O crime organizado na União Europeia (UE) está a ficar mais violento e a corrupção é uma característica da quase totalidade das operações das redes de criminosos, conclui um estudo da Europol.

Um relatório da agência europeia de polícia Europol, divulgado esta segunda-feira, EU SOCTA 2021, diz que mais de 80% das redes criminosas que operam na UE estão envolvidas em tráfico de droga, fraude fiscal, crime contra a propriedade, tráfico de seres humanos e contrabando de migrantes, recorrendo a métodos cada vez mais violentos e servindo-se de práticas de corrupção generalizadas.

O estudo sobre a criminalidade organizada e violenta na UE — intitulado “Uma influência corruptora: a infiltração e a subversão da economia e sociedade da Europa pelo crime organizado” — revela que “a corrupção é uma característica da maioria, se não da totalidade, da atividade criminosa na UE“, explicando que essa corrupção existe “em todos os níveis da sociedade e pode variar desde o pequeno suborno até à corrupção complexa com esquemas de milhões de euros”.

A par do recurso à corrupção, a maioria das redes criminosas que atuam na Europa está a usar a violência como prática “recorrente, intensificada e indiscriminada”, incluindo uso de armas de fogo e explosivos em locais públicos, conclui o relatório da Europol, com base em dados fornecidos pelas diferentes forças policiais europeias, relativos a 2020.

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Na análise à situação recente, a agência europeia de polícia considera que “a escala e a complexidade da lavagem de dinheiro” na criminalidade organizada na UE foi até agora “subestimada”.

“Profissionais na lavagem de dinheiro estabeleceram um sistema financeiro paralelo e subterrâneo para processar transações e pagamentos de forma isolada de qualquer mecanismo de supervisão”, pode ler-se no relatório.

A Europol explica que esta criminalidade organizada usa frequentes vezes empresas legítimas, para facilitar virtualmente todos os tipos de atividades punidas por lei, com forte impacto na economia da UE.

“Os criminosos controlam diretamente, ou infiltram, estruturas jurídicas de negócios para facilitar as suas atividades ilícitas. Todos os tipos de empresas são potencialmente vulneráveis à exploração pelo crime organizado”, explica o estudo.

As redes criminosas servem-se cada vez mais das tecnologias digitais para realizar as suas ações, nomeadamente através de comunicações encriptadas nas redes sociais e dos serviços de mensagens eletrónicas, por exemplo, para disseminar informação falsa ou para ciberataques, conclui a Europol.

O tema dos ciberataques ocupa parte do relatório da Europol, que refere o aumento do recurso a este género de criminalidade em 2020, avisando que muitos desses ataques informáticos não são sequer relatados às autoridades de segurança. Com o uso de ferramentas digitais, as redes criminosas podem estender com mais facilidade os seus tentáculos e fornecer amplitude acrescida à sua atividade.

“Mais de 180 nacionalidades estão envolvidas em atividades de criminalidade organizada na UE”, conclui o relatório, referindo a natureza multicultural desse género de crime.

A organização policial alerta ainda para o risco de estas práticas criminosas poderem aumentar nos próximos anos, em função de uma previsível crise económica decorrente da pandemia de Covid-19.

“Anteriores períodos de crise económica podem fornecer algum grau de perceção sobre como estes desenvolvimentos podem afetar o crime na UE e quais as respostas que precisam de ser formuladas para combater as ameaças existentes e emergentes para a segurança interna”, avisa a Europol.

No que diz respeito ao negócio organizado da droga, a Europol disse ter detetado um aumento do tráfico de cocaína, em grande parte oriunda da América Latina, que está a “gerar lucros multimilionários”. Também o tráfico de cannabis e de drogas sintéticas preocupa as autoridades policiais europeias, que registam um aumento de volume de atividade criminosa neste setor.

A Europol alertou também para o “aumento contínuo de atividades relacionadas com o abuso sexual infantil ‘online'”, bem como os “serviços de tráfico de migrantes”, uma vez que “o recrutamento de vítimas e a publicidade de serviços ocorrem quase inteiramente no domínio online”.

