Numa conversa telefónica gravada, que foi divulgada este domingo por um senador brasileiro, Jair Bolsonaro mostra receio de que a comissão de inquérito à pandemia resulte num “relatório sacana” e pede, por isso, que o Senado inclua governadores e prefeitos na lista de audições. Mas vai mais longe, tentando que houvesse pressão sobre um tribunal superior para que alguns juízes fossem afastados.

A comissão parlamentar de inquérito (CPI), ordenada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tem como objetivo investigar eventuais falhas do governo federal no combate à pandemia. Mas o presidente do Brasil quer que o âmbito da comissão seja alargado, tendo pressionado nesse sentido o senador Jorge Kajuru, do partido Cidadania. Foi este mesmo senador, eleito por Goiás, que decidiu divulgar a gravação.

“Se não mudar o objetivo da CPI, ela vai vir para cima de mim”, disse Jair Bolsonaro na conversa telefónica, citada pela Globo. “O que tem que fazer para ser uma CPI útil para o Brasil — mudar a amplitude dela, bota presidente da República, governadores e prefeitos” disse Bolsonaro.

Jorge Kajuru respondeu que era essa a intenção. “A gente pode convocar os governadores. Não abro mão de ouvir os governadores em hipótese alguma”, disse o senador.

E Bolsonaro continuou. “Se não mudar, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana”, disse o presidente brasileiro.

Eduardo Pazuello foi o ministro da saúde no Brasil durante boa parte da pandemia, tendo deixado o cargo na sequência da crise de falta de oxigénio em Manaus, pela qual está a ser investigado pela polícia.

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Nesta conversa, em que Bolsonaro diz não ter “nada a esconder”, o presidente brasileiro pede ao senador Jorge Kajuru para que pressione o Supremo Tribunal Federal. Bolsonaro quer que o STF emita uma ordem ao Senado para que analise pedidos de impeachment de juízes desse mesmo tribunal. A lei brasileira prevê que, tal como em relação a políticos, estes juízes indicados por presidentes brasileiros para tribunais superiores possam ser afastados.

“Uma coisa importante, vamos lá — você tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto é um limão que está aí, dá para ser uma limonada. Tem que que peticionar o Supremo para botar em pauta o impeachment” dos juízes, pediu o presidente Bolsonaro. Jorge Kajuru respondeu que já tinha feito pressão para que o juiz Alexandre de Moraes fosse investigado.

Quase um dia depois da gravação ter sido divulgada, Bolsonaro garantiu que não sabia estar a ser gravado. “Qual interesse eu teria em combinar ele me gravar? Foi ele que ligou pra mim. Em nenhum momento ele falou “Estou gravando aqui””, garantiu Bolsonaro, citado pela Globo.

Já o senador Jorge Kajuru, questionado mais tarde pela revista Época se se arrependia de ter divulgado a gravação, justificou-se: “Nem um minuto. No dia da eleição do Rodrigo Pacheco, avisei na tribuna que eu gravaria toda conversa minha com político. Vejo que as pessoas no meio político falam com você uma coisa, e depois na tribuna falam outra. Como eu achei que a conversa com o Bolsonaro teve conteúdo, eu coloquei no ar. Avisei ao presidente 20 minutos antes da divulgação. Se ele falasse para não colocar, evidentemente eu não divulgaria”.