Nos dias que antecederam o jogo da primeira mão dos quartos de final da Liga dos Campeões entre o FC Porto e o Chelsea, a atenção dos meios de comunicação social europeus dedicou-se unicamente a um jogador dos dragões: Pepe. O experiente Pepe, que foi campeão espanhol, europeu e mundial no Real Madrid e regressou ao Dragão para ser capitão, líder de balneário e figura maior de uma equipa que recuperou o ADN do clube.

Na BBC, a ideia foi desmistificar a ideia de um Pepe agressivo e implacável. Uma imagem que se solidificou na última década, principalmente nos jogos mais competitivos ao serviço do Real Madrid, mas que em Portugal há muito desapareceu, principalmente devido à personalidade dócil e calma que o central foi demonstrando com a Seleção. A conclusão foi dada por Nelo Vingada, que treinou Pepe no Marítimo: “Ele é a pessoa mais doce do mundo. Muito afável. Mas quando entra em campo, tem uma identidade muito única como jogador. O que, por vezes, não reflete a sua personalidade, a sua natureza, os seus sentimentos”, disse o técnico, num artigo onde Maniche também foi entrevistado.

No The Athletic, a premissa foi dar a conhecer “o Pepe que ninguém conhece”, através da origens do jogador de 38 anos. Num longo texto, onde falam Éder, Paulo Assunção e Rafa Benítez, é apresentado como um exemplo de longevidade que “vive a vida toda, 24 horas por dia, em função do que ama fazer”. Aqui, a conclusão foi dada pelo avançado que marcou o golo que deu o Euro 2016 a Portugal: “Quando entra em campo, entra em modo guerreiro. Luta para vencer e faz o que for preciso. Obviamente que isso significa que pode agir de forma mais dura, mas é o seu trabalho. É da mesma maneira no treino. Quando o defrontamos, ele quer que nós saibamos que ele está lá e que nos vai dificultar a vida. É assim que ele é. Mas Pepe, o homem, é completamente diferente do Pepe que vemos em campo. É introvertido, não fala muito, gosta de estar sossegado, no seu mundo. Não é o tipo que gosta de ser o centro das atenções. Às vezes nem damos por ele numa sala. Ele é muito, muito calmo. É realmente zen”, disse Éder.

Mas só no Brasil, com a TNT Sports, é que Pepe tomou a palavra. Em entrevista, falou sobre os segredos da carreira longe e sempre altamente competitiva, sobre o pendurar das botas que ainda não lhe “passa pela cabeça” e tudo o que aprende com “nutricionistas, cozinheiros, médicos, fisioterapeutas e preparadores físicos”. Mas deixou uma revelação curiosa, sobre as iguarias brasileiras que ainda utiliza no dia a dia. “Gosto de rapadura. Utilizo muito a culinária, principalmente do nordeste brasileiro. Gosto muito de cuscuz. Tenho um amigo que quando vem cá traz-me o mel do sul, que é muito típico da região, e com um mel daqueles estás imune a muitas coisas. É um dos segredos da minha longevidade. Costumo comer um cuscuz com carne seca. Há coisas da gastronomia brasileira de que gosto muito. Também gosto de inhame. Às vezes a minha mão traz escondido na mala quando me vem visitar”, contou Pepe, na antecâmara de mais um jogo europeu para os já assombrosos números da própria carreira.

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Esta quarta-feira, o FC Porto defrontava o Chelsea em Sevilha, no Sanchéz Pizjuán, uma casa emprestada face às restrições de ligações aéreas ainda em vigor. Depois de afastar a Juventus nos oitavos de final, os dragões encontravam um Chelsea que eliminou tranquilamente o Atl. Madrid na ronda anterior e está num bom momento de forma desde que Thomas Tuchel substituiu Frank Lampard. Ainda assim, era um Chelsea que tinha perdido no fim de semana passado pela primeira vez depois de 15 partidas seguidas sem derrotas: um Chelsea ferido no ego e no orgulho mas com vontade de prosseguir a campanha europeia. Sem Sérgio Oliveira (que também está lesionado) e Taremi, ambos castigados, Sérgio Conceição lançava Grujic e Luis Díaz no onze inicial, mantendo a restante espinha dorsal da equipa. Do outro lado, Tuchel mantinha os três centrais mas fazia cinco alterações face à equipa que perdeu com o WBA e colocava Christensen, Rudiger, Chilwell, Mount e Kavertz de início, deixando Kanté, Pulisic e Ziyech no banco.

Os primeiros minutos do jogo mostraram um Chelsea com um ligeiro ascendente, a tentar construir a partir do trio defensivo e explorar mais as alas do que o corredor central, procurando depois explorar a profundidade de Werner e Mount na direita. Era no lado direito, na esquerda da defesa do FC Porto, que os ingleses mais tentavam desequilibrar: Reece James subia muito, respaldado por Azpilicueta nas costas, e Mount tinha uma grande mobilidade entre Zaidu e Pepe. Aí, era Otávio quem acabava por fazer toda a diferença, ao funcionar como uma espécie de segundo lateral que apoiava Zaidu e fechava o corredor. Do outro lado, embora menos pressionado, Corona fazia o mesmo movimento para ajudar Manafá.

