O ex-chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (CEMGFAA) considerou esta quarta-feira estável a situação político-militar do país, apesar de ser necessário “solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda”.

Francisco Pereira Furtado dissertou sobre o tema “A Paz como Fator Imperativo para a Estabilidade e Desenvolvimento de Angola”, na abertura das jornadas patrióticas alusivas ao 4 de Abril, Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, promovida pelo Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas.

“A situação político-militar do país é estável, o país está em paz, independentemente da necessidade de solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda. O país está pacificado e é esta paz que os militares têm que preservar, manter a estabilidade, com vista a garantirmos uma efetiva reconciliação nacional“, disse Francisco Pereira Furtado, em declarações à Lusa no final da cerimónia.

Segundo o oficial das Forças Armadas Angolanas (FAA), existem mecanismos para a situação atual da província de Cabinda, salientando que “o governo está empenhado” no assunto.

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“Da mesma forma que negociamos os processos de paz anteriores devemos negociar com a ala da FLEC [Frente de Libertação do Estado de Cabinda], porque é mais uma ala. Pelo que eu conheço da FLEC, desde o seu surgimento, em [19]75, no seu seio já surgiram mais de seis alas, é preciso levar esta ala que ainda reivindica de uma forma não correta, com alguma violência, a compreender que o país não pode continuar nesta senda de conflitos”, referiu.

Questionado se a escolha da província de Cabinda como palco central das comemorações dos 19 anos de paz de Angola será um sinal de aproximação, Francisco Pereira Furtado disse julgar que “tem mesmo a ver” com isso.  “Porque há necessidade de em Cabinda ter-se o mesmo sentimento e a mesma visão estratégica do país inteiro“, frisou.

Na sua dissertação, Francisco Pereira Furtado admitiu que “devido a algumas situações não muito boas”, que não precisou, “o processo de implementação do Estatuto Especial para a província de Cabinda não teve o seu desenvolvimento como desejado e terá que ser restabelecido de formas a que se observe aquilo a que foi acordado”.

Francisco Pereira Furtado, numa incursão histórica sobre a situação de Cabinda, disse que as negociações entre o governo e o Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD) para o alcance da paz naquele território petrolífero no norte do país tiveram início em 2005.

“O governo da República de Angola iniciou um estabelecimento de contactos com o Fórum Cabindês para o Diálogo a partir do exterior do país e após mais um ano de sucessivos contactos foi assinado no dia 4 de junho de 2006 em Chicamba, comuna de Massabi, município de Cacongo em Cabinda, o Acordo de Cessação das Hostilidades entre as FAA e a FLEC sob autoridade do FCD”, contou.

De acordo com o ex-CEMGFAA, em julho de 2006, juntaram-se à mesa de negociações na República do Congo, as delegações do governo de Angola e do FCD, com a observação dos membros do Ibinda, conselho das mais altas autoridades tradicionais de Cabinda, convidados a participarem nas negociações em Brazzaville.

A delegação angolana, da qual fez parte Francisco Pereira Furtado, era chefiada pelo então ministro da Administração do Território, Virgílio de Fontes Pereira, coadjuvado pelo chefe da Casa Militar do Presidente da República, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”.

É desta forma que, das negociações, resultou a assinatura de um memorando de entendimento de reconciliação da província de Cabinda e também de um Estatuto Especial para a província de Cabinda, estatuto este que dá autonomia à província de Cabinda para estar em condições diferente das outras províncias”, sublinhou.

Ambos os documentos foram oficialmente assinados, na cidade do Namibe, em 1 de agosto de 2006, entre as delegações do governo de Angola e do FCD, liderado por António Bento Bembe.

“Para a materialização desses acordos assinados à semelhança do processo anterior, foi criada uma comissão conjunta para as questões gerais e para as questões militares foi criada uma comissão mista, composta por oficiais generais das FAA e do FCD, aí mais uma vez fui nomeado pelo então Presidente da República e Comandante em Chefe das FAA [José Eduardo dos Santos] para coordenar a comissão mista do processo de paz de Cabinda“, salientou.

Há vários anos que os cidadãos de Cabinda reivindicam a autonomia desta parcela do território angolano, com a FLEC a assumir a autoria de supostos ataques armados, que resultam em mortes e feridos de militares das FAA e das suas forças guerrilheiras.

