Pedro Pablo Pichardo deu uma longa entrevista à BTV, onde falou sobre a medalha de ouro conquistada recentemente nos Europeus de pista coberta, sobre a adaptação a Portugal e ao português, sobre as poucas saudades que ainda tem de Cuba e sobre os objetivos para os Jogos Olímpicos. Foi um assunto exterior à carreira do atleta, porém, que acabou por ser um dos pontos altos da conversa: o momento em que Alfredo Quintana, outro luso-cubano, foi mencionado. 

“Lembro-me de que nem soube, quando aconteceu. Foi um amigo que me mandou uma mensagem a dizer ‘sabes que o Quintana está no hospital?’. Ele ainda estava a lutar pela vida…perguntei ‘como assim?’ e ele disse-me que tinha sido no treino, uma paragem cardiorrespiratória. Eu estava aqui no treino e enviei-lhe uma mensagem de força. Ele não chegou a ver a minha mensagem. Nós falávamos muito pelas redes sociais mas nunca o conheci pessoalmente. Ele mandou-me uma mensagem de boas vindas quando cheguei cá, até porque ele já era português, e a partir daí continuámos a falar e desenvolvemos uma amizade. Tínhamos combinado que quando ele viesse a Lisboa íamos juntar-nos mas não chegou a acontecer. Nunca o conheci pessoalmente, era cinco estrelas, uma pessoa muito humilde que se dava bem com toda a gente”, explicou o atleta do triplo salto do Benfica, visivelmente emocionado com o desaparecimento do guarda-redes de andebol do FC Porto.

Sobre a conquista da medalha de ouro nos Europeus, Pedro Pablo Pichardo sublinhou principalmente as mensagens de parabéns que recebeu tanto de Marcelo Rebelo de Sousa como de António Costa. “Eu tenho 27 anos, já tinha atingido algumas medalhas a representar Cuba mas nunca tinha sido reconhecido em sítio nenhum pelos meus feitos. O Presidente da República ligou-me e deu-me os parabéns, notava-se que estava muito feliz, sentia-se que estava contente com aquele feito e com as três medalhas de ouro [com as de Auriol Dongmo e Patrícia Mamona]. Fiquei muito surpreendido. O presidente da Federação disse-me: ‘Presta atenção ao telemóvel porque o Presidente vai ligar-te’. Eu fiquei ‘ah, estás a brincar’ e não acreditei. Se acontecesse, pronto, mas não acreditei. Passada meia-hora, quando estava no quarto, o Presidente ligou-me e fiquei mesmo feliz. Muito feliz, muito feliz”, contou, recordando ainda o momento em que teve a oportunidade de cantar o Hino Nacional pela primeira vez.

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“Foi algo muito feliz para mim. Até porque já estava à espera de cantar o hino, há dois anos que andava à procura da oportunidade e ainda não tinha acontecido. Fiquei muito feliz. Estava de máscara e as pessoas não notaram muito que cantei mas eu sei que cantei”, explicou Pichardo, que revelou também que deixou as aulas de português em stand-by devido à pandemia e ao início das competições mas quer “falar melhor”.

Agora a Europa, a seguir o Mundo: Pedro Pablo Pichardo conquista primeira medalha de ouro por Portugal no triplo salto

Sobre a final dos Europeus de Pista Coberta, onde venceu ao saltar 17,30 metros logo na primeira tentativa, o luso-cubano repetiu uma ideia que já tinha sublinhado na altura: a de que tentou um “grande salto” mas acabou por não conseguir. “Eu e o meu treinador estávamos à espera desse grande salto. Queríamos que fosse acima dos 70 centímetros [17,70 metros] e achávamos que poderia ter conseguido nesse dia, até porque estava em boa forma e aqui nos treinos tinha atingido aqueles pormenores necessários para passar essa barreira. Estive sempre à espera desse grande salto mas acabei por ficar um bocadinho confortável. Os rivais não puxaram mais por mim e isso fez-me ficar ali calminho, não exigir muito. Penso que essa foi a parte má”, disse o atleta, que acrescentou que o Benfica é responsável pela maior “percentagem” do sucesso que já teve em Portugal.