Sem que o Chelsea se aproximasse com perigo da baliza de Marchesín durante esses minutos iniciais, as primeiras ocasiões mais perigosas acabaram por pertencer ao FC Porto. No mesmo minuto, Luis Díaz rematou contra um defesa adversário depois de um passe de Marega e Uribe atirou por cima, de fora de área (12′), num instante que potenciou o melhor momento dos dragões na primeira parte. Com Uribe a assumir os movimentos que normalmente pertencem a Sérgio Oliveira, deixando Grujic numa posição mais fixa e recuada, a equipa de Sérgio Conceição estava confortável com a maior posse de bola do Chelsea porque conseguia chegar perto da baliza de Mendy sempre que entrava no meio-campo adversário. Otávio ficou muito perto de abrir o marcador, com um canto que saiu direto à baliza e que obrigou o guarda-redes a uma defesa apertada (24′), e o FC Porto parecia ter toda a capacidade e engenho para discutir a eliminatória com os blues.

Até que a eficácia acabou por fazer toda a diferença. Num par de minutos em que conseguiu resguardar a posse de bola no meio-campo do FC Porto e encostar os dragões aos últimos 30 metros, o Chelsea marcou: Jorginho descobriu espaço com um passe vertical, Zaidu tentou ganhar a frente a Mason Mount mas o movimento rotativo do inglês, sem bola, deixou o lateral para trás. Praticamente isolado, na grande área, Mount atirou rasteiro e bateu Marchesín (32′). Os ingleses colocavam-se a ganhar à passagem da meia-hora, no primeiro remate e na primeira oportunidade de que beneficiaram, e Mount marcava o primeiro golo da carreira nas competições europeias.

Até ao intervalo, o FC Porto reagiu à desvantagem e ainda teve duas oportunidades para empatar, com um remate à meia volta de Corona que foi intercetado por Azpilicueta (43′) e um cabeceamento de Pepe na sequência de um canto que obrigou Mendy a uma boa defesa (43′). No final da primeira parte, o Chelsea estava a ganhar — mas ficava a ideia de que o resultado era muito injusto para tudo aquilo que os dragões tinham criado e apresentado ao longo dos primeiros 45 minutos.

[Veja aqui os golos do FC Porto-Chelsea:]

Na segunda parte, nem Conceição nem Tuchel fizeram alterações e o FC Porto subiu ligeiramente as linhas no relvado — para procurar o empate mas também correndo mais riscos no próprio meio-campo, onde o Chelsea tentava escapar à organização defensiva dos dragões com passes longos em profundidade. Ainda assim, e tal como aconteceu na primeira parte, era o FC Porto quem criava mais perigo e quem ficava mais perto do golo: Marega obrigou Mendy a mais uma defesa, ao rematar cruzado depois de um grande passe de Manafá (51′), e Luis Díaz falhou o alvo por pouco, com um pontapé de fora de área depois de um desequilíbrio do mesmo Manafá (57′).

Nos dragões, a diferença era feita principalmente por dois elementos, apesar da exibição globalmente positiva de toda a equipa: Wilson Manafá e Otávio. Se o primeiro defendia e atacava bem, com uma postura que enchia todo o corredor e encontrava linhas de passe para as costas da defesa adversária, o segundo era a grande ligação entre o meio-campo e o ataque. O médio brasileiro estava presente nas coberturas defensivas e nas incursões ofensivas, organizando todo o jogo do FC Porto como um verdadeiro maestro. A influência de Otávio era sentida até nos lances em que não participava, quando ficava visivelmente irritado quando uma oportunidade não dava golo ou não concordava com uma decisão da equipa de arbitragem.

Ciente de que o Chelsea estava a perder bola e qualidade com o passar dos minutos — e de que o FC Porto estava a dominar toda a segunda parte –, Thomas Tuchel mexeu pela primeira vez à passagem da hora de jogo e trocou Werner e Havertz por Pulisic e Giroud, refrescando a frente de ataque. O relógio ia avançado, com Marega a forçar Mendy a outra defesa com mais um remate (69′), mas nem os ingleses reagiam nem os portugueses empatavam. Sérgio Conceição não mexia e Tuchel dava a ideia de que estava totalmente satisfeito com o resultado, lançando Kanté e Thiago Silva para os lugares de Mount e Reece James.

O treinador dos dragões mexeu pela primeira vez pouco depois e lançou uma armada: entraram Francisco Conceição, Fábio Vieira e Toni Martínez, saíram Manafá, Otávio e Marega, com Corona a render o lateral na direita da defesa. E acabou por ser o mexicano, de forma inglória, a permitir o segundo golo do Chelsea. Logo depois de Pulisic acertar no poste (84′), Corona errou, recebeu mal a bola e perdeu-a para Ben Chilwell, que seguiu em direção à baliza, tirou Marchesín da frente e encostou para a baliza deserta (85′). Sem que os três jogadores acabados de entrar tivessem sequer tocado na bola, o FC Porto viu uma tarefa que parecia atingível tornar-se muito mais complexa, até porque os dois golos foram teoricamente marcados em casa dos dragões.

O FC Porto jogou bem, jogou melhor durante a segunda parte e teve inúmeras ocasiões para marcar mas acabou por não resistir à eficácia do Chelsea, que aproveitou os escassos espaços que teve para marcar dois golos. Os dragões partem agora em desvantagem para a segunda mão dos quartos de final da Liga dos Campeões, num jogo em que o objetivo será difícil de atingir mas está longe de ser impossível. Corona não merecia aquele erro — e este FC Porto, pelo que voltou a mostrar, merece muito mais.