Sete horas separam Lisboa de Manila, para não falar dos quilómetros. A pandemia (e o súbito adiamento da ModaLisboa) trocou as voltas a Ricardo Preto. Embora seja o nome que fecha o calendário desta edição, o designer não conseguiu viajar para participar presencialmente desta chave que, apesar das limitações, se quer dourada, não restando outra hipótese senão arquitetar o desfile à distância.

“Foi um desafio incrível”, começa por explicar, em conversa com o Observador. Mas a grande provação começou, na verdade, há um ano, altura em que a coleção para o inverno de 2020/21 tinha acabado de ser apresentada e a pandemia galopava, do oriente para o ocidente. “Tivemos de recuar, tentar entender o que poderia satisfazer o mercado e redesenhar a coleção toda”, recorda.

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Para entender a escala do ajuste, é preciso conhecer a dimensão da marca Ricardo Preto, presente em várias department stores asiáticas e responsável pela produção de nove toneladas de roupa, valor médio anual antes da pandemia. Desde então, o downsizing tem sido inevitável como parte da adaptação a uma nova realidade. Com a produção instalada em Portugal, em Itália e na China, as visitas sazonais às unidades de fabrico ficaram suspensas. “Tive de criar um bom espaço dentro do meu atelier, adaptar todos os computadores com bons ecrãs e preparar-me para receber amostras de tudo. Foi como trabalhar sozinho numa caixa onde apenas recebia correspondência”, conta.

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O cenário mantém-se um ano depois. As coleções foram reduzidas — de 80 modelos o criador passou para 50, no máximo — e, entre as prioridades, o conforto ganhou expressão, sem que isso afetasse a veia minimalista da marca Ricardo Preto, tão pouco o apetite por uma paleta otimista. Na coleção “Unfastened”, transmitida às 21h do último domingo, o desejo de retomar o convívio social falou mais alto e, inspirado pelo mote da própria ModaLisboa (comunidade), Ricardo deixou-se levar numa colaboração com as artes plásticas.

Ricardo Preto © Ugo Camera

Pedro Gomes, amigo de longa data, cedeu as suas paisagens urbanas para serem subtilmente estampadas em blusas, saias e vestidos. Cláudia Efe e António Real trouxeram “algo mais punk”, com o graffiti a surgir como apontamento nos acessórios. “O ponto de partida foi o querer ir para a rua, sair de casa e invadir os espaços urbanos. Obviamente, foi uma maneira de trabalhar com outros artistas. Acredito sempre nisto: o meu trabalho é mais forte quando me reúno com outros”.

Entretanto, a marca não se limita a sobreviver. “Continuamos a apresentar bons números”, garante o criador. Fala em estratégias de vendas online bem sucedidas, mas também numa corrida às compras em lojas físicas após o desconfinamento. Nas Filipinas, onde vive, os esforços de contenção da pandemia são bem mais nervosos — com cerca de 20 milhões de habitantes, uma elevada densidade populacional e um grande índice de pobreza, tudo volta a fechar ao mínimo sinal desfavorável. O vírus terá de dar tréguas para que Ricardo Preto volte a casa, ainda que seja de passagem.

Aleksandar Protic à descoberta da cor

Durante anos, Aleksandar Protic cingiu-se ao preto. O corte das peças, as texturas e a manipulação dos tecidos viviam da premissa monocromática das suas criações, uma imagem que virou passado à medida que o designer sérvio começou a explorar novas paletas. Esse caminho trouxe-o até aqui — uma coleção onde convocou cores garridas (sempre tendo o preto como base), numa parada de silhuetas esguias e onde misturou seda e veludo, ganga e lamé.

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“Esta coleção nasce daquilo que estamos a viver há um ano. Fiquei fechado em casa, em Belgrado, a cuidar da minha mãe — sem estar com amigos, sem sair à noite, ir ao teatro ou jantar fora. Percebi que, dentro de mim, está a ficar muita energia acumulada”, resume o criador, também ele a várias centenas de quilómetros de Lisboa. Misturar foi o verbo orientador — no caso dos materiais, mas também nas ocasiões em que o guarda-roupa feminino é posto à prova, mesmo num momento em que mal saímos de casa.

O resultado inaugurou um novo capítulo do percurso Protic — existem coordenados de inspiração ligeiramente desportiva, ao mesmo tempo que outros mantêm o tom chique e transgressor que durante anos o definiu enquanto autor. Minimal por natureza, Aleksandar deu-se ao luxo de brincar com camadas e padrões, numa assimilação de novos elementos. “Sempre tive vontade de fazer outras coisas, é tudo uma questão de fases. Neste caso, foi natural. Estou agora a descobrir os padrões, mas devagarinho”.

Luís Carvalho de olhos postos no céu

Já num ambiente noturno, o Pátio da Galé encheu-se de uma luz verde para o desfile de Luís Carvalho. Não foi por acaso. A inspiração da coleção foi um fenómeno celeste conhecido como autora borial e que levou o designer a explorar várias possibilidades de verde — do brilho do lamé aos padrões florais, sem esquecer os camuflados. Nas silhuetas, vimos o estilo Luís Carvalho no seu estado mais puro, com peças de alfaiataria masculina, ainda que com retoques de fluidez e contemporaneidade, folhos, franzidos e assimetrias do lado feminino.

Luís Carvalho © Ugo Camera

Antes disso, ao final da tarde, foi João Magalhães a pisar a passerelle digital, numa prestação bem mais soalheira. Na coleção “You and I Come From a Different Planet”, o jovem criador da plataforma Lab voltou a demonstrar a facilidade com que cruza as referências mais díspares, temperando o resultado final com a excentricidade que lhe é característica. Na base dos estampados esteve um levantamento fotográfico do meio aquático, feito na Costa Vicentina. Malhas e neoprene trouxeram a estética do surf para a equação, ao passo que a selva urbana mexicana ditou muitas das silhuetas, visivelmente marcadas pelo streetwear e com destaque para gangas tingidas à mão.

A nostalgia da pista de dança na estreia de Gonçalo Peixoto em Milão

O alinhamento deste último dia de ModaLisboa ficou completo com as apresentações de Saskia Lenaerts, na plataforma Workstation, e com o desfile de Gonçalo Peixoto. O criador voltou a evocar a nostalgia da pista de dança apresentada em fevereiro, durante a Semana da Moda de Milão. As silhuetas festivas e glamorosas são a promessa de que o futuro não poderá reservar outra coisa senão festa.

Na fotogaleria, veja (ou reveja) imagens dos desfiles que marcaram o último dia de ModaLisboa.