A fundação GDA apelou ao Governo e ao parlamento para garantir o pagamento aos artistas pela utilização das suas obras em plataformas digitais, na transposição da diretiva europeia para os direitos de autor e conexos, no Mercado Único Digital.

Num comunicado hoje divulgado, a GDA — Gestão dos Direitos dos Artistas alerta para a apropriação, pelas plataformas, produtoras e editoras, de cerca de 93% das receitas geradas.

Plataformas como o Youtube, o Facebook, o Spotify, o Google ou o iTunes, “juntamente com produtoras e editoras fonográficas, apropriam-se de cerca de 93% das receitas geradas: em cada 10 euros pagos pelo utilizador das obras artísticas no mercado digital, apenas 0,70 cêntimos chegam, em média, aos autores e artistas que as criam, interpretam e executam”.

O apelo da GDA ao Governo e à Assembleia da República, para que, “na transposição para a lei portuguesa da Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho da Europa para os direitos de autor e direitos conexos no Mercado Único Digital (MUD), seja garantido aos artistas o pagamento pela utilização das suas obras nas grandes plataformas como o Youtube, o Facebook, a Spotify, a Google ou a iTunes”, acompanha a “Proposta de Transposição da Diretiva Mercado Único Digital (MUD)” para Portugal, que a GDA enviou para o Ministério da Cultura, o gabinete do primeiro-ministro, a Presidência da República e para todos os grupos parlamentares.

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A diretiva europeia do MUD, recorda a GDA, “determina explicitamente que os artistas intérpretes ou executantes ‘têm direito a receber uma remuneração justa, adequada e proporcionada relativamente ao valor económico real ou potencial'”.

Para que tal aconteça, é necessário garantir “mecanismos de transparência aplicáveis aos negócios digitais equivalentes aos que se verificam na utilização de obras nos negócios do mundo físico”.

Por isso, a GDA defende que “a transposição portuguesa desta diretiva deve garantir, desde logo, que os ‘autores, artistas, intérpretes e executantes, produtores, organismos de radiodifusão e órgãos de comunicação social, recebam informações precisas e inteligíveis sobre as utilizações e a respetiva remuneração de obras e prestações’ nas grandes plataformas”.

Para o presidente da GDA, Pedro Wallenstein, citado no comunicado, “o mais importante na transposição da diretiva MUD para Portugal é acabar com a situação atual, na qual as grandes plataformas e as grandes produtoras e editoras pactuaram um modelo em que ganham milhões de euros com a disponibilização, o ‘streaming’ ou o ‘download’ de música, cinema, teatro, dança, séries, etc., sem intervenção expressa da esmagadora maioria dos intérpretes e executantes portugueses!”

Pedro Wallenstein considera que “esta situação é intolerável, e sobretudo insustentável, numa altura em que, com a pandemia da covid-19, os músicos, atores e bailarinos ficaram sem as receitas dos espetáculos ao vivo, ao mesmo tempo que a utilização digital das suas prestações está a gerar as maiores receitas de sempre nas grandes plataformas e multinacionais de produção e edição, enquanto, para os artistas, sobram migalhas”.

“Tanto o relatório das audições em sede do parlamento inglês, como recentes estudos independentes, como ainda os próprios dados do Spotify, confluem para a conclusão de que apenas 3% a 5% dos artistas consegue, através das plataformas digitais, obter remunerações em linha com o cálculo de rendimento médio nos seus estados de origem”, lembra Pedro Wallenstein.

Além disso, acrescentou o presidente da GDA, “os artistas sem contrato de edição ou distribuição, tal como os executantes, ficam, neste modelo de negócio, automaticamente excluídos do processo negocial e, por regra, recebem nada!”.

Pedro Wallenstein lembra ainda que “mais de 60% — a fatia de leão — das receitas de subscrição e publicidade são diretamente entregues às grandes editoras multinacionais”.

A diretiva europeia sobre direitos de autor no MUD, aprovada pela União Europeia em abril de 2019, tem de ser transposta para a legislação portuguesa até 07 de junho deste ano.

Na proposta de transposição que enviou aos organismos governamentais, a GDA apresenta “várias medidas que podem tornar os negócios no Mercado Digital Único mais transparentes”, nomeadamente “a concessão legal de poderes de fiscalização a entidades de gestão coletiva de direitos de Autores, Artistas, intérpretes ou executantes, como a GDA ou a Sociedade Portuguesa de Autores”.

Na semana passada, numa audição na comissão parlamentar de Cultura, o vice-presidente da GDA, Luís Sampaio, questionou se a transposição da diretiva europeia, que regula o uso de obras autorais em ambiente digital, nomeadamente nas plataformas da Internet, já estaria agendada, recordando que o prazo para a transposição termina no dia 07 de junho.

“Preocupa-me, perto do final, que não se tenha feito quase nada”, afirmou o responsável, adiantando ter sido dado “conhecimento ao Governo, no final de novembro, de uma proposta de transposição elaborada pela GDA”, relativamente à qual afirmou não ter havido qualquer retorno por parte dos governantes.

A presidente da comissão parlamentar, Ana Paula Vitorino, admitiu não ter conhecimento de entrada, na Assembleia da República, de alguma proposta do Governo sobre o assunto, afirmando que, quando acontecer, “descerá” à comissão, para discussão na especialidade.

“O nosso trabalho continua a ser usado, mas os rendimentos não chegam até nós, por isso a transposição da diretiva é muito importante”, sublinhou Luis Sampaio, recordando que o objetivo da diretiva europeia visa uma distribuição mais justa das receitas.

A diretiva europeia foi criada para proteger a titularidade dos conteúdos de artistas, músicos, escritores e jornalistas na internet, criando regras para a utilização do seu trabalho por terceiros.

Estão, assim, em causa, instrumentos para a renegociação dos contratos, compensações financeiras a suportar por quem usar conteúdos sem ser para fins privados, e o controlo do material que é partilhado por utilizadores nas plataformas ‘online’.

O objetivo é que a diretiva incida, principalmente, sobre as gigantes tecnológicas como Facebook, Google e YouTube, que passam a ter responsabilidades para assegurar o respeito pelos direitos de autor.

“As novas regras garantem uma proteção adequada aos autores e artistas, ao mesmo tempo que criam novas possibilidades de acesso e partilha de conteúdos protegidos por direitos de autor em toda a União”, salientou, na altura, o Conselho da União Europeia, quando a diretiva foi aprovada.

Os artigos desta diretiva que causaram mais polémica entre os Estados-membros dizem respeito à proteção de publicações de imprensa para utilizações digitais, prevendo um pagamento a essa mesma publicação na partilha de ‘links’ ou de referências, e à criação de um mecanismo para controlar o material que é carregado nas plataformas por parte dos utilizadores.

A diretiva é um texto com aplicação geral em todos os países da União Europeia, sendo adotada na sequência de um processo legislativo, com vista à sua transposição que tem de ser efetuada no prazo fixado aquando da adoção da diretiva – em regra geral, no prazo de dois anos.

Cada um dos Estados-membros dispõe de margem de manobra neste processo, tendo em conta as especificidades nacionais. Em Portugal, o processo legislativo, entre várias etapas, prevê a consulta pública, com envolvimento dos agentes do setor, além da discussão na especialidade, em parlamento.

Portugal detém a presidência rotativa do Conselho da União Europeia até ao final de junho.