A organização europeia de polícia considera que, no que diz respeito ao tráfico de seres humanas, está a diluir-se “a fronteira entre a vítima e o cúmplice”, com vítimas do sexo feminino a adotarem muitas vezes funções nas organizações criminosas.

Europol alerta para efeitos da recessão económica no aumento do crime organizado na UE

Na sequência da divulgação do relatório EU SOCTA 2021, a Europol manifestou grande preocupação com a situação atual do crime grave e organizado na União Europeia , alertando para “o grande potencial” da recessão económica provocada pela pandemia de Covid-19 para aumentar este tipo de crimes.

A diretora executiva da Europol, Catherine De Bolle, que intervinha no lançamento do Relatório de Avaliação da Ameaça do Crime Grave e Organizado na UE (SOCTA), disse estar “muito preocupada com as conclusões desta análise” efetuada pela polícia europeia.

Embora os cidadãos europeus apresentem os “níveis mais altos de segurança e prosperidade no mundo”, os Estados-membros da UE continuam a enfrentar “graves desafios para a sua segurança interna, que poderão levar ao retrocesso de algumas das conquistas comuns e prejudicar valores e ambições europeias“, alertou a responsável.

“A atual crise e queda do potencial económico e social ameaçam criar condições ideais para a disseminação do crime organizado na UE”, alertou a responsável, acrescentando que “a pandemia de Covid-19 tem atuado como catalisador na emergência dos novos esquemas fraudulentos online”.

O relatório hoje divulgado pela Europol demonstra que “as estruturas criminosas são mais fluídas e flexíveis do que anteriormente se pensava e [que] as suas operações são de longo alcance”, uma vez que os grupos criminosos atuam a partir do uso de tecnologias e “utilizam comunicações encriptadas para se conectarem uns com os outros”.

“O que aprendemos com a última recessão económica é que o crime organizado se torna mais forte quando somos confrontados com crises financeiras“, apontou Catherine De Bolle, alertando para “o grande potencial” da recessão económica provocada pela pandemia de Covid-19 para “facilitar o aumento do crime organizado na UE”.

É necessário, por isso, que os Estados-membros e as instituições europeias façam “muito mais do que têm feito”, defendeu a responsável, apelando para uma “ação conjunta” dos Estados-membros para combater o crime grave e organizado na UE.

Combate ao crime organizado exige melhor cooperação entre Estados-membros

A comissária europeia dos Assuntos Internos, a diretora da Europol e os ministros da Justiça e da Administração Interna portugueses são unânimes em considerar que é necessário fazer mais e cooperar melhor para combater a disseminação da criminalidade organizada.

Na apresentação do relatório, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, sublinhou a importância da cooperação e da partilha de informações no espaço europeu, numa época em que os crimes, como terrorismo, abusos sexuais de crianças, venda contrafeita de vacinas, se cometem cada vez mais no espaço digital, o qual não conhece fronteiras e estão a afetar todos os países da UE.

“Não há segurança sem justiça, nem justiça sem segurança”, disse Van Dunem, destacando que a criminalidade altamente organizada está a aumentar durante este período de pandemia.

Por sua vez o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse que está para breve a conclusão, ainda na presidência portuguesa, da regulamentação dos conteúdos ‘online’ sobre terrorismo, considerando que os resultados apresentados pelo relatório fazem parte de “uma plataforma de trabalho futuro”.

Não devemos ficar pela discussão de princípios com os quais todos concordamos. Tal como as nossas sociedades estão num período de transição digital, também o crime está em transição digital, e por isso é tão importante que possamos concluir o nosso trabalho na regulação dos conteúdos terroristas ‘online'”, afirmou Eduardo Cabrita.

Destacando os avanços conseguidos nos últimos anos nesta área, o ministro deu como exemplo de um objetivo concreto a alcançar, a possibilidade de se poder eliminar em menos de uma hora mais de 90% dos conteúdos terroristas detetados online. “Devemos usar este exemplo noutras áreas, como o abuso de crianças ou nos crimes económicos”, desejou.