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"Sky Rojo". Uma "Casa de Papel" em napa vermelha?

Este artigo tem mais de 3 anos

Mais uma vez, a ação no presente e flashbacks do passado. Mais uma vez, crime com uma tentativa de reflexão social. E mais uma vez, eficácia televisiva, mesmo que não fique na história.

"Sky Rojo" é espalhafatosa, violenta, cómica, direta ao assunto, mas, debaixo dos néons e da napa vermelha, mete o dedo na ferida da realidade
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"Sky Rojo" é espalhafatosa, violenta, cómica, direta ao assunto, mas, debaixo dos néons e da napa vermelha, mete o dedo na ferida da realidade

"Sky Rojo" é espalhafatosa, violenta, cómica, direta ao assunto, mas, debaixo dos néons e da napa vermelha, mete o dedo na ferida da realidade

“Espanha é primeiro país da Europa em consumo de prostituição. O terceiro a nível mundial”, informa-nos, com aptidão jornalística, Romeo – eloquente nome para um proxeneta – num dos discursos que profere, nem sempre entendemos exatamente para quem nem em que circunstância do dia-a-dia de um prostíbulo. “Não ganhamos em siderurgia. Não ganhamos em mineração. Ganhamos em putas!”

Aqui tem tudo o que precisa de saber sobre a nova produção de Álex Pina e Esther Martínez Lobato: é espalhafatosa, violenta, cómica, direta ao assunto, mas, debaixo dos néons e da napa vermelha, mete o dedo na ferida da realidade. Se “La Casa de Papel” era uma “heist story” em que, debaixo da golpada, estava sempre uma crítica às injustiças do capitalismo, “Sky Rojo”, na Netflix, é uma história de perseguição e fuga em que, atrás de saltos, decotes, armas, drogas e linguagem para maiores de 18, está um manifesto contra o lado B do mundo onde homens de família alimentam um negócio de tráfico humano, prostituição e violência, para o qual parece não haver escapatória possível.

Estamos numa Tenerife transformada em deserto americano. Num mundo em que ninguém tem sobrenome, Romeo quer fazer do “Las Novias” (“As Namoradas”) a melhor casa da especialidade da Europa. Que especialidade? Romeo dá-lhe muitos nomes: do mais literário – lupanar – a um porventura mais adaptado à sociedade de consumo – puticlub. A personagem, interpretada pelo excelente Asier Etxeandia, que conhecemos do “Dor e Glória” de Almodóvar, dirige uma rede de tráfico humano que traz raparigas de toda a parte do mundo para realizarem as fantasias dos 40% dos homens espanhóis que recorrem aos serviços de profissionais do sexo. Fica-lhes com o passaporte, paga-lhes a “formação”, a roupa, os preservativos – tudo o mais que aponta num caderno de contabilidade com rigor de merceeiro e que garante uma dívida que as mulheres nunca poderão saldar. Em dois anos de “contrato”, investe seis mil euros em cada, com um retorno de 300 mil. Negócio mais rentável, dizem, só o da heroína. E é proibido dizer “não”.

Ora, pela primeira vez em 15 meses de clube, as portas do “Las Novias” fecham por um dia. Romeo está de luto porque lhe faleceu a mulher e é, precisamente, neste dia, que Coral (a espanhola Verónica Sánchez), Wendy (a estrela pop argentina Lali Espósito) e Gina (a cubana Yany Prado) vão tentar fugir do seu mundo de “sky rojo” – sofás de napa vermelha.

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As semelhanças com “La Casa de Papel” são evidentes – mas porquê mudar uma fórmula que funciona? Mais uma vez, temos uma narradora que nos leva para dentro da história e vai partilhando connosco as perplexidades e crueldades do mundo marginal para onde arrastou o pacato cidadão espectador. A nossa “Tokyo”, desta feita, é Coral, de aspeto aparentemente mais “girl next door” do que as demais e que nos diz, logo nas palavras de abertura: “Sou a puta preferida do meu proxeneta. Antes, era dona de casa. E antes disso, bióloga. É difícil explicar como cheguei aqui.”

