ministérios” do governo eclesiástico) ou que trabalham em diferentes organismos da cúpula da Igreja Católica. “A partir de 1 de abril de 2021 a retribuição, independentemente do valor, paga pela Santa Sé aos cardeais é reduzida em 10% em relação à última remuneração paga”, determina o primeiro artigo da nova legislação.

Esta medida abrange três dos cinco cardeais portugueses.

No Vaticano, encontram-se os dois cardeais portugueses reformados — José Saraiva Martins (prefeito emérito da Congregação para as Causas dos Santos) e Manuel Monteiro de Castro (penitenciário-mor emérito da Santa Sé) — e um em funções, José Tolentino Mendonça, com a função de arquivista e bibliotecário da Santa Igreja.

Os outros dois cardeais portugueses (António Marto, bispo de Leiria-Fátima, e Manuel Clemente, patriarca de Lisboa) são bispos diocesanos, pelo que recebem as suas remunerações nas respetivas dioceses.

De acordo com o jornal especializado Crux, as remunerações pagas pela Santa Sé aos cardeais da Cúria Romana oscilam entre os 4 mil e os 5 mil euros mensais, o que significa que os cortes se situarão entre os 400 e os 500 euros.

A nova legislação pontifícia abrange ainda outros cortes salariais para todos os outros elementos de topo da Cúria Romana e do governo do Estado da Cidade do Vaticano, leigos ou membros do clero, em 8%. Já os ocupantes de cargos intermédios na hierarquia, se forem membros do clero, recebem um corte de 3%.

Há, contudo, uma exceção: a redução “não se aplica se a pessoa em questão documentar que é impossível fazer face a despesas relacionadas com o estado de saúde, do próprio ou de um parente até ao segundo grau“. O interessado deve fazer prova destas condições anualmente.

Ao mesmo tempo, o Papa Francisco determinou suspender até março de 2023 o mecanismo de subida automática dos salários a cada dois anos para os responsáveis de topo da Santa Sé e do Estado do Vaticano.

A pandemia da Covid-19 teve um duro impacto nas finanças do Vaticano logo desde os primeiros meses de 2020. Em abril do ano passado, a Santa Sé anunciou que a campanha do Óbolo de São Pedro — um peditório global para as atividades pontifícias que é uma das principais fontes de receita do Vaticano, rendendo habitualmente cerca de 50 milhões de euros aos cofres da Santa Sé — teve de ser adiado em vários meses devido às restrições da pandemia. Já os Museus do Vaticano, que todos os anos geram mais de 80 milhões de euros em receitas, estiveram fechados durante largos meses. Caíram também a pique as receitas oriundas das esmolas e das rendas pagas por centenas de comerciantes italianos que operam os seus negócios em propriedades do Vaticano.

As contas chegaram no início deste ano: um défice de 50 milhões de euros que obrigou o Vaticano a recorrer, pelo segundo ano consecutivo, a cerca de 40 milhões de euros das suas reservas financeiras para fazer face a despesas correntes.