Há 20 anos, Robert e Sibil Fox Richardson, um casal de jovens pequenos empresários negros, fizeram uma coisa tão desesperada como disparatada. Postos perante a falência iminente da sua loja de roupas e artigos de “hip hop”, e a possibilidade de ficarem sem poder prover aos seis filhos, decidiram assaltar um pequeno banco em Shreveport, na Louisiana, onde viviam e tinham o seu negócio. Foram rapidamente capturados pela polícia e levados a tribunal. A mulher negociou a sua sentença, foi condenada a 12 anos de cadeia e saiu após não ter cumprido nem metade, mas o marido foi condenado a uma pena de 60 anos.

No documentário de longa-metragem “Time”, nomeado para o Óscar da respectiva categoria e disponível na Amazon Prime Video, a realizadora Garrett Bradley pega neste caso e conta os esforços levados a cabo por Sibil nas últimas duas décadas para libertar o marido da penitenciária, ao mesmo tempo que criava os filhos, abria um negócio de venda de automóveis e se tornava numa activista pela humanização das prisões. Mas Bradley não quis rodar um documentário de formato de investigação ou de fundo militante sobre as complexidades, as injustiças e os problemas dos sistemas judicial e penitenciários dos EUA, e a forma como a mulher de um dos muitos detidos os enfrenta e procura superar.

[Veja o “trailer” de “Time”:]

Apesar de nunca perder de vista Sibil e as suas movimentações para conseguir que o marido seja solto, nem a forma como isso foi pesando sobre ela e a família, e as marcas que deixou em todos eles, Bradley Garrett passa o tempo a saltitar entre ontem e hoje, alternando vídeos caseiros dos Richardson com imagens feitas no presente, para fazer um filme muito impressionista e fragmentado (por vezes, até ao rebuscado), onde pretende explorar as potencialidades poéticas e emocionais do título, “Time”, que remete para o longo tempo de prisão que Robert cumpre, o lento e desesperante tempo de espera de Fox e dos filhos, e aos efeitos que tem sobre eles e as suas vidas.

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[Veja uma entrevista com a realizadora:]

O que “Time” ganha em elaboração formal e efeito de intimidade com isto, perde em legibilidade e informação, deixando o espectador com muitas perguntas por responder. Por exemplo, o casal não procurou ajuda junto de familiares, amigos ou bancos, antes de se decidir por algo tão extremo como um assalto à mão armada? Sibil está, como o filme sugere, totalmente sozinha no seu combate, ou tem advogados e outras pessoas a ajudá-la? E mais importante que tudo, se foi oferecido a Robert, tal como à mulher, a possibilidade de fazer um acordo e apanhar 12 anos em vez dos 60 a que foi condenado, e talvez também sair mais cedo como aconteceu a ela, porque é que ele recusou e submeteu a família a uma tal provação? Há aqui dispersão a mais e explicações a menos.

A impressão de que uma abordagem mais tradicional, factual e jornalística, a este caso, teria funcionado melhor em “Time”, é reforçada pela súbita e inexplicada libertação de Robert no final (os pedidos de Sibil foram atendidos? Foi perdoado? Alguém no sistema judicial ou no meio político entendeu que a sentença tinha sido injusta ou inadequada ao crime e decidiu pelo seu anulamento?). Garrett Bradley quer que sintamos simpatia por Sibil e Robert e indignação perante o seu caso, mas não consegue criar suficiente proximidade para que isso suceda com a intensidade e o envolvimento desejados. E a banda sonora irritantemente “emocional”, de “Time”, sobretudo as constantes e melodramáticas partes de piano, também não ajuda nada.

“Time” está disponível na Amazon Prime Video