Sérgio Monteiro, consultor contratado pelo Banco de Portugal para liderar a venda do Novo Banco, revela que a expetativa em 2017 era a de que as perdas nos ativos protegidos pelo mecanismo de capital contingentes fossem um pouco superiores a 1,5 mil milhões de euros. Esta estimativa é cerca de metade do montante já pedido ao Fundo de Resolução, mas não equivale às chamadas de capital previstas, mas sim à dimensão das perdas que poderiam justificar esses pedidos.

O antigo governante do PSD/CDS admitiu no Parlamento esta terça-feira que a venda acelerada de ativos após venda terá gerado mais perdas. Monteiro afirmou ainda que a Comissão Europeia não acreditava na viabilidade do Novo Banco por isso exigiu uma solução mais lata que autoriza o Estado a meter mais capital, em caso de cenário adverso. E deixou em aberto a possibilidade, prevista na lei geral, de o Estado invocar a pandemia como condição excecional para rever o equilíbrio do contrato de venda assinado há quatro anos.

1.500 milhões de euros. “Esta seria a utilização máxima do ponto de vista do capital, mas não era expetável que a totalidade fosse utilizada”, isto porque também se esperava que os requisitos de capital exigidos pelo Banco Central Europeu fossem reduzidos. Esta expetativa, acabou por não se concretizar, referiu o ex-secretário de Estado esta terça-feira na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco, em respostas à deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua.

O mecanismo de capital contingente criado no contrato de venda à Lone Star em 2017 prevê que o banco venha a a receber capital público (do Fundo de Resolução) na medida em que as perdas em ativos protegidos tenham impacto nos rácios de capital. O mecanismo tem um teto de 3,89 mil milhões de euros, dos quais o Novo Banco já recebeu quase 3.000 milhões de euros — quase o dobro do previsto inicialmente — estando em avaliação um novo pedido de quase 600 milhões de euros. Até final de 2019, segundo a auditoria da Deloitte, as perdas verificadas nos ativos abrangidos por este mecanismo totalizaram 3,6 mil milhões de euros, mais do dobro do esperado em 2017. As injeções do Fundo deixaram 640 milhões de euros de perdas sem cobertura.

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Auditoria da Deloitte ao Novo Banco indica perdas de 640 milhões não cobertas pelo Fundo de Resolução

Já no final da audição, Sérgio Monteiro clarifica que os 1.500 milhões de euros de perdas nos ativos eram uma estimativa feita pela gestão do Novo Banco e que “não correspondia à expetativa de utilização do mecanismo de capital contingente” , que podia ser inferior e dependia de vários fatores como as exigências dos reguladores.

Hoje é evidente que os ativos viram o seu valor reduzido desde a data da venda. “Houve perdas muito significativos naqueles ativos”, ainda que estivessem bem valorizados à data da venda. O ex-consultor recusa a tese de que a venda transforma ativos bons em perdas, mas admite em resposta a Cecília Meireles do CDS, que as torna evidentes.  “Admito que a aceleração da venda destes ativos — por via da entrada da Lone Star — tenha esse efeito“. Isto porque se passa de uma contabilidade de continuidade dos ativos no balanço para uma de saída desses ativos, o que tem um “impacto negativo do ponto de vista do capital”.

Quando questionado sobre o que correu mal, foi mais contundente, apontando o facto de (por imposição das autoridades europeias) o prazo para a reestruturação do Novo Banco ter sido “severamente encurtado”, o que levou a “despejar” no mercado um conjunto relevante de ativos. “Há uma diferença entre os oito e os três anos que é “muito significativa” para o valor dos ativos. Recordou ainda as metas agressivas do regulador europeu, a EBA, para reduzir o rácio de crédito em incumprimento (NPL), o que também apressou a limpeza do balanço.

