O desabafo é de um professor de língua portuguesa: “a população de Laclubar precisa de ajuda urgente, porque estamos isolados”, conta à Lusa explicando que na localidade no centro do país, não chegou ainda qualquer apoio.

“O desastre das cheias estragou as estradas, pontes e muitas casas”, explica Francisco Reis, professor de língua portuguesa em Díli, mas que está retido em Laclubar há mais de um mês, impedido pela cerca sanitária na capital.

Há 54 famílias que perderam as casas e estão alojadas em escolas e em lugares seguros, mas ainda não temos qualquer ajuda por parte do Governo ou de qualquer outra organização”, explicou.

Cinco dias depois das cheias que afetaram quase uma dezena de municípios em Timor-Leste, tanto a informação como as imagens que têm circulado, estão quase limitadas a Díli, ainda que em muitos locais a população esteja a sofrer tanto ou mais que na capital.

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“Não é são as pessoas que ficaram sem casa. O resto da população de Laclubar está com carências porque não temos estradas e estamos isolados e começa a faltar comida”, contou.

De acordo com Francisco Reis, falta luz, água e comida. E quem perdeu a casa, perdeu tudo ou quase tudo e está com a roupa que tem no corpo, com famílias acolhidas em escolas e outros locais onde não chegou a água e a lama.

Sem ajuda de peso, a comunidade está a fazer o que pode com o administrador e as autoridades locais do posto administrativo de Laclubar, a cerca de 50 quilómetros sul de Manatuto, a capital do município com o mesmo nome, a tentar reparar linhas elétricas, a remover árvores, lama, pedras e lixo.

“Ainda anda uma equipa, com as autoridades locais, a recolher dados das zonas mais isoladas, neste momento em Laclubar não conseguimos movimentação de transporte porque as estradas à volta, em cerca de quatro quilómetros e as pontes estão muito danificadas”, contou Filipe Reis.

“Necessitamos de apoio urgente, para a população em geral. Ainda que a comunidade esteja a trabalhar em conjunto com as autoridades locais para resolver alguns problemas, não conseguimos fazer mais”, disse.

De alguns pontos do país, e nos últimos dias, vão chegando à Lusa pedidos para dar conta da situação das populações, muitas já com dificuldades em situações normais mas que agora, devido ao mau tempo, estão a viver situações de emergência.

O Governo timorense não só ainda não recolheu toda a informação da situação fora de Díli como, em muitos casos, não tem meios suficientes para responder, tendo decidido agora pedir o apoio internacional.

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“Foi o impacto da cerca sanitária em Díli que já deixou a situação complicada. E agora este desastre. O mais grave é que não sabemos como vamos fazer chegar cá apoios por causa das estradas”, explicou.

As cheias que assolaram Timor-Leste causaram pelo menos 42 mortos e mais de 14 mil deslocados só em Díli, tendo o Governo declarado situação de calamidade.

Avião com apoio urgente ainda sem autorização para aterrar em Díli

Um empresário australiano fretou um avião para transportar medicamentos e outros materiais urgentes recolhidos na Austrália para apoiar Timor-Leste, mas ainda não obteve autorização do governo timorense para aterrar em Díli.

Fonte envolvida na organização da viagem confirmou à Lusa que o pedido de aterragem do voo na segunda-feira já foi formulado às autoridades em Díli, mas que “até ao momento ainda não foi dada a autorização”.

O voo “charter” foi oferecido pelo diretor da empresa Sentinel e cônsul honorário de Timor-Leste em Queensland, Craig Thrupp, com a coordenação da operação a ser feita pelo veterano Michael Stone.

A bordo devem seguir as primeiras de várias toneladas de material médico e humanitário doado por australianos e timorenses residentes na Austrália numa campanha voluntária iniciada em resposta às notícias das cheias que afetaram Timor-Leste.

A embaixadora de Timor-Leste em Camberra, Inês Almeida, disse à Lusa que os bens foram doados por australianos e pela comunidade timorense, especialmente em Darwin.

A forma como as pessoas se juntaram neste nosso momento de necessidade é um exemplo de quão estreitos são os laços entre australianos e timorenses. Estamos gratos pela generosidade e ajuda humanitária oferecida até agora”, disse.

A diplomata destacou o apoio de Craig Thrupp e major Michael Stone por coordenar o voo charter.

Além da carga que virá com avião, devem partir na próxima semana de Darwin, por via marítima, pelo menos dois contentores com bens doados pela comunidade de Darwin.

A campanha de recolha foi iniciada por Rosa Horta Carrascalão, viúva do líder histórico timorense João Carrascalão, que disse à Lusa que a comunidade de Darwin “abriu o coração” e tem estado a entregar e a preparar toneladas de bens para enviar para Díli.

“O nosso clube é enorme e está cheio de coisas, roupa, baterias, colchões, até veio alguém perguntar se aceitavam cadeiras de rodas e outros. Muitos estão a entregar e depois muitos estão a ajudar a empacotar e preparar para o envio”, referiu.

Os bens encheram o espaço do Portuguese and Timorese Club em Darwin e estão agora a ser colocados em caixas etiquetadas para facilitar a distribuição em Díli.

Uma ajuda preciosa é agora a de Franky Zayat, um tunisino da empresa ACR Parts, que ofereceu os contentores “que sejam necessários” para o transporte em Díli e que explicou à Lusa que toda a gente se está a mobilizar.

“Está toda a gente a ajudar. Eu sou africano, mas agora somos todos timorenses. Aqui estamos todos, lado a lado. Não importa de onde somos, somos todos ser humanos. Vamos meter os contentores que forem precisos para partirem já na próxima semana”, explicou.

A campanha de Rosa Carrascalão é apenas uma de várias dezenas de iniciativas em curso para angariar apoios para as vítimas das cheias.

Em Timor-Leste, timorenses e estrangeiros continuam a mobilizar-se numa ação de solidariedade sem precedentes para apoiar deslocados e as famílias afetadas.