As autoridades timorenses estão envolvidas em operações de busca em vários pontos do país para encontrarem 36 pessoas dadas como desaparecidas desde as cheias de domingo, que causaram pelo menos 34 mortos e milhares de afetados, entre os quais alguns portugueses emigrados no país. O primeiro-ministro pede união e coragem e reforça que não é altura para tentativas de aproveitamentos políticos.

Fonte da Proteção Civil disse à agência Lusa que há 20 pessoas desaparecidas em Díli, 10 em Ainaro, cinco em Manatuto e uma em Aileu. Elementos da Unidade de Polícia Marítima e das Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) “vão ser chamadas a apoiar” as operações, explicou a mesma fonte.

O número de deslocados continua igualmente a crescer em vários pontos do país, com destaque no caso de Díli para a população de Tasi Tolu, cujo número de deslocados tem vindo a aumentar progressivamente nas montanhas que rodeiam as lagoas, que dão nome à zona.

A estimativa mais recente é de que o número de deslocados, só em Díli, ultrapassa já os 10 mil, encontrando-se em vários locais de acolhimento temporário, onde continuam a ser fornecidos apoios alimentares e outros de emergência.

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Cheias em Timor-Leste. Governo estima danos de 100 milhões de dólares em infraestruturas

Primeiro-ministro pede união de esforços para responder a calamidade

O primeiro-ministro timorense pediu, esta quarta-feira, união e coragem e que não haja tentativas de aproveitamentos políticos dos impactos das cheias que assolaram Timor-Leste.

“Este é o momento de apelar a parceiros internacionais de Timor-Leste, mas também a toda a comunidade, para que trabalhemos juntos. Ponham de lado as diferenças e pensem nos cidadãos”, afirmou Taur Matan Ruak.

“Ninguém, nenhum político ganha vantagem com este desastre natural. Isto atingiu todos e este não é o tempo de competição, mas sim, com humildade e respeito pelo sofrimento do povo, para que trabalhemos em conjunto”, considerou, numa cerimónia do início do processo de vacinação da Covid-19, onde foi o primeiro a ser vacinado no país.

O primeiro-ministro disse que dedicou a sua vida “a trabalhar em prol do povo” e que o essencial agora é “salvaguardar a vida da população em vez de aproveitar a situação para tentativas de ganhar vantagens políticas”.

Quando se faz isso baixa-se ainda mais a moral da população e Timor não merece isso. Timor é um povo lutador e guerreiro e nos momentos difíceis tem que estar mais unido e mais forte”, disse.

Em declarações à Lusa, na mesma ocasião, o ex-Presidente da República José Ramos-Horta disse que não se lembra de ver este impacto de um desastre natural em Timor-Leste desde 1973, especialmente em Díli, onde a população se multiplicou por 10 desde então.

“Hoje temos aglomerações de casas ao longo das ribeiras, pendurados sobre as ribeiras, nas encostas das montanhas. E isto acontece em muitas cidades do mundo em que há construções ilegais e não há planeamento”, frisou.

“As pessoas mudam-se para as cidades, para Díli, e colocam um pequeno teto onde podem viver”, disse. E insistiu na necessidade de corrigir esses problemas: “Vai-se ajudar as pessoas a reconstruir nos mesmos sítios”, questionou.

Ramos-Horta considerou que o Governo deveria procurar o apoio de agências da ONU para liderarem a resposta humanitária no terreno. Medidas como tendas de campanha, para o período que for necessário, através do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), por exemplo, ou para o apoio à distribuição alimentar, através do Programa Alimentar Mundial (PAM), referiu.

Entre danos e o voluntarismo, portugueses também afetados pelas cheias

André Simões está desde domingo a contabilizar perdas que ultrapassam os 120 mil dólares (101 mil euros), causadas pelas águas de uma ribeira que saltaram o leito e destruíram parte do complexo em Tibar, perto de Díli.

“Isto está demais. Vamos abrindo caixas e gavetas, com coisas eletrónicas e outro material e não se aproveita nada”, conta à Lusa por contacto telefónico em Tibar, município de Liquiçá, ao lado de Díli, mas onde não se pode ter acesso devido à cerca sanitária na capital.

Nos últimos anos, Simões e a família foram-se progressivamente instalando em Tibar, construindo uma casa e as bases das empresas, a Tua Simões (que importa produtos alimentares e vinhos portugueses) e a Clima Simões (de refrigeração e ar condicionado). Agora, grande parte do material está destruído, ficaram danificadas duas carrinhas, uma mota e todos os muros do complexo que ruíram com o peso das águas.

“Na madrugada de domingo estávamos a dormir. Acordámos com a chuva e com os cães que não paravam de ladrar. Vim à rua e já tinha o terreno todo alagado”, conta.