Governo estava consciente de que mecanismo teria impacto orçamental, mas Monteiro explica argumento de que não há custo para o contribuinte

O responsável pela montagem da operação defendeu contudo que o mecanismo de capital contingente que é “muito melhor” do que a garantia pedida pela Lone Star para cobrir todas as perdas que fossem geradas na carteira de ativos de risco (chamada de Legacy) no valor de 7,8 mil milhões de euros. “Foi o melhor mecanismo possível” que foi considerada positivamente pelas autoridades estatísticas. Se fosse uma garantia, os 3,89 mil milhões de euros teriam impacto imediato nas contas públicas, assim evitou-se “colocar logo um fardo sobre os contribuintes”.

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O antigo secretário de Estado foi confrontado pela deputada do Bloco com as declarações que fez no Parlamento em 2017 sobre as orientações que recebeu do Governo socialista para que a venda não tivesse impacto orçamental. Na altura afirmou:

“A orientação que recebemos desde muito cedo, e que foi uma restrição ativa, do processo de venda, foi a de que no momento da assinatura, não poderia haver qualquer impacto orçamental.”

Agora Sérgio Monteiro refere que a orientação geral dada era a de que não houvesse impacto presente ou futuro, mas acredita que o Governo e a Comissão Europeia tinham consciência de que o mecanismo teria impacto nas contas públicas quando fosse usado. E havia à data a expetativa de que a injeção para cobrir perdas poderia chegar aos 1.500 milhões de euros.

Quando confrontado com as declarações do primeiro-ministro de que a alienação não traria custos para os contribuintes, Monteiro que veio de um Governo do PSD/CDS, justifica o racional por trás da afirmação de António Costa. “Julgo que se referia ao facto de o Fundo de Resolução ser financiado pelas contribuições dos bancos”, a quem compete a longo prazo pagar os empréstimos feitos agora pelo Estado.

“O custo (com o Novo Banco) é levado ao ao défice, mas não há dinheiros de impostos”.

Sérgio Monteiro alinha ainda com os argumentos já usados pelo ex-ministro das Finanças, Mário Centeno. “Posso testemunhar que a venda do Novo Banco foi muito importante para o rating da República (com impacto favorável nos juros pagos). Tenho orgulho de ter participado no processo”. Mas acaba a audição a elogiar os dois dirigentes que disseram não ao ex-presidente do BES (Pedro Passos Coelho e Carlos Costa).

Para o ex-consultor, a principal condicionante na venda do Novo Banco em 2017  era a qualidade do ativo e não a orientação política. “Estando longe do cenário ideal, foi o cenário possível”, reconheceu usando uma frase do deputado da Iniciativa Liberal, Cotrim de Figueiredo, já em resposta ao deputado do PS, Miguel Matos.

Sérgio Monteiro foi questionado pelo deputado do PSD, Hugo Carneiro, sobre se a alteração anormal de circunstâncias, devido à pandemia, pode ser invocada pelo Estado para não pagar a fatia de perdas que o Novo Banco atribui ao impacto da Covid-19, de mais de 200 milhões de euros em 2020. O ex-consultor indica que qualquer contrato obedece à lei geral. “Estou certo que se houver esse espaço, o Bando de Portugal e o Fundo de Resolução estarão a caminhar nesse sentido”.

Bruxelas não acreditava na viabilidade do banco e exigiu plano a longo prazo com mais dinheiro do Estado

Segundo Sérgio Monteiro, a Comissão Europeia “não acreditava na viabilidade do banco, nem no plano de negócios da Lone Star”. Considerava que as imparidades iam ser superiores às previstas e que a margem financeira ia ser inferior por pressão dos bancos concorrentes. Por isso, exigiu uma solução de mais longo espectro, que envolvia ajuda de Estado mas ainda dentro do processo de 2014 que criou o Novo Banco, respondeu ao deputado do PSD, Alberto Fonseca.

Novo Banco. Acordo com Bruxelas admite dinheiro do Estado em último recurso

É uma referência à cláusula de backstop (último recurso) previsto no contrato de venda, caso fosse necessário a injeção de mais capital para cumprir rácios, para além do contratado no mecanismo de capital contingente. Se não surgir capital privado, o Estado está a autorizado a meter mais dinheiro, confirma Monteiro para quem, contudo, trata-se de uma autorização e não de uma obrigação. Admite contudo que se não for feita, a alternativa será a liquidação do Novo Banco.