Mais uma vez, viajamos com agilidade entre a ação do presente e flashbacks que explicam o passado das personagens e as relações que já existem ou não entre elas. Mais uma vez, as personagens param em situações inexplicáveis para se dedicarem a longos desabafos pessoais. Mas, mais uma vez, tudo isto funciona, entretém e deixa a milhas o passado ainda bem recente da produção televisiva latina.

Álex Pina é um navarro de 53 anos cujo trabalho nos tem chegado há mais tempo do que, provavelmente, supomos. Nos anos 90, quando ainda era um jovem criativo da Globomedia, criou as séries “Jornalistas” e “Os Serranos”, que viriam a ser compradas e adaptadas a versões portuguesas respetivamente pela SIC, em 1999, e TVI, em 2005. Quem diria, então, que se tornaria no autor mais cool da Península? Foram os quatro milhões de telespectadores de “La Casa de Papel”, na Antena 3, que, em 2017, lhe mudaram a vida. À primeira produção, a sua recém-fundada Vancouver Media assinava um contrato de exclusividade com a Netflix que tem dado para tudo desde então: quatro temporadas de sucesso mundial a caminho da quinta e derradeira instalação, um flop cancelado após a primeira temporada (“White Lines”), limpezas de gaveta (“Vis a Vis”, criada originalmente em 2015 e que até tinha sido cancelada pela Antena 3 após duas temporadas) e agora mais um franco candidato a fenómeno de popularidade do mês.

Porquê mudar uma fórmula que funciona? Mais uma vez, temos uma narradora que nos leva para dentro da história e vai partilhando connosco as perplexidades e crueldades do mundo marginal para onde arrastou o pacato cidadão espectador

Tal como “La Casa de Papel” ou talvez até de forma ainda mais hábil, onde “Sky Rojo” é melhor é no modo como consegue tratar temas cruéis entretendo. Num estilo bem tarantinesco, sobretudo o de “Death Proof” (felizmente, apenas como inspiração; não cópia), “Sky Rojo” é, simultaneamente, duro e muito leve; põe-nos a mão na consciência enquanto faz rir. Não é fácil, aliás, é até difícil explicar como é possível. E, embora dê por vezes às suas personagens palavras e pontos de vista dificilmente verosímeis, aceitamo-las pela qualidade que têm: “A internet matou a imaginação. E uma sociedade sem imaginação é uma sociedade morta”, diz Romeo a dado passo, mais ou menos assim. “É por isso que eu tenho de imaginar pelos clientes.”

Na estreia, foi a quarta série mais vista da Netflix em todo o mundo e a mais vista de língua não inglesa. Está já em preparação uma segunda temporada óbvia que a primeira, na ligeireza dos seus oito episódios de 25 minutos, anuncia desde o início. Mas não se pode dizer que fique uma enorme expectativa para o que aí vem. Ao contrário de “La Casa de Papel”, o esquema não é tão ardiloso nem as personagens tão interessantes que pareçam deixar muito por descobrir. Tudo funciona bem quando estamos com as raparigas em fuga e menos bem quando seguimos os perseguidores, a dupla de irmãos sicários Moisés (Miguel Angél Silvestre) e Christian (Enric Auquer, Prémio Goya de Ator Revelação pelo trabalho em “Quien a Hierro Mata”) e que não têm, suspeitamos, muito mais para contar do que o pouco que nos deram até aqui.

Não haja dúvidas, porém, de que Álex Pina conseguiu outra vez. Abriu o caminho para os autores de língua não inglesa e estabeleceu a fasquia. “Sky Rojo” fica uns furos abaixo de “La Casa de Papel”, mas comprova, outra vez, que nem só na prostituição Espanha dá cartas. Em matéria de produção audiovisual, também joga, definitivamente, no campeonato dos crescidos.

Alexandre Borges é escritor e argumentista

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