O Programa de Estabilidade (PE) que será apresentado dentro de cerca de duas semanas vai incluir uma revisão do cenário macroeconómico, disse à Lusa o secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, que também indicou que é “expectável” que os reembolsos de IRS cheguem mais cedo este ano.

Dentro de aproximadamente duas semanas, duas semanas e meia, vamos apresentar o Programa de Estabilidade e, nessa altura, vamos apresentar a revisão do cenário macro e, consequentemente, a revisão das previsões do ponto de vista orçamental”, afirmou o secretário de Estado.

Em entrevista à Lusa, o governante afirmou que os dados “ainda estão a ser trabalhados”, precisando que, no que diz respeito à previsão da receita fiscal, “é muito importante” que todos tenham a consciência de que a decisão de um novo confinamento geral tem um “efeito muito significativo” do ponto de vista económico que se reflete “naquilo que é a receita fiscal, designadamente na receita dos impostos indiretos como o IVA”.

Os dados da execução orçamental divulgados pela Direção-Geral do Orçamento (DGO) indicam que a receita fiscal do Estado recuou 13,2% em janeiro face ao valor arrecadado no mês homólogo de 2020 e que a queda homóloga se acentuou ainda mais em fevereiro (caindo 17,4%), com todos os impostos a registarem um desempenho negativo.

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Relativamente ao facto de a carga fiscal ter registado em 2020 o valor mais elevado de sempre, desde pelo menos 1995, ao situar-se em 34,8% do Produto Interno Bruto (PIB), António Mendonça Mendes referiu que tal se explica pelo facto de a atividade económica ter descido mais do que a receita fiscal e contributiva.

Ressalvando que “a carga fiscal não mede aumentos de impostos”, nem o esforço fiscal das famílias e empresas, o secretário de Estado sublinhou que o que aconteceu foi que “a atividade económica desceu mais do que aquilo que foi a descida da receita contributiva e da receita fiscal”, apesar de não ter havido em 2020 qualquer aumento de impostos.

Segundo os dados, ainda provisórios, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), no final da semana passada, a carga fiscal citou-se em 34,8% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2020, ano em que o total de receitas de impostos e contribuições sociais foi de 70.377,0 milhões de euros.

Em 2019, o valor total de receitas de impostos e contribuições sociais ascendeu a 73.837,9 milhões de euros (correspondendo a 34,5% do PIB).

Para António Mendonça Mendes, a evolução das receitas fiscais e contributiva em 2020 mostraram a resiliência do mercado de trabalho observada e que surpreendeu todas as estimativas existentes.

É expectável que reembolsos do IRS cheguem mais cedo este ano

Em relação ao IRS, o secretário de Estado afirmou ser “expectável” que os reembolsos comecem este ano a ser processados mais cedo do que em 2020.

Aquilo que posso garantir é que estamos em condições de fazer a campanha de IRS, de proceder às liquidações e de proceder aos reembolsos. É normal e é expectável que os reembolsos este ano possam ser relativamente mais rápidos do que foram no ano passado”, referiu à Lusa António Mendonça Mendes.

No ano passado, os primeiros reembolsos foram processados em 21 de abril, ou seja, 21 dias depois de ter arrancado a campanha da entrega da declaração anual de IRS, um período de tempo mais dilatado do que o registado em anos anteriores, mas que Mendonça Mendes considera ter refletido a rapidez “adequada ao momento”, ou seja, ao facto de o país se encontrar nessa altura a enfrentar o seu primeiro confinamento geral.

Este ano, reconhece, o contexto é “semelhante” ao do ano passado, mas tem uma grande diferença: uma experiência acumulada que em 2020 não existia, nomeadamente no que diz respeito ao facto de uma parte significativa dos funcionários da Autoridade Tributária (AT) estar a exercer as suas funções em teletrabalho por causa das restrições impostas pela necessidade de conter a pandemia de Covid-19.

“No ano passado, em que os últimos tempos de preparação para a campanha do IRS coincidiram exatamente com o início do confinamento, era normal que tivéssemos uma maior prudência na forma como teríamos de fazer as liquidações”, precisou o governante, lembrando que destas não resultam apenas reembolsos, mas também notas de pagamento ou nulas (em que não há lugar nem a pagar mais imposto ao Estado nem e receber reembolso).

