O julgamento de Derek Chauvin, acusado de sufocar deliberadamente até à morte George Floyd, teve início na segunda-feira, e vai ser marcado pela tecnologia: por um lado, todos os vídeos amadores e de vigilância registados no momento, a 25 de maio de 2020; por outro, o facto de o julgamento estar a ser transmitido em direto a partir do tribunal de Minneapolis (Estados Unidos).

As imagens são fortes para quem não esteve no local, mas a acusação quer mostrar que foram ainda mais fortes para quem testemunhou o acontecimento ao vivo e como isso traumatizou estas pessoas, reporta o jornal The New York Times.

“Há noites em que fico acordada a pedir desculpas, a pedir desculpas ao George Floyd por não ter feito mais, por não ter interagido fisicamente e por não lhe ter salvado a vida”, disse uma das testemunhas que registou um vídeo do momento, Darnella Frazier.

Quase todas as testemunhas choraram durante os depoimentos, refere o jornal, e admitem ter percebido que George Floyd estava em perigo, mas foram incapazes de interferir na ação policial — este tipo de interferência podia mesmo ser considerada um crime. Nem mesmo uma socorrista, que não estava em serviço, terá conseguido que a polícia a deixasse ver o estado de saúde da vítima.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No princípio quase me afastei porque era demasiado para assistir”, disse uma das testemunhas mais jovens, um estudante do ensino secundário, no segundo dia. “Mas eu sabia que era errado e não podia simplesmente ir embora, embora não pudesse fazer nada sobre aquilo.”

Outra das testemunhas, o empregado da loja que percebeu que Floyd tinha usado uma nota de 20 dólares falsa para pagar cigarros, sente-se culpado pelo que aconteceu com a vítima. Christopher Martin, de 19 anos, tentou fazer com que Floyd fizesse um pagamento válido sem sucesso e ofereceu-se para substituir a nota por uma sua, mas o gerente chamou a polícia.

Se, simplesmente, não tivesse aceitado a nota, isto poderia ter sido evitado”, disse o jovem.

Floyd e a namorada lutavam em conjunto contra o vício em opioides

Esta quinta-feira, teve lugar o testemunho emocionado da namorada, de quase três anos, de George Floyd, que intercalou lágrimas de tristeza com risos, ao lembrar os bons momentos com o companheiro.

A estratégia da acusação foi falar do vício em opioides antes da defesa, que argumenta que o homem morreu devido ao consumo de drogas. Courteney Ross disse que ela e Floyd tinham começado a tomar opioides para a dor crónica com receita médica, mas quando a prescrição médica terminou continuaram a usar a droga. A namorada da vítima disse que tentaram parar o consumo das drogas por várias vezes, procuraram vários tratamentos, mas tiveram várias recaídas.

“Ficámos viciados e tentamos arduamente parar esse vício muitas vezes”, disse Ross.

“Quando conhecemos alguém que sofre de qualquer tipo de vício, é possível ver mudanças quando a pessoa volta a consumir.” Foi o que terá acontecido nas semanas antes da morte de Floyd. A mulher de 45 anos acrescentar ainda que, naquele dia, a vítima estava no carro com o homem que lhes costumava vender droga, um amigo de longa data de Floyd.

O homem, Morries Lester Hall, estava no lugar do passageiro quando Floyd foi abordado pela polícia e disse que a vítima tentou dissuadir a tensão com os agentes e não resistiu à detenção. Caso seja chamado a testemunhar, Hall vai invocar a Quinta Emenda para não ser obrigado a testemunhar contra si próprio.

Os vídeos recontam os acontecimentos de vários ângulos

No primeiro dia, a acusação mostrou, integralmente, o vídeo nove minutos e 29 segundos em que o homem de 46 anos diz 27 vezes que não conseguia respirar e que termina com a sua morte. No segundo dia, houve mais vídeos amadores de testemunhas no local. Mas o mais impactante, descreve o jornal The New York Times, foram as imagens registadas pela câmara do fato do primeiro polícia a chegar ao local.

“Por favor, não dispare”. Revelado o vídeo da detenção de George Floyd

Desde o primeiro momento em que a vítima foi abordada pelo polícia novato, ainda dentro do carro, que se mostra agitado, a chorar e, aparentemente, aterrorizado. O jornal descreve que esta primeira abordagem, com o polícia de arma apontada ao afro-americano, marcou o tom do desenvolvimento de toda a ação.

19 minutos entre a chegada da polícia e a dos paramédicos. O que diz o processo contra um dos polícias acusados de matar George Floyd

“Por favor, não disparem”, disse George Floyd a chorar. O homem disse ser claustrofóbico e estar em pânico quando o estavam a tentar colocar no carro e disse que não conseguia respirar quando estava no chão, com o joelho de Derek Chauvin no pescoço.

No vídeo captado pela câmara no fato deste polícia mais novo, um dos agentes diz que acha que Floyd morreu, outro diz que não lhe sente o pulso, mas Chauvin, segundo descreve o New York Times, mostra-se imperturbável.

Os paramédicos que assistiram George Floyd no local foram ouvidos esta quinta-feira e dizem que em momento algum sentiram pulso na vítima, quando chegaram já estava inanimado. A defesa Derek Chauvin terá orientado as perguntas a um dos paramédicos de forma a que este dissesse que o polícia tinha agido de acordo com as normas, virando Floyd de lado.

“Podem acreditar nos vossos olhos. Foi um assassínio.” O início do julgamento de Derek Chauvin, polícia acusado de matar George Floyd

A acusação alega que George Floyd foi sufocado até à morte e que o polícia usou força excessiva. Do outro lado, a defesa usa como argumentos que a morte terá sido motivada pelo abuso de drogas e historial de doença cardíaca e que foi usada apenas a força necessária adequada à situação.

Prevê-se que o julgamento possa demorar, pelo menos, quatro semanas. As sessões serão transmitidas em direto, em parte porque a pandemia obriga a que estejam menos pessoas em tribunal. Um problema técnico na emissão no primeiro dia fez com que a sessão acabasse mais cedo do que o previsto.

Atualizado às 21hoo com o testemunho da namorada de Floyd e dos paramédicos.