O ex-consultor sublinhou que foi a Comissão Europeia a travar a existência de administradores do Fundo de Resolução no Novo Banco após a venda. “A DG Comp opôs-se liminarmente, dizendo que exerceriam uma magistratura de influencia para minimizar as perdas levadas ao mecanismo de capital contingente.”

Ainda questionado sobre o plano B que referiu em 2017 no caso de um eventual falhanço na venda, pelo deputado do PCP Duarte Alves, o ex-consultor admitiu que estaria em causa uma nova resolução ou uma liquidação do Novo Banco. E explicou porque não foi considerada a proposta de um investidor chinês que apareceu numa fase mais adiantada do processo de venda, sinalizando que o grupo não deu provas de capacidade financeira. Já a Apollo saiu da corrida porque não fez uma proposta firme, que estava condicionada a um processo de exclusividade que não foi aceite. Autoridades europeias e nacionais consideraram que a proposta não era credível.

Monteiro também justificou porque foi afastada a possibilidade de vender o Novo Banco em bolsa, invocando o trauma dos investidores com o último aumento de capital do BES.

As necessidades de capital do Novo Banco no final de 2015 chegavam aos 4.500 milhões de euros e resultavam de vários fatores: o Banco Central Europeu lançou uma nova avaliação, a SREP, que associado aos testes de stress, elevaram os requisitos de capital para 15,5%. Por outro lado, no início de todos os anos, o Novo Banco perdia uma fatia de capital com o abate de ativos por impostos diferidos que não foram usados. “Tudo somado elevava a mais de 4.000 milhões de euros as necessidades de capital”.

Estas necessidades de capital foram reduzidas com a transferência de dois mil milhões de obrigações seniores do balanço do Novo Banco para o BES mau no final de 2015, ainda que, destaque Sérgio Monteiro, esta operação não possa ser considerada uma medida de capital. Referiu também que quando o Novo Banco foi vendido em 2017, e com as medidas de capitalização associadas à operação — no montante de quase 1.500 milhões de euros — as necessidades de capital ficaram cobertas.  E as perdas registadas no ano de 2016 não levaram a pedidos de capital ao abrigo do mecanismo de capital contingente.

Monteiro recebeu 450 mil euros para vender o Novo Banco

O antigo secretário de Estado das Obras Públicas do PSD/CDS contou que foi abordado pelo Banco de Portugal em 2015 (Monteiro sai do Governo de Passos Coelho em outubro com as eleições) para coordenar a equipa que ia relançar o processo de venda do Novo Banco, cuja primeira tentativa tinha falhado em agosto. A deputada do Bloco de Esquerda quis confirmar o valor dos contratos de consultoria publicados no portal base e que indicam um valor de 507 mil euros.

Sérgio Monteiro corrigiu o valor para 450 mil euros, o que correspondia a 17.300 euros brutos por mês em 12 meses. O antigo consultor explica a diferença com a circunstância de alguns contratos não terem sido executados até ao fim. E confirma que o valor dos honorários era equivalente à remuneração que recebia na Caixa BI antes de ser nomeado para o Governo do PSD(CDS em 2011.

O antigo secretário de Estado está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito à gestão dos ativos do Novo Banco que geraram perdas para o Fundo de Resolução. Sérgio Monteiro iniciou a sua intervenção assinalando a memória de dois políticos que morreram na semana passada, Almeida Henriques, com quem trabalhou no Governo, e a Jorge Coelho, que é de Mangualde (como o próprio Monteiro).

Sobre o ex-presidente da Mota-Engil contou até um episódio que aconteceu quando estava à frente da pasta das obras públicas entre 2011 e 2015. Quando o Governo anunciou que precisava de rever os encargos com as parcerias público privadas (PPP), Jorge Coelho pediu uma conversa rápida para dizer “conte connosco enquanto grupo para ajudar o país. O grupo Mota-Engil aderiu e contribuiu na justa medida no que foi solicitado”.