Apesar das condições, a AT “conseguiu fazer as liquidações muito antes do prazo legal para o fazer” (que a lei fixa em 31 de agosto) e, ao longo das semanas, “foram-se rotinando cada vez mais as operações” o que permitiu que os tempos do reembolso acabassem por se tornar “muito semelhantes aos de anos anteriores”, referiu o governante, sem querer, no entanto, apontar uma data para o início do processo de devolução do imposto pago a mais pelos contribuintes.

“A nossa expectativa é fazermos uma campanha segura na forma como fazemos as liquidações para que ninguém seja prejudicado, nem o erário público, nem as pessoas, que têm a expectativa de receber o seu reembolso tão rápido quanto possível”, afirmou.

Sendo o reembolso do IRS o resultado da soma das retenções na fonte com as deduções à coleta dos contribuintes, António Mendonça Mendes assinalou que o Governo tem procurado, nestes últimos anos, refletir nas tabelas de retenção as decisões de política, de que são exemplos o alargamento, de cinco para sete, dos escalões de rendimentos coletável ou a criação do IRS Jovem.

O objetivo, precisou, é que o imposto retido se aproxime cada vez mais daquilo que é o imposto devido e que “os reembolsos decorram mais daquilo que são ou os benefícios fiscais municipais ou as deduções” e não resulte “propriamente de um excesso de retenção que possa existir”.

Tendo em conta o acerto nas tabelas de retenção na fonte realizado em 2020, o valor médio do reembolso poderá, assim, este ano ser de menor dimensão.

Lançado com o Orçamento do Estado para 2020 (OE2020), o IRS Jovem será refletido pela primeira vez na declaração anual do imposto que vai ser entregue este ano e cujo prazo para fazer se inicia esta quinta-feira, dia 01 de abril, terminando em 30 de junho.

Quando a medida foi lançada, o Governo estimava que pudesse abranger até cerca de 160 mil jovens, mas o impacto da pandemia na atividade económica pode ter alterado o universo potencial, e apenas em setembro, precisou Mendonça Mendes, será possível fazer um primeiro balanço e ver quantas pessoas beneficiaram da medida.

Dirigida aos jovens entre os 18 e os 26 anos que entrem no mercado de trabalho após a conclusão do ensino secundário ou superior, esta medida atribui uma isenção de 30%, 20% e 10% durante o primeiro, segundo e terceiro anos de atividade, respetivamente, o que significa que estes pagarão IRS sobre 70%, 80% e 90% do rendimento que auferirem naqueles anos, com alguns limites.

IRS automático abrange trabalhadores que estiveram em lay-off

No caso do IRS automático, Mendonça Mendes diz não haver “nenhum motivo” para que um trabalhador que tenha estado em lay-off simplificado não seja este ano abrangido, caso reúna os restantes requisitos, precisando que tal decorre do facto de no lay-off simplificado a empresa continuar a ser quem efetua o pagamento ao trabalhador, indicando os valores pagos, retenções e descontos na Declaração Mensal de Remunerações.

A forma como os apoios desenhados para responder aos efeitos da pandemia vão ser tratados ao nível da declaração anual do IRS tem suscitado algumas dúvidas, mas Mendonça Mendes assegurou que, apesar das “variadíssimas situações que surgiram”, tudo “será feito de forma simplificada para que as pessoas possam preencher corretamente a sua declaração”.

O governante precisou ainda que, entre as medidas Covid-19, há apoios que visaram compensar perdas de rendimentos ou substituir rendimentos de trabalho e outros que são verdadeiros apoios sociais, como sucede com o apoio a quem foi colocado em isolamento profilático ou quem ficou em apoio à família.

“Portanto, há situações muito diversas que estão devidamente esclarecidas no Portal das Finanças, quer em termos de incidência de imposto, quer em termos de obrigação declarativa”, disse, ressalvando que o esforço tem sido dirigido no sentido do pré-preenchimento da declaração.

O IRS automático vai abranger este ano pela primeira vez os trabalhadores independentes, mas apenas aqueles que em 2020 passaram exclusivamente recibos através do Portal das Finanças, o que significa que os que tiveram apoios por redução de atividade não poderão beneficiar deste automatismo.

