As situações em que um deputado pode suspender o seu mandato vão ser alargadas, passando a permitir que possam ser substituídos se concorrerem a outros órgãos, como André Ventura tentou (sem sucesso) fazer quando foi candidato presidencial. Graças a uma conjugação de votações — uma delas de todos os partidos contra o PS, outra com o aval dos socialistas — a lista de casos em que os deputados podem fazer-se substituir passa a ser muito mais ampla.

Até agora, a substituição temporária só se podia colocar em três cenários: doença grave, mas apenas por um período de um a seis meses; licença de paternidade ou maternidade; e uma acusação criminal. Com estas alterações, e segundo a votação que se confirmará esta tarde na generalidade, passará a ser possível que os deputados se façam substituir caso decidam concorrer à presidência da República, aos Parlamentos regionais dos Açores e da Madeira ou a autarquias (proposta do PAN); caso sofram de uma doença por tempo superior a um mês mas também ao teto máximo dos seis meses, desde que com motivo justificado; e, no geral, caso tenham motivos “ponderosos” (versão do PSD) ou “revelantes” (segundo o CDS) de natureza familiar, profissional ou académica.

A proposta mais consensual é a do PAN, que o PS decidiu viabilizar com uma abstenção. O que os socialistas viram como uma vantagem, por ser uma alteração mais “cirúrgica”, foi motivo de crítica por outras bancadas, como o PCP, que a considerou “muito limitada”. As outras, que tornam a lei muito mais abrangente, foram propostas por PSD e CDS e aprovadas por maiorias contra o PS.

A discussão, que volta recorrentemente desde que foram aprovadas as alterações que resultaram nesta versão do Estatuto dos Deputados, em 2006, foi reavivada há meses, por causa de André Ventura. O deputado único do Chega pedira para ser substituído por um dos seus vices, Diogo Pacheco Amorim, enquanto fazia campanha para as eleições presidenciais. A situação resultou num imbróglio jurídico: na verdade, vários partidos, do PSD ao PCP, até acreditavam que Ventura devia ter direito a ser substituído, mas constatavam que a lei não o permitia; João Almeida, do CDS, até fez um parecer em que defendia a solução, mas que não colheu (acabou por ser feito um segundo parecer, por Pedro Delgado Alves, do PS, em sentido contrário).

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

E foi na sequência disto que os partidos decidiram voltar à carga e alterar a lei, desta vez com sucesso, pelas contas do Observador. Durante o debate desta quinta-feira, no Parlamento, o PCP voltou aliás à posição que transmitira em 2006, contra os moldes atuais da lei: “Nós não somos bruxos, mas também não precisávamos de o ser para adivinhar isto”, gracejou João Oliveira, referindo-se também ao caso de Ventura: “Não é preciso procurar entorses na lei para resolver situações. Se a lei é absurda, é preciso alterá-la”.

De acordo esteve o PSD, que comparou o PCP ao vidente francês Nostradamus mas esteve em sintonia com os comunistas: a lei é “absurda” e a posição socialista “de um conservadorismo atroz”. Bloco, Chega, CDS e PEV estiveram de acordo, tendo confirmado ou durante o debate ou ao Observador que irão viabilizar os projetos.

Isolado na crítica às propostas mais abrangentes, do PSD e do CDS, ficou o PS, que pela voz do deputado Jorge Lacão defendeu que não se olhasse para esta alteração como se fosse apenas “de natureza quase humanitária, preocupada com a temática da doença prolongada”, concluindo que os deputados “não podem”, “muito clara e inequivocamente”, “livremente suspender o seu mandato”, sob o risco de serem “instrumentalizados pelos partidos” numa rotatividade que mais parece um “carrossel”. Para suspender o mandato seria necessário, diz o PS, ancorar o pedido em “razões maiores”. Os outros partidos não concordam.