A auditoria interna do Novo Banco não encontrou evidências da existência de um processo ou norma interna que permitisse garantir que não existiam transações com partes relacionadas, revelou o antigo diretor deste departamento, Luís Seabra, no Parlamento, esta quinta-feira. Este foi um dos findings (conclusões) da auditoria realizada à primeira grande venda de carteiras de créditos protegidos pelo mecanismo de capital contingente, a Nata I, e que que deu origem a perdas que foram cobertas pela chamada de capital ao Fundo de Resolução.

As condições de gestão destes ativos interditam a venda a partes relacionadas com o acionista privado do Novo Banco, o fundo americano Lone Star. A identidade dos beneficiários últimos destas aquisições é uma das dúvidas que rodeia estas vendas feitas muitas vezes a valores de desconto face ao balanço e cujo escrutínio é um dos objetivos do inquérito parlamentar ao Novo Banco.

Luís Seabra, diretor da auditoria interna do Novo Banco entre 2018 e julho de 2020, revelou também que a auditoria independente conduzida pela Deloitte à gestão do banco e dos ativos ditos problemáticos foi feita sem a colaboração da auditoria interna do próprio banco. Quando há uma auditoria independente, não se faz a mesma auditoria. “Tentamos ser complementares e não estar em sobreposição”.

Questionado sobre o que a auditoria interna fez perante a desvalorização significativa de imóveis registada antes de serem vendidos, Luís Seabra respondeu à deputada do PSD, Filipa Roseta que enquanto esteve em funções o departamento não auditou vendas de carteiras de imóveis abrangidas pelo mecanismo de capital contingente. No entanto, quando saiu em julho de 2020 estava em curso uma inspeção à venda das carteiras de imóveis abrangidos pelo acordo de capital contingente.

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Já a auditoria concluída em 2020 à venda dos créditos realizada em 2018, e que ficou conhecida pelo Nata I, verificou a inexistência de uma regra de verificação sistemática de quem são os beneficiários últimos que compraram estes créditos. Isso não quer dizer, clarificou, que tenham sido encontradas violações em operações com partes relacionadas nas amostras analisadas. A auditoria recomendou a criação de uma norma interna para regular os processos relativos a operações com partes relacionadas e de gestão de conflitos de interesse, o que terá sido feito, admite, sublinhando que os responsáveis do banco mostraram-se disponíveis para melhorar procedimentos.

Apesar das insuficiências detetadas ao nível do controlo interno, a auditoria deu nota suficiente à operação Nata I, não se tendo verificado um incumprimento de normas na matéria concreta de desvalorização dos ativos. Luís Seabra assegurou ainda que houve várias auditorias, pelo menos 10, que resultaram num nota insatisfatória à atuação e processos adotados pelo banco.

A Nata I foi a primeira grande venda em pacote de ativos não produtivos (créditos em risco) feita pelo Novo Banco. A operação realizada em 2018 envolveu mais de 100 mil exposições de crédito que foram compradas pelo consórcio KKR/LX Partners por 505 milhões de euros. E gerou perdas de 110 milhões de euros, dos quais cerca de 85 milhões de euros foram cobertos pelo Fundo de Resolução.

Já a auditoria que incidiu sobre transações de imóveis individuais detetou vendas a dois colaboradores do banco que não cumpriram os procedimentos previstos para estes casos, revelou a Cotrim de Figueiredo da Iniciativa Liberal. Na sequência destas situações, a gestão do Novo Banco colocou em marcha uma inspeção mais detalhada para assegurar que estavam a ser asseguradas as regras para operações com partes relacionadas.

Confrontado com a nota da Deloitte sobre a inexistência de normas internas para avaliar de forma sistemática da venda de ativos a eventuais partes relacionadas, Luís Seabra confirma que as duas auditorias realizadas em 2020, e que referiu, concluíram que não existia uma norma para regular as transações com partes relacionadas.

Luís Seabra confirma assim que a norma geral sobre transações com partes relacionadas não foi aplicada no caso do Nata. Então essa norma não foi cumprida? (pergunta Mariana Mortágua do BE). Entendeu-se que não se devia aplicar uma norma transversal sobre as transações com partes relacionadas, mas sim uma norma específica para este caso, sublinhou. E revelou que o plano para 2020/21 previa uma ação específica de auditoria à relação com partes relacionadas, porque essa foi considerada uma prioridade.

Fundo de Resolução pediu auditorias a dívidas de Luís Filipe Vieira, de José Guilherme e Tricos

O ex-diretor da auditoria interna confirmou ainda à deputada do Bllco que o Fundo de Resolução pediu auditorias aos processos relativos a dois dos devedores mais famosos do BES/Novo Banco. Um deles foi a Promovalor, empresa controlada pelo presidente do Benfica, o outro foi a José Guilherme (construtor da Amadora que ficou famoso pela liberalidade dada a Ricardo Salgado) e à Invesfundo. No primeiro caso, o Novo Banco decidiu que a auditoria devia ser externa, mas só este ano foi atribuída a tarefa à BDO depois de se concluir que a PwC não o podia fazer.

No caso da Promovalor, o Fundo de Resolução quer uma auditoria à concessão de crédito, que apanha o tempo do BES, mas também à reestruturação feita em 2017 já com António Ramalho na presidência do banco. Em resposta ao deputado do PCP, Duarte Alves, indicou ainda que foram pedidas auditorias a outros clientes, um deles foi o grupo Tricos cuja dívida esteve para ser vendida no Nata II, mas acabou por ser retirada.

Luís Seabra foi diretor do departamento de auditoria interna do Novo Banco até julho do ano passado, tendo saído na fase final de elaboração da primeira auditoria independente pela Deloitte. De acordo com o jornal Público, Seabra terá tido divergências com a gestão de António Ramalho sobre a condução destes trabalhos. No entanto, o antigo responsável do Novo Banco afastou qualquer divergência “estratégica” com a administração do banco, justificando a sua saída com o desejo pessoal de abraçar um novo desafio profissional no setor financeiro (na área da saúde).

Antes de dirigir a auditoria interna do banco, Luís Seabra trabalhou no departamento de risco entre 2006 e 2014, tendo apanhado a fase de concessão de créditos do tempo do Banco Espírito Santo. No entanto, clarificou ao deputado João Paulo Correia do PS, que a sua responsabilidade era na definição de modelos de base coletiva de crédito e não de clientes individuais, pelo que desconhece eventuais falhas no processo de atribuição de empréstimos aos devedores mais mediáticos do Banco Espírito Santo.

No entanto, o ex-responsável garantiu que no Novo Banco os procedimentos de aprovação de crédito mudaram e a “voz do risco começou a ser ouvida”, com o administrador deste pelouro a ter assento no conselho de crédito. Segundo Luís Seabra, deixaram de ser aprovadas operações de concessão de crédito às quais o risco tinha dado má nota. O que não acontecia no tempo do BES.