Esta é uma das situações que ajuda a explicar que sejam cerca de 250 mil os trabalhadores independentes que este ano irão juntar-se aos que já beneficiaram em anos anteriores do IRS automático, nomeadamente os contribuintes com rendimentos de trabalho dependente e/ou de pensões (exceto pensões de alimentos).

No total, o universo potencial de agregados familiares abrangidos pelo IRS automático atinge este ano os 3,5 milhões, ainda que os dados dos últimos anos revelem que os que aceitam este automatismo ronde os 1,6 a 1,7 milhões de agregados.

Mendonça Mendes lembrou, contudo, que basta o contribuinte fazer uma pequena alteração para que a declaração deixe de ser automática — o que sucede, por exemplo, se um casal optar pela tributação em conjunto — e salientou também o facto de nos últimos anos, com o cada vez maior número de campos pré-preenchidos, a entrega do IRS se ter tornado em “algo muito simples”.

Tal como em anos anteriores, as juntas de freguesia poderão apoiar as pessoas que necessitem de ajuda na entrega da declaração anual do imposto, mas António Mendonça Mendes lembra que, como sucedeu no ano passado, os contribuintes podem recorrer ao centro de atendimento telefónico, que foi “reforçado”.

Com o atendimento presencial nas repartições de finanças limitado ao agendamento prévio, o secretário de Estado lembrou que muitas pessoas, sobretudo as mais idosas que muitas vezes têm apenas rendimentos de pensões, estão abrangidas pelo IRS automático pelo que, mesmo que nada façam, este é considerado entregue no final do prazo.

Governo alarga a mais impostos planos prestacionais automáticos para dívidas fiscais

Por último, o governante confirmou que o Governo está a preparar uma proposta para tornar automáticos os planos de pagamento a prestações de dívidas de impostos que sejam receita do Estado.

A proposta do Governo, precisou António Mendonça Mendes, está ainda a ser finalizada, mas o objetivo é que os planos prestacionais automáticos que, no ano passado e este ano, foram criados como medida excecional para o pagamento de dívidas de IRS e IRC até 5.000 euros (particulares) e 10.000 euros (empresas), passem a estar previstos na lei e possam abranger mais tipologias de dívidas fiscais.

É intenção do Governo replicar aquilo que estamos a fazer agora de forma extraordinária”, disse o governante, acrescentando que o objetivo é que estes planos prestacionais automáticos abranjam, por um lado, montantes de dívida “que não necessitam da prestação de garantia” e, por outro lado, permitam “que o conjunto de tributos mais amplo possível esteja incluído nessa solução”.

“O objetivo é que seja para todos os impostos que sejam receita da administração central, incluindo retenções na fonte ou IVA” e “para estes montantes que não necessitam que seja prestada garantia”, afirmou o governante, adiantando que o processo legislativo (que terá de passar pelo parlamento) deverá ficar concluído este ano.

Relativamente à regulamentação do Governo à medida incluída no Orçamento do Estado para 2021 (OE2021) sobre os pagamentos por conta (PPC) do IRC, António Mendonça Mendes precisou que aquela foi feita de forma a permitir que as pequenas e médias empresas possam entregar os primeiro e segundos PPC em prestações, e que as micro empresas possam efetuar apenas 50% do segundo pagamento por conta, mesmo tendo tido lucros em 2020.

“Penso que a regulamentação que fizemos da forma como a norma foi aprovada no Orçamento do Estado é uma regulamentação adequada e não pode ser vista de maneira isolada porque, ao mesmo tempo que estamos a fazer estas limitações do pagamento por conta, estamos também a permitir que as empresas entreguem a autoliquidação do IRC em prestações”, referiu.

O governante observou ainda que as empresas beneficiárias destas limitações ou reduções dos pagamentos por conta são aquelas que, apesar da crise de 2020, conseguiram ter lucros.

O pacote de medidas fiscais tomadas pelo Governo para mitigar o impacto da pandemia na tesouraria das empresas prevê que os primeiro e segundo PPC possam ser feitos em três prestações pelas PME e limita a 50% o segundo PPC no caso das microempresas, com regularização no terceiro pagamento por conta.