“Ao lado passa uma ribeira e há uma ponte nova que ficou muito obstruída e fez dique, levando a que a água saltasse as margens, deitasse abaixo o muro traseiro e depois entrasse em enxurrada pelo terreno”, explica.

As águas alagaram tudo, chegando a 1,70 metros de altura, com tanta intensidade que deitaram abaixo os muros do complexo. A água foi saindo mas ficaram toneladas de lama.

“Somando tudo, para já, carrinhas de carga e de distribuição, um gerador, bombas de água, computadores e equipamentos eletrónicos, além dos muros, eu acho que ultrapassa os 120 mil dólares”, contabiliza. “É um impacto brutal. Não sei se haverá algum fundo para apoiar estas coisas, uma linha de apoio. Temos que ter cuidado para não ir totalmente abaixo”, frisa.

João Paulo Esperança, professor e tradutor, que já nas cheias de 13 de março de 2020 tinha perdido parte da sua coleção de livros e sofrido sérios danos em casa, voltou no domingo a ter a casa cheia de água.

“As inundações foram piores que há um ano. Em 2020 as águas subiram 70 centímetros, agora foi mais de um metro. Voltei a perder livros e muitas coisas ficaram estragadas”, explica, dando conta à Lusa do impacto no seu bairro, Bidau Santana, no centro da capital.

Aqui há muitas casas que estão inundadas. A casa em frente da minha, a água da ribeira partiu-lhes o muro e entrou pela casa adentro. Houve pessoas a tentar que nadar contra a corrente para salvar a família”, descreve.

“Depois de dois anos de inundações, as paredes estão totalmente podres. Vamos ter que encontrar outro sítio enquanto reconstruímos”, lamenta.

Também a delegação da Lusa em Díli foi afetada pelas inundações com danos no chão, parte do sistema elétrico e em mobiliário e outro equipamento.

As histórias são apenas algumas de relatos que se cruzam, com maior ou menor gravidade, um pouco por todo o país. As águas não escolheram nacionalidade ou a riqueza da casa: tanto ficaram afetadas casas rudimentares, ao lado das ribeiras, como apartamentos em complexos caros usados por estrangeiros.

Duas portuguesas, que vivem num desses complexos e que aceitaram falar à Lusa, contam que acordaram com a casa cheia de água, as tomadas a deitar fumo. Uma delas acordou mesmo com o colchão a flutuar.

“Tivemos água acima do joelho. E, depois da água, agora temos a lama. E ainda não sabemos quais são as nossas perdas”, explica, contando que estiveram horas em conseguir sair do local.

Vários portugueses, que tiveram que sair a correr de casa, em alguns casos com água pela cintura, acomodaram-se em casas de amigos ou hotéis, como alguns que foram para o Hotel Timor, onde horas depois se montou uma operação de preparação de comida para centenas de famílias afetadas.

Muitos da comunidade portuguesa, como muitos do resto da comunidade estrangeira, começaram a mobilizar-se ainda no domingo, ajudando diretamente famílias, reunindo comida e roupa para os mais afetados e iniciando campanhas de recolha. As campanhas continuam, algumas com visibilidade mediática, mas muitas outras de cariz individual, com pessoas a fazer refeições quentes, a distribuírem material e comida, a ajudarem vizinhos ou amigos.

De fora de Timor-Leste também se mobilizaram ajudas, com o fluxo noticioso a servir como ponta de lançamento, em vários países, para ofertas de ajuda, incluindo grupos que na Austrália querem mobilizar apoios para enviar para o país.

Tiago Barata, diretor da unidade hoteleira e veterano de Timor-Leste diz que não se lembra de coisa igual, pela quantidade de chuva e por “tanta desgraça que causou no país interior ao mesmo tempo”.

“Houve pessoas que chegaram aqui muito traumatizadas. Achavam que estavam em casas seguras, mas que não resistiram às inundações e à enxurrada”, conta à Lusa.

Mas destaca a onda de solidariedade que se evidencia, com as mesmas pessoas que chegaram depois de deixar a casa, parcialmente danificada, a saírem dos quartos para vir ajudar a preparar refeições para ir entregar a populações deslocadas.

“Impressionante. Só tínhamos dois empregados, porque muitos também tiveram problemas em casa. E para responder a pedidos de ajuda das refeições teve que ser com a ajuda de todo a gente. Pessoas que nunca tinham visto a telefonarem e perguntar se podiam vir ajudar”, sublinha.

“O que vejo com o meu pessoal é que está toda a gente a querer ajudar, incluindo casos peculiares, de timorenses que perderam as casas, mas estão a trabalhar, muito mais horas do que o normal”, explica.

Tiago Barata nota a motivação que muitos mostram, incluindo a de um trabalhador que teve um acidente e enfiou um ferro no pé: “Foi ao hospital tratar-se e voltou para trabalhar e ajudar a fazer as refeições” para quem está deslocado.