“Foi o Benfica que me trouxe para Portugal, foi o Benfica que me ajudou, que me deu esta oportunidade para treinar, esta tranquilidade. Uma percentagem dos meus resultados em Portugal são do Benfica”, atirou, revelando ainda que já é abordado na rua, que se sente integrado graças aos colegas e ao facto de ter a família por perto e que tem uma especial admiração por Telma Monteiro, que lhe envia “umas mensagens de força de vez em quando”. Quanto ao bacalhau, garante que “já experimentou” mas ainda não é um prato “favorito”.

Pedro Pichardo feliz com o ouro: “é a minha primeira medalha por Portugal”

Pedro Pablo Pichardo treina atualmente no Complexo Municipal de Atletismo de Setúbal, já que vive em Palmela e depois de o pai, que também é o seu treinador, ter entrado em contacto com a Federação de Atletismo, que mediou as conversações entre o Benfica e a autarquia local. Quando chegou a Portugal, treinava no Estádio da Luz, em pleno relvado — e sem as condições necessárias para a prática do triplo salto. “Foram muitas coisas, no início. Era a adaptação da minha família. Foi muito complicado. Havia muita confusão por causa da rivalidade de clubes e como ainda não tinha nacionalidade [portuguesa] era muito complicado. Quando ia treinar em algum sítio era muito complicado e tinha de treinar no Estádio da Luz, onde não tinha caixa de areia”, recordou o luso-cubano.

Para além de considerar um “privilégio” o facto de ter continuado a treinar durante a pandemia — até porque tem a chave do Complexo setubalense –, Pichardo garante que é otimista e que tenta afastar-se “sempre que há algo negativo”. A dada altura, durante a entrevista, o atleta soltou uma das frases mais surpreendentes: “Ainda não sou um grande atleta. Ainda tenho de atingir muitas mais medalhas e mais resultados e aí então podemos ver se sou um grande atleta. Ainda não sou. Mas estou a caminho”, disse. O campeão da Europa contou ainda que é um fã de boxe e de andebol e recordou como foi parar ao triplo salto, através de um mero acaso.

“Tem de ser um orgulho ter Auriol e Pichardo a representar Portugal”, diz o presidente da Federação de Atletismo, que tem um “sonho maior”

“Eu sou o mais novo de quatro irmãos. Comecei no atletismo aos seis anos, porque a minha irmã praticava atletismo. Naquela altura nem sabia o que era atletismo, comecei a levar mais a sério quando tinha 10, 11 anos, foi quando comecei a participar em competições oficiais e comecei a ganhar. Mas aí era no salto em comprimento, eu só comecei no triplo salto a partir dos 14, 15 anos. Houve uma competição em que o comprimento era só para profissionais e fiquei: ‘Então, o que faço agora?’. Nessa altura, passou lá um senhor e estava a chamar os atletas para fazer triplo salto. Eu estava sentado, ouvi o senhor, nunca tinha feito e olhei para o meu pai a perguntar se podia fazer o triplo. Nunca tinha saltado. Saltei 12,92 e ganhei aquele evento. E foi a partir daí que comecei a treinar o triplo”, contou.

Pedro Pablo Pichardo, que desertou de Cuba, garantiu ainda que não tem “vontade” de voltar ao país por estar ainda “muito magoado” com o governo e as instituições desportivas. “Até agora, não sinto saudades”, atirou, utilizando uma palavra muito portuguesa cujo significado diz já conhecer por inteiro. Casado com outra atleta, indica que gostava muito de que a filha, de quase quatro anos, seguisse os passos dois pais. E sobre os Jogos Olímpicos, lembra que o objetivo só pode ser um.

“Os 18 metros. Têm que sair sim ou sim. Se eu quiser ganhar nos Jogos, tenho de saltar pelo menos 18 metros. Se não, não vou conseguir trazer o ouro para Portugal. A inspiração é o ouro dos Europeus. Começámos o ano com um grande feito, que foi a medalha de ouro nos Europeus. Foi um bom início e agora é continuar a trabalhar para tentar atingir o ouro nos Jogos”, atirou Pichardo, que no final da entrevista viu a mulher aproximar-se dele para lhe levar a medalha conquistada na Polónia no início deste mês de março.