Em abril de 2019, num comunicado, assinado pelo tenente general Afonso Nzau, diretor-geral do Serviço de Inteligência Externa da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda, Forças Armadas de Cabinda (FLEC/FAC), a organização convidou o governo angolano a visitar uma das bases daquele movimento de Cabinda e a assinar “um acordo de princípio” para pôr termo ao conflito no enclave.

Os sucessivos anúncios de ataques armados pela FLEC têm sido publicamente desvalorizados pelo governo, que garante que a situação em Cabinda é estável. A província angolana de Cabinda, onde se concentram a maior parte das reservas petrolíferas do país, não é contígua ao restante território e, desde há muitos anos, que líderes locais defendem a independência, alegando uma história colonial autónoma de Luanda.

A FLEC, através do seu “braço armado“, as FAC, luta pela independência da província, alegando que o enclave era um protetorado português, tal como ficou estabelecido no Tratado de Simulambuco, assinado em 1885, e não parte integrante do território angolano.

Cabinda é delimitada a norte pela República do Congo, a leste e a sul pela República Democrática do Congo e a oeste pelo oceano Atlântico. O ato central das comemorações do Dia Nacional da Paz e Reconciliação que se celebra em 04 de abril terá lugar este ano na província de Cabinda.

Em 4 de Abril de 2002, o governo do MPLA e a UNITA assinaram os acordos de paz que permitiram pôr fim a uma guerra civil que durava desde 1975, logo após a independência do país.

Francisco Pereira Furtado apela à uniformização da existência dos três ramos militares

O antigo chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (CEMGFAA) defende que o ano de existência das Forças Armadas seja uniformizado aos ramos das forças aérea e marinha de guerra.

Francisco Pereira Furtado disse que é preciso uniformizar o tempo de carreira nos três ramos das Forças Armadas, lembrando que o Acordo de Paz de Bicesse (Portugal), em 1991, “acabou por amarrar as forças terrestres particularmente a um tempo reduzido de carreira”.

O tempo de existência das Forças Armadas Angolanas (FAA) foi quebrado em 1992, no âmbito do acordo de Bicesse, onde foi recomendada a unificação das forças militares do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, e da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), maior partido da oposição, que na altura se enfrentavam no terreno pelo poder, até 2002, com a morte em combate do líder fundador da UNITA, Jonas Savimbi.

Estando as FAA agora com 28 anos, as Forças Armadas e o Exército que completarão 28 anos, enquanto os ramos das forças aéreas e da marinha estarão a atingir os 45 anos”, realçou.

Francisco Pereira Furtado falava na abertura das jornadas patrióticas alusivas ao 4 de Abril, Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, promovida pelo Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas. O antigo CEMGFAA aproveitou a presença do presidente da Comissão de Defesa e Segurança da Assembleia Nacional, Roberto Leal Monteiro “Ngongo”, para apelar à sua intervenção nesse sentido.

“Porque a manter-se esta data referência de Bicesse, como criação das Forças Armadas e do Exército, a carreira de todos nós que fizemos uma carreira desde 1975, ou antes da independência até esta altura, dá a impressão de que os que estão nas Forças Armadas, a partir do EMG e do Exército, tenham apenas uma carreira de 28 anos, enquanto os da Marinha e os da Força Aérea têm uma carreira de 45 anos”, frisou.

“Isto é preciso resolver-se agora do ponto de vista político entre os dois partidos que negociaram o Acordo de Paz de Bicesse e fazer com que de facto as Forças Armadas tenham a mesma idade que os outros ramos”, advogou, realçando que o Exército aglutina cerca de 80% das FAA.

Francisco Pereira Furtado disse que, do seu ponto de vista, o dia 9 de outubro de 1992 pode continuar a ser considerada a data da unificação das Forças Armadas, mas não como da sua criação.

“Porque este país foi defendido desde 1975, de lá até ao Acordo de Luena (4 de abril de 2002 — Dia da Paz) o país foi sempre defendido. Se não existisse as Forças Armadas e o ramo das forças terrestres quem teria defendido de facto Angola desde a proclamação da Independência até 1992, quando se criou as FAA e o ramo do Exército?”, questionou.

É apenas uma chamada de atenção no sentido de enquanto estamos em vida – como dizia no início, a história militar deve ser contada pelos seus protagonistas — vamos a tempo de conversar, dialogar e chegar a um consenso”, acentuou.